Quando queremos ler um jornal com cuidado, fazemos descobertas portentosas. Não há quem as não faça, por menos sagaz que seja. Veja esta só que vem no Correio da Manhã destes últimos dias:
"J.Ferrer & Cia, negociantes, estabelecidos nesta capital, propuseram no juizo da 6ª Vara Cível, uma ação contra Álvaro de Tal e sua mulher,
para o fim de condená-los a pagar a quantia de 9:607$950."
Até aí não há nenhuma novidade: mas leiam o que se segue:
"Alegam os autores que forneceram à ré, quando solteira, dinheiro, materiais e mão-de-obra para a construção do prédio à rua etc. Dizem os autores que, casando a ré, sem lhes haver pago o marido, morando na casa e casado em comunhão de bens, também era responsável pela dívida, que se tornou comum."
O resto não nos interessa; mas pelo que aí fica, podemos fazer algumas considerações boas.
Até bem pouco tempo, o interesse principal do casamento, a sua virtude primordial era arranjar uma noiva rica que nos pagasse as dívidas.
Todos os rapazes tinham essa ambição; e, desde que conseguissem uma futura cara-metade, nessas condições tinham o crédito decuplicado.
Tenho um conhecido que se casou numa igreja de arrabalde afastado, não fez convites, foi quase à capucha, mas, ao entrar na igreja, ficou admirado com a numerosa assistência: eram os credores que a enchiam.
Parecia que era regra geral que os homens procurassem casar para fazer a operação de crédito, muito simples de saldar as suas contas.
Hoje, porém, à vista do caso que o citado vespertino alude, parece que não. As mulheres também procuram maridos, para liquidar as suas dívidas convenientemente.
Estamos no tempo do feminismo rubro até ao tacape e nada há de admirar.
Não nos devemos assombrar com as suas novidades, nem mesmo com esta. Tudo é possível.
Careta, Rio, 22-11-1919.