AO LEITOR

Devo dizer duas palavras ao publico sobre o assumpto do pequeno romance, que agora lhe offereço, e que já foi publicado em folhetins na Reforma.

Não ha muitos mezes, um correspondente da Bagagem communicava á redacção daquelle illustre orgão do partido liberal um horroroso attentado perpetrado pelo Indio Affonso, e acompanhado das circumstancias mais atrozes e revoltantes.

A noticia começa por estas palavras: — O indio Affonso, heróe de um dos contos de Bernardo Guimarães etc. — Semelhante noticia a ser exacta vem desmanchar completamente a figura do meu heróe, a quem attribui caracter magnanimo, indole bondosa e sentimentos generosos.

Ora, em vista disto, para que se não pense que em meu conto tive o proposito de fazer a apologia de um facinora, cumpre-me declarar o que ha de real e de ficticio em minha narrativa, e em que me baseei para prestar ao Indio Affonso o caracter com que apparece em meu romance.

Como se vê, o Indio Affonso é personagem real e vivo ainda. Sua figura, costumes, maneiras, tom de voz, modo de vida, são taes quaes os descrevi, pois tive occasião de vêl-o e conversar com elle.

Os dous sobrinhos, que andam sempre em sua companhia, tambem realmente existem; Caluta, Baptista e Toruna são porém meras creações de minha imaginação, assim como o são quasi todos os feitos e proezas que faço o meu heroe praticar.

É verdade que quando estive na provincia de Goyaz em 1860 e 1861, ouvi contar diversas façanhas do afamado caboclo; mas quando me lembrei, ha pouco mais ou menos um anno, de escrever este romance, já dellas me restava apenas uma vaga reminiscencia, e por isso é possível que uma ou outra tenha algum laivo de veracidade.

Para desenhar-lhe o caracter baseei-me no que em Catalão ouvia dizer a todo o mundo. Todos o pintavam com o caracter e costumes que lhe attribuo, e era voz geral que elle só havia commettido um homicidio, e isso para defender ou vingar um seu amigo ou pessoa da familia.

A descripçâo dos logares também é feita ao natural, pois os percorri e observei mais de uma vez. Com o judicioso e illustrado critico o Sr. Dr. J. C. Fernandes Pinheiro, entendo que a pintura exacta, viva e bem traçada dos logares deve constituir um dos mais importantes empenhos do romancista brasileiro, que assim prestará um importante serviço tornando mais conhecida a tão ignorada topographia deste vasto e bello paiz.

Por isso faço sempre passar a acção de meus romances em logares que me são conhecidos, ou pelo menos de que tenho as mais exactas e minuciosas informações, e me esforço por dar ás descripções locaes um traçado e colorido o mais exacto e preciso, o menos vago que me é possivel.

Eis o que ha de real em meu romance. Si porém o Indio Affonso é um bandido ordinario, um facinora feroz e ignobil como tantos outros, pouco me importa.

O Indio Affonso de meu romance não é o facinora de Goyaz; é pura creação de minha phantasia.

Ouro-Preto, 28 de Fevereiro de 1873.
Bernardo Guimarães.