Lembra-te o Jardim, querida!
Lembra-te ainda da vida
Aquela quadra florida,
Que ali passamos então!...
— Duas salas, um terraço,
Poucas flores, muito espaço,
Muita luz; mas a melhor,
— A flor do teu coração,
A luz do teu santo amor!
Não tinha a casa pintura,
O chão não tinha cultura:
Paredes nuas, ladrilho,
Tudo singelo, sem brilho...
Ninguém diria a ventura
Que ali se pudera achar!
É porque ninguém sabia
Que tu ali vinhas ter
A cada romper do dia
Como um raio de alegria!
É que o sol no seu morrer
Seus raios ali mandava,
Como que nos céus fixava
A história do amanhecer!
— Que o ciclo da nossa vida
Da terra oscilava aos céus,
Na luz do amor teu, querida,
Na luz mandada por Deus!

E depois, se vinha a noite.
Fossem trevas ou luar,
— Como em sonhos prazenteiros,
Como em mágicos luzeiros,
Do infinito pelos campos
Se ia minha alma a vagar!
— São menos os pirilampos
No bosque — à noite! — as estrelas
Nem tantas são, nem tão belas
Como os doces devaneios,
Desejos, temor, receios,
Daquele ameno cismar!
Vivia! estava desperto!
Eu contigo me entretinha;
Tu ali estavas — bem perto,
A voz te ouvia que vinha
De amor minha alma inundar!
Mais formoso que tal sonho
Era só meu acordar,
Vendo teu rosto risonho,
Vendo nele do meu sonho
A imagem se desenhar!
— Ouvindo-te a voz macia
Baixinho pronunciar
Frases de amor, de poesia,
Que ninguém pudera achar!

Crê-me! a infanta portuguesa,
De Inglaterra a princesa,
Laura, Elvira, Beatriz,
Nos cantos de ilustres bardos
Só — foram grandes: tu, não!
Distinta por natureza
No sentimento rainha,
A poesia te vinha
Sublime, estreme, feliz,
Traduzida em gesto brando,
Ou d'alma plena brotando
Do abundante coração,
Ampla, caudal como um rio,
Como pérolas em fio
A granizarem no chão!

Aquelas vivem eterno
Na história do seu amor!
Em trono de luz sentadas,
C'roadas de resplendor!
Mas, quem dirá o que foste!
O que és ainda — talvez!
Se estas pobres folhas soltas
Nem chegarão a teus pés?!