O teatro representa a sala da sociedade carnavalesca Netos da Lua, no domingo gordo. Mobília suntuosa, piano, lustre, jarras, flores, bandeiras, etc. Três janelas de sacada ao fundo, deitando para a Rua do Visconde do Rio Branco. Na primeira porta da esquerda, um escudo azul e branco, tendo no centro, em diagonal as iniciais N. L., e encimado por duas carrancas enlaçadas com um pano verde.
Cena I
editarAugusto, Silva, Doutor Cábula, Fonseca, Sara, Chiquinha, e máscaras, depois Machadinho e Luís
(Ao levantar o pano, Todos os que se acham em cena dançam freneticamente uma valsa, acompanhada pela orquestra. Ardem fogos-de-bengala nas sacadas. O Doutor Cábula é o único que não se acha fantasiado e mascarado.)
Todos (Depois da valsa, extenuados e tirando as máscaras.) - Vivam os Netos da Lua! Vivam! Vivam!
Doutor Cábula (Subindo a uma cadeira.) - Meus filhos e filhas! (Bate palma.) Atenção! (Faz-se silêncio.) Nas lutas, nas terapêuticas polares e essenciais dos sentimentos aquosos, nas nevroses contemplativas das explosões hodiernas, retumbam os desmoronados cimentos das convulsões que produzem os infinitos cataclismas sociais. Et ego vacueretes mea tibi ajaceo. Santo Agostinho, capítulo terceiro, título quarto, artigo nono. (À parte.) Que chorrilho! (Alto.) Nas idéias principais à absorção conscienciosa dos raios solares, cifram-se os tríduos confidenciais dos conciliábulos meditabundos dos desenvolvimentos gerais, das magnitudes do nosso partido. - Não! não há partidos! a banca é lisa!
Todos - Entre na questão!
Doutor Cábula - Moderai os ânimos esquentados, meus filhos: ira perturbere regulamentum mente in aquare vobis. Santo Inácio de Loiola, capítulo sétimo, parágrafo décimo do Regulamento dos Bondes da Vila Isabel!
Todos - Muito bem! Ah! Ah! Ah!
Doutor Cábula (Sempre com extrema volubilidade.) - A decrepitude senil de meu crânio vetusto resolve a algidez dos rijos materiais à contradição palpável dos princípios imutáveis e perenes da indústria manufatureira dos abacaxis.
Todos - Ah! Ah! Ah! Bravo!
Doutor Cábula - Ride, ride...risum est apetitum carnivoros comedere. (Isto é meu) A aurora dos tempos sublimes dos areópagos indefiníveis...
Augusto - Não sejas amolador, ó Cábula! Sai daí. (Dá um pontapé na cadeira e o Doutor Cábula cai no chão.)
Doutor Cábula (Erguendo-se.) - Que cábula!
Silva (Saindo de uma das sacadas, onde tem estado desde que terminou a valsa.) Aí vem o Machadinho: conheci-o pelo andar.
Todos - O Machadinho! -Ainda bem! - Já tardava! - etc.
Coro - Oh! que prazer!
Ele aí vem!
Nós vamos rir,
pois jeito tem
pra divertir!
vamos Todos sem demora
o amigo receber
agora.
Augusto - Que novidade nos trará?
Doutor Cábula - Aposto que rir nos fará!
Augusto - Temos panos para mangas.
Doutor Cábula - Frandulagens, bruzundangas.
Coro - Eis que ele aí vem,
Luís também!
(Entram Machadinho e Luís fantasiados também.)
Rondó e Coro
Machadinho - Meus folgazões,
meus foliões,
finalmente aqui nos tem!
Vamos ver
hoje quem
tem garrafas pra vender!
Ouvi, meus amigos,
da festa os artigos:
Primo: quem deixar
de rir e folgar
levará sopapos;
em papos, em papos
de aranha andará;
suspenso será!
Secundo: é vedado
brincar mascarado;
intrusos então
se introduzirão.
Tércio: mui respeito
se deve ao sujeito
velhote que está
dormindo acolá.
Quem estes artigos
infringir! castigos
severo terá;
punido será.
É bom haver ordem,
pois qualquer desordem
não pode abonar
quem a praticar.
- Meus folgazões,
meus foliões,
finalmente aqui nos tem!
Vamos ver
hoje quem
tem garrafas pra vender!
Coro - Os folgazões,
os foliões,
finalmente aqui os tem!
Vamos ver
hoje quem
tem garrafas pra vender!
Machadinho - Toca para a sala de jantar. Está posta a ceia. Aviem-se que preciso de vocês.
Todos - Viva o Machadinho!
Doutor Cábula (Ao Machadinho.) - Eu te abençôo do fundo do meu estômago. (Saem Todos menos Machadinho e Luís. Música na orquestra durante a saída.)
Cena II
editarMachadinho e Luís
Machadinho (A Luís, que entrou no gabinete da direita e saiu logo.) - O velho?
Luís - Ainda dorme. Está ali.
Machadinho - No Necrotério, sei.
Luís - Necrotério?
Machadinho - Necrotério aqui é o lugar em que se cozem as monas.
Luís - Mas papai não é precisamente uma mona!
Machadinho - Ninguém disse tal.
Luís - Coitadinho de papai.
Machadinho (Arremedando-o.) - Coitado de papai! (Naturalmente.) Então, rapaz? Queres chorar?
Luís - Não, mas quando me lembro que o metemos nestes assados sem consciência sua...
Machadinho - Ora, ora, que novidade! Se ele soubesse de tudo cá não vinha. Bem sabes que era preciso fazer o que se fez. O velho acorda aqui, em pleno baile carnavalesco. O carnaval é coisa nova para ele. Supõe-se, fazemo-lhe supor-se, na Lua. Nada receies: eu me encarrego de desculpar-te.
Luís - Perdoará ele o havermo-lo enganado? abusado de sua boa fé?
Machadinho - Deixa-te de asneiras! Olha que és um maricas! Como diabo, a não ser assim, havíamos nós de carregar com teu pai para a corte e colocá-lo em frente do velho Santos, seu futuro sogro? Ah! escreveste-lhe?
Luís - Escrevi. Pedi-lhe que se achasse à meia noite aqui, e fantasiado. (Entra o Doutor Cábula.)
Machadinho - Quem levou essa carta?
Luís - O Cábula.
Cena III
editarMachadinho, Luís e Doutor Cábula
Doutor Cábula - Falavam de mim?
Machadinho - Entregaste a carta do Luís?
Doutor Cábula - Em mão própria. O tal teu futuro sogro é um velho bem cabuloso. Enquanto lia a carta, deu-me uma dúzia de palmadinhas na barriga. Mas dei-lhe os contras.
Luís - Obrigado, meu bom amigo, ser-te-ei eternamente grato.
Machadinho (À parte.) Temos facada com certeza.
Doutor Cábula (À parte.) - Vou dar-lhe o plano. (Alto.) Ó Luís, és homem para trinta mil-réis? Quero fazer uma vaca de sessenta...
Machadinho (À parte.) - O que dizia eu?
Luís (Dando dinheiro ao Doutor Cábula.) - Aqui tens.
Doutor Cábula - Obrigado. Em quanto estamos?
Luís - Nós temos contas.
Doutor Cábula - Então dá cá mais vinte, para fazer cinqüenta...
Luís - Pois não. (Dá-lhe mais dinheiro.)
Doutor Cábula (À parte.) - Estou arrependido de haver pedido tão pouco. (Alto.) Toma nota! Cinqüenta mil réis! Depois não quero dúvidas no pagamento... Vou levar a banca à glória em Três relances e meio. (Vai saindo.) Olha, depois não andes a te esconder de mim, para evitar o pagamento, hein? (Sai. Durante a cena que se segue, ouvem-se vozerias, brindes, etc.)
Cena IV
editarMachadinho e Luís
Machadinho - Eu sabia que aquilo era tiro pronto.
Luís - Não importa; é um aliado poderoso que compramos por bem pouco.
Machadinho (Consultando o relógio.) - Faltam apenas dez minutos para a meia-noite. Sangue frio, meu amigo. Mune-te de bastante sangue frio, embora o tenhas de ir buscar a algum açougue.
Luís - Bem; eu vou...
Machadinho (Marchando vivamente.) - Ao açougue?
Luís - Não...
Machadinho (À parte.) - Capaz era ele disso!
Luís - Vou esperar o Santos à porta da rua. Toma sentido que os rapazes não façam alguma com o papai.
Machadinho - Vá descansado.
Cena V
editar[Machadinho e Doutor Cábula]
[Machadinho] - É muito tolo, coitado, mas afinal de contas é uma pérola! Que culpa tem ele que nascesse Arruda? Outro qualquer não consentiria que a seu pai fizessem tanto, mas julga naturalíssimo estar tudo por amor da sua Zizinha. Mas eu, que não sou da família, não tenho escrúpulos: trato de divertir-me o mais que posso e, ao mesmo tempo, auxiliar a realização dos sonhos dourados de um amigo. (Dá meia-noite.) São horas. (Chamando.) Ó Cábula! Cábula! Augusto! Silva!
Doutor Cábula (Dentro) - Não me encabules!
Machadinho - Venham cá. (Entra, Augusto, Silva e o Doutor Cábula.)
Cena VI
editarMachadinho, Augusto, Silva e Doutor Cábula
Doutor Cábula (Entrando por último.) - Ora sebo! Lá se foram a vaca, os bezerros e tudo quanto Marta fiou. Estou reduzido a uma fichinha de duzentos e cinqüenta réis. Um maço de cigarros. Nunca chamem por mim quando eu estiver acompanhando alguma costela, porque é tiro e queda! Ela quebra logo.
Coplas
I
Voto de não jogar já fiz;
mas, ó razão, de mim te apartas!
Convicto estou: não sou feliz...
Vício fatal! Malditas cartas
Fico maluco por um triz,
se alguma coisa apanho;
perco outra vez; peço ao Luís...
Perco o que ganho e o que não ganho!
Mas, agora? Nunca mais!
Desta vez prometo:
noutra não me meto!
Nunca mais!
Sim! Dito está! Não jogarei jamais!
II
Quando o parceiro as cartas deu,
na mesa estava uma remissa;
joguei... e o meu dinheiro, ó Céu!
foi - fogo viste lingüiça! -
Mas um consolo tenho eu
(Pobre de mim sem tal consolo!):
Não jogo nunca o que é meu,
mas do Luís, qu’inda é mais tolo...
Mas, agora? Nunca mais!
Desta vez prometo:
noutra não me meto!
Nunca mais!
Sim! Dito está! Não jogarei jamais!
(Consigo.) Mas se eu tentasse a desforra? (A Machadinho, Augusto e Silva, que conversam entre si.) Qual de vocês aí é homem para cinco bodes?
Machadinho - Nenhum.
Augusto - Ora vai-te catar!
Doutor Cábula (a Silva.) - Não tens aí dois pelintras disponíveis. (Silva vai para dar-lhe dinheiro; Machadinho pega-lhe no braço.)
Machadinho - Não estejas a alimentar vícios!
Doutor Cábula - Não impeças uma boa ação, menino!
Machadinho - Venham daí. Ajudem-me a conduzir para aqui o pai do Luís. (Entra no quarto da direita, acompanhado por Augusto e Silva.)
Doutor Cábula (Refletindo.) - Decididamente não jogo mais! Mas... mas deixem lá que uma desforra tem seu sabor! Onde o diabo hei de arranjar dez tostões? (Os rapazes voltam, trazendo Arruda a dormir sentado em uma poltrona e vestido de bombeiro de Nanterre.)
Machadinho - Bem. Agora Silva, tu coloca-se àquela porta e, tu, Augusto, àquela outra. Não deixem entrar ninguém, sem que lhes dê sinal, e sobretudo não apareçam. O velho pode conhecê-los. O sinal é um assobio. Augusto e Silva - Entendido. (Vão colocar-se, um à direita, outro à esquerda e desaparecem no correr da cena. Machadinho tira do bolso um cortiça queimada, vermelhão, etc. e pinta o rosto de Arruda, ajudado pelo Doutor Cábula.)
Doutor Cábula - Que cara cabulosa!
Machadinho - Estes bigodes e estas sobrancelhas dão-lhes uma graça!
Doutor Cábula - Isto é uma cara de azar.
Machadinho - Pronto! (O Doutor Cábula com um pedacinho de papel enrolado faz cócegas no nariz de Arruda.) Mais respeito! É o pai de um amigo!
Doutor Cábula (Com solenidade cômica.) - Respeitemos o nariz da cara do pai de um amigo!
Machadinho - Agora, atenção! Vou despertá-lo...
Doutor Cábula - Cuidado...
Machadinho - Não vás dizer alguma tolice. Estás a par da situação. Tento na boca! (Tira um vidrinho da algibeira e faz com que Arruda lhe aspire o conteúdo.)
Arruda (Desperta, esfrega os olhos, espantado em redor de si.) - A mode que senti uma infulenização no sangue! Onde estou?
Machadinho - Estamos na Lua!
Arruda (Dando um pulo.) - Hein? Entonces sempre é verdade? (Encaminhando-se para uma das janelas.) Que rua é esta?
Doutor Cábula - É a Rua do Visconde do Rio Branco.
Machadinho (Baixo ao Doutor Cábula.) - Então, foi abrires a boca e dizeres asneira!
Doutor Cábula - Não... é... é...
Arruda - Entonces! O Paranho já é conhecido na Lua!
Machadinho (Tomando o braço de Arruda.) - Não chegue à janela, Senhor Arruda!
Arruda (Reconhecendo-o.) - Ah! é vacê, seu doutô? Mas não chegue à jinela por quê?
Machadinho (Mostrando-lhe o traje, misteriosamente.) Pois não vê?
Arruda (Extremamente surpreso por se ver vestido de bombeiro.) - Que vestimenta é esta? Eu não sou sordado! Quem me vestiu assim? Mangarum comigo!
Machadinho - Eu lhe explico. Não mangaram tal. O nosso foguete caiu num quartel de bombeiros da Lua, e os trajes que trazíamos foram Todos confiscados para o museus da pálida Diva.
Arruda - Entendo... entendo... e me botarum esta vestimenta pra sarvá as conveniência sociá... Ah! Ah! Ah! Quê dê Lulu?
Machadinho (Com mistério.) - Chut!
Doutor Cábula (Que tem acompanhado Todos os movimentos de Machadinho no mesmo.) - Chut!
Arruda (Mistificado.) - Que diabo de especulação é esta?
Machadinho - O Lulu agora é o rei da Lua e eu sou o seu primeiro ministro. O senhor é o pai de Dom Luís I. (Doutor Cábula faz grandes cortesias a Arruda.)
Arruda (Passado o grande pasmo que lhe causaram as palavras de Machadinho e as cortesias do Doutor Cábula.) - Quê dê Lulu?
Machadinho - Sua Majestade está no Observatório conversando com as estrelas; não pode receber nem mesmo seu próprio pai.
Arruda - Iremo logo mais. (Coordenando as idéias.) Mas... que diabo! parece que vim dromindo! Não vi memo a viaje.
Machadinho - O Senhor Arruda tem uma natureza fraquíssima. Quando embarcou, parece que algumas gotas de vinho que bebeu no Restaurant do Jardim Botânico lhe havia subido à cabeça, e depois a rarefação do ar nas camadas interplanetárias causou-lhe uma síncope, cujo fenômeno as ciências naturais explicam muito facilmente. Chegamos há Três horas, depois de dois dias de viagem, e só agora eu e este senhor, nosso companheiro de viagem, conseguimos despertá-lo1
Arruda (Ao Doutor Cábula.) Ah! vacê veio com nós?
Doutor Cábula - Acidentalmente.
Machadinho - Este é o célebre professor aeronauta elétrico... (Cortesias do Doutor Cábula.)
Arruda - Ahn... Conheço muito! A roupa dele não foi pro museu.
Machadinho -... o muito sábio Doutor Humboldt Agassis Levington Lesseps X.P.T.O. London...
Arruda - Vacê só me apresenta gente cum nome de légua e meia!
Machadinho (Continuando a apresentação, enquanto o Doutor Cábula desfaz-se em exageradas mesuras.) - ...Ilustre americano muito conhecido em todo o Universo por seus inúmeros e importantes descobrimentos!
Arruda - Pois seu Assis... Assis foi único nome que entendi...
Doutor Cábula (Com exagerada amabilidade.) - Agassis... Agassis...
Arruda - Aguassis... Estimo conhecê-lo... Lá estamo às orde... (Não sabendo para que lado apontar, para iniciar a situação da sua fazenda.) ... lá...Espere! Para onde fica a fazenda? Pra que lado fica Ubá?... Ah! Deve ser pra baixo! (Apontando para o chão.) Lá estamo às orde de Sua Senhoria.. lá em baixo, em Ubá!
Doutor Cábula - Muito obrigado. (Com volubilidade.) Andava eu no meu balão, fazendo uma viagem de recreio à roda desse pequeno planeta que se chama Terra, quando senti que o aparelho era atravessado por um foguete descomunal, que à primeira vista tomei por um bólido. O tafetá do bojo solidificado pela guta-percha resistiu: ficou o balão pendurado no seu foguete que não diminuiu de velocidade, e, assim, tranqüilamente, deitado no funda da minha barquinha feiticeira, vim para, com Vossas Senhorias, a Lua. É um episódio interessantíssimo, que há de fazer furor no Instituto Histórico e Geográfico de Nova Iorque, se eu tiver a felicidade de voltar à Terra.
Arruda - Voltaremo noutro foguete. Fique descansado, Seu Eguassis. Se isto não me agradá, cá não fico. (Ouvem-se brindes, etc.) O que é isto?
Machadinho - Isto é um baile que dá a estrela Vênus por ver um regente no trono, que estava acéfalo desde que lhe morreu o pai. O baile é oferecido ao Rei Luís , seu filho, para festejar as suas ascensões: à Lua e ao trono. (Assobia.)
Doutor Cábula (À parte.) - É de muita força este menino!
Arruda - Mas o que me admira é eles falá a língua que nós falamo.
Doutor Cábula (À parte.) - Mas o velho é de mais força!
Machadinho - Isso é gente de uma memória e habilidade espantosas. Demais, moram no Céu: não admira que saibam tudo. (Rumores fora.) Atenção, Senhor Arruda! Aí vem Vênus e seu rancho.
Cena VII
editarMachadinho, Doutor Cábula, Arruda, Augusto, Silva, Fonseca, Sara, Chiquinha e máscaras.
Coro Geral - Viva o carnaval!
Viva o bacanal!
Viva o saturnal!
Nesta noite festival,
tudo é feliz, jovial!
Contentes vamos dançar,
brincar, saltar e folgar!
Arruda - Que gente é esta?
Na Lua, vejo, há grande festa!
Machadinho - Pois não disse-lhe já, Senhor Arruda
que o seu Lulu no trono se grudou?
Pois Vênus, que é quem gruda,
esta festa ordenou.
Coro - Pois Vênus, que é quem gruda,
esta festa ordenou. (Dança geral e desordenada.) Viva o Carnaval!
Doutor Cábula (A Machadinho.) - Vou ter com o Luís.
Machadinho - Vá, dize-lhe que já é tempo. Não lhe peças dinheiro emprestado.
Doutor Cábula - És um monstro. (Sai.)
Cena VIII
editarMachadinho, Arruda, Augusto, Silva, Fonseca, Sara, Chiquinha e máscaras.
(Sara tem se apegado a Arruda, que parece impressionado. Ciúmes de Fonseca.)
Machadinho (A Sara.) - Não o deixes; olha que isto é mina de caroço.
Sara (A Machadinho.) - On fera ce qu’on pourra.
Arruda (Entusiasmado.) Não saio mais da Lua. Mando vendê fazenda, negro, tudo o que tenho lá em baixo. (Aponta para o chão.), e venho de vez pr’aqui. (A Sara.) Sua Senhoria se parece muito cuma madama qu’eu vi no Jardim Botânico no dia em que vim cá pr’arriba. Cara duma, focinho doutra.
Sara (Baixinho. Grupos diversos.) - C’etait moi... mon bibi... c’etit moi même...
Arruda - Não fale língua da Lua, dona madama, Sua Senhoria fale língua brasileira, que é a que me ensinaram...
Sara - Esta mulher que vias na Terra... era eu...
Arruda - A Baronesa?
Sara - Era eu. Amo-te... Tenho-te seguido por toda a parte!
Fonseca (Inflamado.) - Madame Sara, vous êtes une cynique... notre rélations sont brisées par toujours... vous voulez me place à perdre...
Sara (Repreeensiva.) Meu bem...
Fonseca (Dando-lhe um dedo.) - Mordez ici (Sara morde-lhe o dedo.) Ai!
Arruda - Seu Barão, descurpe a muié... ela não tem curpa de me tê amizade...
Fonseca - Deixe-me senhor! Ne compt pas avex moi, perfide! Adieu pour jamais!
Todos (Que tem presenciado a rir-se, rompem numa gargalhada.) Ah! Ah! Ah! (Fonseca sai.)
Machadinho - Deixem esse idiota! Que vá falar francês na casa do avô torto. (Música na orquestra. Queimam-se fogos-de-bengala nas sacadas. Dentre as mulheres sai uma andaluza, de meia máscara de seda e executa um bailado. Findo o bailado, Machadinho apresenta Arruda à sociedade.)
Cena IX
editarMachadinho, Arruda, Augusto, Silva, Sara, Chiquinha e máscaras, no fim da cena Fonseca.
Machadinho - Meus amigos e amigas, apresento-lhes o pai de Sua Majestade.
Todos - Viva o pai de Sua Majestade! (Forma-se de repente um cortejo, que desfila pela frente de Arruda, que está cheio de si, e visivelmente embeiçado por Sara.)
Marcha e coro
Salve o progenitor
do nosso rei recente
Por nós serás, senhor,
amado eternamente!
Machadinho (Apresentando diversos indivíduos a Arruda.) - A Estrela d’Alva! - Vésper! - Saturno! - Mercúrio!
Arruda - Conheço uma pomada de sua invenção.
Machadinho - Tem muitas outras invenções: o bacará, o trinta e um... o marimbo..
Arruda - Isso é jogo...
Machadinho - Parece.
Arruda - Ah! aqui na Lua também há disso? (De repente, a Sara, que o encara meigamente.) Ó ladrãozinho, tu me mata!
Fonseca (Reaparecendo.) - Quem vem ao chocolate?
Todos - Vamos! Vamos! Ao chocolate! (Saem Todos em confusão. Arruda é arrastado por Sara no meio do tumulto geral.)
Cena X
editarDoutor Cábula, Luís e Santos
Santos (Metido num dominó.) - Ora, senhores, eu! um homem sério! um pai de família! um funcionário público! metido num dominó, e obrigado a embarafustar por uma casa destas! - Mas não importa! trata-se de quebrar a castanha na boca de seu pai! Faço idéia da cara com que ele vai ficar.
Luís - Agradeço-lhe a oportunidade!
Santos - E há de quê... e há de quê! Ora, meu Deus! um homem com vinte e Três anos e quatro meses de bons serviços ao Estado!
Doutor Cábula (À parte.) - Já voaram cinco bancas, e eu sem armação! Se este Santos espirasse...
Luís - Vem gente. É ele. Venha para cá. (Vão Todos os Três para uma das sacadas do fundo, cujas cortinas Luís faz descer.)
Cena XI
editarDoutor Cábula, Luís, Santos escondidos, e Arruda que entra de braços dados com Sara
Santos (À parte, deitando a cabeça fora da cortina.) - É ele! Reconheço-o como se não o visse há quinze dias, e, no entanto, já lá vão trinta anos. (Dando com Sara.) Ela! Olé! Foi bom eu vir aqui. Deixa estar, que não me apanhas mais vintém!
Arruda (Rendido, a Sara.) - Tu é muito bonitinha, ladrãozinho. Quando eu te vi, seu bem, meu coração pegô a batê zuque, zuque, zuque; com uma força iguá à da engenhoca d’água da comadre Inclementina. (Senta-se.)Tu não conhece a Inclementina? Aquela do Juiz de Fora!... Home é tão conhecida! Vacês aqui na Lua diz que sabe de tudo! - Ah! seu ladrão! Eu posso fazê a tua felicidade. Sou podre de rico!
Sara - Sei que é muito rico: tens fazenda em Ubá, em Maçambará...
Arruda - É... é... Como ela sabe de tudo home!
Sara - Bebê, fica... fica aqui comigo...
Arruda - Ela não saberá que eu sou casado?
Sara - Sei que és casado, mas...
Arruda (À parte.) - Ai, ai,...
Sara - Mas se quisesses?
Arruda - Casar outra vez?
Dueto
Doutor Cábula (Saindo da sacada e aproximando-se.) - Então, meu caro Senhor Arruda, está melhor aqui do que na Terra, hein?
Arruda - Ah! vacê tava aí? Me farte a luz na hora da morte se eu lhe vi... Home, vacê qué que eu fale?
Doutor Cábula - Com franqueza.
Arruda - Pois home; Seu Assis, diabos a Terra! Aqui os are são mió. (Santos sai também da sacada e se aproxima.) Quem é este frade? Na Lua também há disto?
Santos - Ora, senhores! Um homem sério!... Um funcionário quase aposentado e pai de cinco filhos!...
Arruda - Pra que é essa coisa que vacê traz na cara?
Doutor Cábula - É da Ordem... é da Ordem...
Sara (À parte.) - Eu conheço aqueles olhos... Mas, qual! é impossível! Ele não freqüenta sociedades carnavalescas..
Santos (À parte.) - É ela mesma. Não me apanha mais vintém.
Luís (Saindo por sua vez da sacada e descendo a cena.) - Não prolonguemos por mais tempo esta cena. É demais! Vamos, Senhor Santos...
Arruda - Senhô Santos! Meu filho, Vossa Majestade disse - Senhô Santos?
Luís - Tire a máscara.
Santos (Tirando a máscara e avançando para Arruda.) - Então, você não disse que não vinha mais à corte?
Arruda (Assombrado.) - O Santos!...
Santos - Veio ou não veio à corte?
Arruda - Que corte, home! Lua não é corte!
Santos - O que diz ele? (Aparece Machadinho.)
Doutor Cábula - Que cábula!
Sara (Embaraçada desde que Santos tirou a máscara, à parte.) - Me voila pincée.
Cena XII
editarDoutor Cábula, Luís, Santos, Arruda, Sara e Machadinho
Machadinho (Aproximando-se.) - Senhor Santos, Senhor Arruda, eu explico o caso.. o Senhor Arruda supõe que fez uma viagem à Lua, ao passo que a viagem que fez foi apenas de sua fazenda à corte, onde está.
Arruda - Na corte! Eu tou na corte! Ué! Eu não esperava isso de Sua Senhoria, seu doutô (Puxando as orelhas de Luís.) Venha cá, seu rei da Lua, então vacê mangou de seu pai...
Luís - Papai...
Machadinho - Perdão, o autor do quiproquó foi este seu criado. Eu sabia da divergência que há entre o senhor e o Senhor Santos, e da promessa que o senhor havia feito de não por os pés na corte. O Senhor Santos só consentia no casamento de Luís com Dona Zizinha com a condição que o senhor viesse ao Rio de Janeiro. Por amizade a seu filho e aproveitando o desejo que o senhor tinha de ir à Lua...
Arruda - Que bonita figura fiz eu, sim senhô, não tem que vê!
Santos - Já que está, consinta no casamento daqueles dois pombinhos...
Arruda (De maus humor.) - Já consenti!
Luís - Obrigado, papai. (Beija as mãos do pai.)
Arruda - Saía daqui, filho de um burro!
Machadinho - Agora, um favor, Senhor Arruda, estenda a mão ao seu ex-condiscípulo, e o passado, passado.
Santos e Arruda - Ele que estenda {primeiro
{ premero
Doutor Cábula - Eu concilio tudo, apesar de não ser da família. (Toma as mãos de ambos e une-as.) Ego conjugo vobis.
Sara - Tableau!
Santos e Arruda - Eu sempre gostei dele, mas é muito teimoso.
Arruda - Mas, enfim, onde estamo nós?
Machadinho - Deixe para mais tarde as minudências... logo saberá de tudo... (A Luís.) Hás de ser o único de ir à lua... à lua de mel! (A Arruda.) O saque está em mão do Luís; não tocamos em um real.
Arruda - Pois guarda ele, Lulu: é teu dote.
Santos (Dirigindo-se a Sara.) - Contigo é que não faço as pazes... Não me apanhas nem mais um vintém.
Sara - Mas...
Santos - Psiu... (Consigo.) - Um funcionário público, meu Deus!
Arruda - Não leio mais novelas do tal Seu Júlio Verne.
Machadinho - Hei de oferecer-lhe um livro de Vítor Hugo: A arte de ser avô.
Sara (A Santos.) - Est-ce que tu va rester fâchê comm’ça?
Santos - Veremos... Um pai de família... com cinco filhos e vinte e cinco anos e quatro meses de serviços públicos. (Deixa-se enlaçar por Sara.)
Arruda (Com uns longes de zelos, à parte.) - As muié são mesmo assim: farsa como elas só. (Entra Fonseca, de braço dado com Chiquinha, acompanhados de Todos os personagens.)
Cena XIII
editarDoutor Cábula, Luís, Santos, Arruda, Sara, Machadinho, Fonseca, Chiquinha, Augusto, Silva e máscaras.
Os Recém-chegados - Ó Machadinho! Vem apreciar os novos amores do Fonseca!
Arruda (Admirado e tapando os ouvidos.) - Que matinada!
Santos (Sempre abraçado por Sara.) - Um homem sério!
Fonseca (Com Chiquinha pelo braço, a Sara.) - Tu ne me donnais pas de considération: tu ne faisais cas de moi; je me suis épris de Chiquinhe!
Todos - Ah! Ah! Ah!
Arruda - Mas ói que a batina do reitô era de ceteim!
Final
Machadinho - Na forma agora de costume
Vou, por precaução,
pedir do povo a proteção.
Sara (Ao público.) - Vossa proteção!
Machadinho - Oh! não vos farteis de aplaudir,
sem resmungar, nem redargüir,
quem voz fez rir
ou fez dormir!
Machadinho e Sara - Quem fez rir ou fez dormir
aplaudir sem redargüir!
Coro - Sem resmungar, sem redargüir,
aplaudi quem vos fez rir!
Machadinho - Agora, galopemos!
Saltemos e pulemos!
Pulemos e saltemos!
E não há que refletir!
Coro - E não há que refletir!
(Galope geral. Quadro animadíssimo.)
Oh! não vos farteis de aplaudir,
sem resmungar, sem redargüir,
quem vos fez rir,
ou fez dormir!
[Cai o pano]
FIM