Mulheres illustres do Brazil/Heroinas de Tijucupapo

HEROINAS DE TIJUCUPAPO


 
A D. Maria Fragoso.
 

O principe de Nassau deu a Pernambuco um brazão d’armas, representado n’uma formosa donzella com bonita canna de assucar na mão e um espelho na outra.

Original, sem duvida, tal differença, lembrada pelo grande homem que deu bastante impulso ao torrão que pensava aggremiar aos dominios da Hollanda, esse paiz onde os seus filhos lutam tanto para preserval-o das aguas, obrigando a recuar humildemente o oceano, a um simples acêno do homem...

Elle fez bem, concordemos, em erguer assim a mulher pernambucana, cujo patriotismo em todas as camadas sociaes, tanto honra a historia brazileira, hoje provam, as que adornam esta galeria esculpida singelamente por mim.

Já o invasor havia soffrido diversas derrotas, já experimentára o valor dos leões do Norte, que intrepidos, se um forte desmoronava-se aqui, outro erguiam acolá.

Ainda assim, os inimigos avançavam intemeratos, até que um dia aportou em «Maria Farinha» pequena flotilha guarnecida por 600 homens apenas, simulando ligeiro desembarque, afim de iludir a vigilancia dos nativos que, sempre de alcatéa, seguiam-lhe o menor movimento, descobrindo afinal ser outro o seu intuito, em razão de se ter alta noite feito de véla para Tijucupapo.

Por ser pequena a povoação, julgavam que, pilhados de surpresa, se rendessem pusilanimimente os seus habitantes. Avisados estes, porém, como preparativos, fizeram um fortissimo reducto de páu a pique, esperando por essa forma os invasores, tendo á sua frente o seu sargento-mór de milicia Agostinho Nunes.

Achava-se com elles um homem chamado Matheus Fernandes, moço ainda, o qual, a commandar mais 30 companheiros, poz-se de emboscada. Ao avistarem os inimigos, uma bala prostrou mortalmente ferido o major holandez, bastando isso para que de parte a parte se tornasse o combate terrivel, medonho, digno de nota. Os recem-vindos provaram mais uma vez a sua grande coragem, prosseguindo na luta.

Não obstante isso, o reducto resistiu. Enlão, entre as balas e o fumo, passou-se uma scena gigantesca, raras nos annaes da humanidade. Havia entre os combatentes uma legião de mulheres invictas, olhar brilhante, gesto duro, corajosas, destemidas, sublimes, a distribuirem polvora e a manejarem as armas.

Muito embora os projectis passassem-lhes so bre as cabeças, o grito das que cahiam não produziam ataques hystericos, fazendo-as mudar de posto,

Uma dellas, fervorosa christä, olhar ficto no céu e na dextra a imagem do Christo, com a esquerda, a sua espada parecia um brinco, a manejal-a como consumado esgrimista, ao passo que alentava o grupo de senhoras que alli estava, feições calmas, alma transfigurada n’um sorriso de vencedora convicta, encorajando as que enfraqueciam, tudo isso n’um estoicismo de fazer pasmar o proprio hollandez.

A magestade do todo, a belleza do dia, o calor do sol, entre as bençãos da patria, as hosannas do futuro, o denodo momentaneo, as filhas da Marim» antiga, as descendentes dos Tabajaras, obrigaram a recuar o inimigo por tres vezes.

Estes, no ardor da peleja, reunem-se em massa e aggridem corpo a corpo.

Já não era batalha; era um duello de morte, terrivel, athletico, odio acceso pela disputa da terra, pela defesa do feudo...

Os machados substituiam as espingardas, cruzava-se o ferro, estremecia o reducto, cahiam as estacas, confundiam-se o sangue, as respirações, os brados de agonia, ao passo que aquellas mulheres sem mais ambição do que conservou a posse do lugar que as vio nascer, dignas de haverem figurado nos Circos de Roma ou nos Jogos Olympicos da Grecia, firmes nos seus postos, sem estremecimentos de gloria ou de vaidade, ferem e são feridas, condemnam e são condemnadas...

Nas vastas regiões da morte, enquanto o hollandez foge espovorido, Pernambuco reune aos seus floridos festões o nome de varias heroinas, as quaes, cousa estranha e gigantesca; – no Brazil, pelos dias coloniaes, surgiram no pó das batalhas, para as batalhas, sem esses sonhos de orgulho e de soberba que dão cansaço e afinal fazem rastejar tudo pelo plano da vulgaridade...

Não tinham por certo reinos a construir, nem palacios a derrubar, nem politica que dirigir, nem congressos femininos a crear...

O Brazil, que diz a tradição ter tido a cohorte guerreira das Amazonas, podia, pela lei de ata- vismo fazer resurgir a raça...

·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·

E o sol, allumiando o quadro, espraiou sobre a fronte das nossas patricias um feixe de luz e de gloria!...