O bonde da tarde, hoje, foi demorado por uma qualquer manifestação popular, que lhe barrou a passagem. Os viajantes, depois de satisfeita a primeira curiosidade, obra de segundos, começavam a dar sinais de irritação, quando um orador entrou a trovejar. Essa obstrução pareceu a todos insuportável, e todavia não durou mais de cinco ou seis minutos.
Sempre é verdade que a medida real do tempo é o nosso desejo.
Isto me faz lembrar o meu colega Sinfrônio de Mendonça, que, outro dia, lá na repartição, ao inaugurar-se o retrato do chefe, quis à viva força ler um discurso. E leu, prevenindo os ouvintes: "É curtinho senhores, tenham paciência".
Esta esfarrapada desculpa com que se costumam cobrir os oradores intempestivos baseia-se toda num passe finório com as noções de tempo - a do tempo mecânico e objetivo e a do tempo psicológico ou subjetivo. Quando dizem que a peça é curta, é porque lhe aplicam a medida-relógio, como se fosse esta a que importasse aos ouvintes como se não fosse, por exemplo, uma verdade universal que o pequenino sermão de ouro que nos aborrece é dez ou mil vezes mais comprido do que a interminável lenga-lenga que nos lisonjeia.
O nosso relógio interior tem também dois mostradores, um grande e outro pequeno, mas o grande é que dá medida prática dos minutos desagradáveis, que aí correspondem às horas, e o pequeno marca a duração das horas amenas, que nele são minúsculas frações - quando o ponteiro não está engasgado.
O tempo real é conforme ao ícone que dele deixaram os gregos - um velho decrépito que naturalmente se arrasta quando caminha por seus pés, mas que também voa como um pássaro, porque tem asas, e quando bate as asas rejuvenesce.