PREFACIO
O presente livro não é um trabalho de floricultura. O Pantheon feminino, se por um lado faz lembrar os jardins pensis do tempo de Semiramis, por outro lado reflecte o espirito do seculo, para o qual, no dizer de Tobias Barretto, «a propria poesia já não é o que foi outr’ora, uma cousa frivola, pueril, porém um acto de sensatez, uma profissão de fé philosophica, um trabalho serio e reflectido como uma conta corrente.»
O que á primeira vista parece um trabalho de jardinagem, não é em seu todo senão um estudo de psychologia feminina.
Não é que a auctora não goste de cultivar as bellas filhas da primavera; mas nas Mulheres Illustres o cultivo das flores visa um outro fim que a emoção esthetica.
Todavia, entre nós, ella tem passado despercebida,não obstante em 1860, o fallecido escriptor Snr. Norberto de Souza haver escripto sobre algumas, manifestando desejo que uma senhora brazileira tomasse a si o trabalho de continuar a sua obra com mais desenvolvimento, dando aos esboços os traços sentimentaes desse agrupado de sensações que assaltam a alma feminina e que só uma mulher as pode conhecer bem. Concordo com o illustre litterato.
Porque razão a mulher não poderá ser conhecida pela penna de outra mulher, estudando em si, a psychologia alheia?
Nas longas horas de reflexão e de estudo em que se immerge a minh’alma de artista, que trabalha isoladamente, chamei sobre mim a grande missão de resolver o bello mas difficil problema, steryotipando os esboços historicos que apresento, não só como uma licção de historia patria, como tambem realçando os tons dos sentimentos de cada esboçada nas suas qualidades affectivas, de accordo com o fim litterario a que eu o destino.
Por isso, enfeixo neste Panthéon as «Mulheres illustres do Brazil», formando o primeiro volume onde empreguei toda a minha actividade mental, toda a boa vontade, apezar dos obstaculos que encontrei à realisação do meu disideratum.
Eu quero resuscitar, no presente, as mulheres do passado que jazem obscuras, devendo ellas encher-nos de desvanecimento, por ver que bem raramente na humanidade, se encontrará tanta aptidão civica presa aos fastos da historia.
Faço, outrosim, salientar as que mais sobresahiram nas lettras, a fim de que se conheça que houve alguem que amou a arte e viveu pelo talento, tirando-as, como as-outras, da barbaria do esquecimento, para fazel-as surgir, como merecem, á tona da celebridade.
A mulher não deve viver sómente pelas virtudes, nem pelas graças: ella deve, necessita, agir pela intelligencia, de accordo com os seus deveres moraes e civicos...
Como verão, não quero tornar-me prolixa, nem tão pouco ligeira de mais...
O alargar-me sobre estudos historicos, notas extensas e massante critica litteraria, produziria bocêjos, mas não attrahente impressão. O que digo, para a esthetica do livro, chega.
Ao terminar, deponho nas mãos de V. Exª... este modesto volume que espero se tornará a Biblia da instrucção moral e civica assim como o grande codigo de sympathia sincera que me una áquellas a quem offereço o meu trabalho, que somente valerá pela mercê com que o acceitarão, pagando-me assim dos mezes, das semanas, noites e dias que nelle gastei.
Acceitem-n’o como a melhor prenda tirada do espolio do meu testamento litterario. O segundo volume irá depois.
Abram religiosamente a porta deste templo brazileiro, que desejaria eu ter raro e original talento para de pequeno tornal o grande, ornando este «Pantheon» dos melhores marmores do pensamento, a fim de saliental-o como os magestosos templos da Grecia e de Roma, que têm atravessado gerações.
Analysem, estudem o que fizeram nos seus deveres civicos moraes e mentaes esses quarenta e um vultos e deponham na égide da patria, uma grinalda de rosas, como lembrança e admiração de V. Excellencia para com ellas... Para mim, apenas a recompensa moral que se deve dar á mulher que estuda e trabalha, mas que necessita de apoio, applaudindo-se a minha idéa.
Ignez Sabino.
Rio, 1º de Janeiro 1899.