Na sua Carta ao Condestavel de Portugal, escripta antes de 1449, o Marquez de Santillana, no § XV, diz que se recordava de ter visto, quando era bastante menino, em poder de sua avó Dona Mecia de Cisneros, entre outros livros, um grande volume de cantigas.... O Marquez de Santillana nasceu em 1398, e sua avó Dona Mecia, na companhia da qual passou a sua infancia, morreu em Dezembro de 1418, em Palencia. Em primeiro logar "o grande volume de Cantigas, e outros livros" citados na carta, existiam em casa de D. Mecia de Cisneros por que provinham de Garcilasso de la Vega, e de Pero Gonzales de Mendoza, como claramente o affirma Amador de los Rios: "passo su infancia en casa Doña Mencia de Cisneros, su abuela, donde hubo de aficionar-se à la lectura de los poetas en los codices que poseyeron Garcilasso de de la Vega y Pero Gonzales de Mendoza..."[1] Garcilasso de la Vega, bisavó do Marquez, morrera em 1351, e esta data, e as suas relações de parentesco com a aristocracia portugueza explicam como a elle ou a Pedro Gonzales de Mendoza chegou o volume das cantigas. Portanto esse grande cancioneiro não existia em Hespanha antes poucos annos de 1351 e foi pouco antes de 1418 que o joven Marquez de Santillana o consultou. Pedro Gonzales de Mendoza era tambem poeta do côrte de Don Pedro e de Don Enrique (Amador de los Rios, op.cit., p. 623), e isto mostra o interesse que o levaria pelo seu lado a conservar o grande cancioneiro portuguez.

A descripção que faz o Marquez de Santillana d'esse codice, coincide com o que existe na Bibliotheca do Vaticano em copia do seculo XVI: "un grande volume de Cantigas serranas e dizeres portuguezes e gallegos". São ao todo mil duzentas e cinco cantigas compostas no genero descripto por Santillana, e os poetas são em grande numero galegos. Em seguida accrescenta: "dos quaes a maior parte eram do rei D. Diniz de Portugal". Effectivamente o trovador que mais canções appresenta no codice da Vatícana é el-rei D. Diniz, cujas composições estão compiladas entre o numero 80 e 208, sendo ao todo cento e vinte nove. Accrescenta mais o Marquez de Santillana: "cujas obras aquelles que as liam, louvavam de invenções subtis, e de graciosas e doces palavras". Esta affirmação, sobendo-se que o Marquez escreve sobre uma recordação da sua infancia, não podia resultar se não dos gabos ouvidos a Pero Gonzales de Mendoza, poeta do Cancioneiro de Baena, gabos que fizeram com que o livro se conservasse em casa de D. Mecia de Cisneros, e d'onde se tirara por ventura essa outra copia que hóje existe em poder de um grande de Hespanha, segundo uma affirmação de Varnhagem. N'esta mesma carta ao Condestavel de Portugal, allude o Marquez aos talentos poeticos de seu avô e cita varias das suas composições: "E Pero Gonzales de Mendoza, meu avô, fez boas canções". Crêmos que por esta via é que o cancioneiro foi copiado para Castella, copiado dizemos nós porque se conforma com um grande cancioneiro já organisado, de que o de Roma é um apographo terciario. O Marquez de Santillana cita de memoria os principaes trovadores que vira transcriptos n'essa vasta collecção: "Havia outras (sc. canções) de Joham Soares de Paiva, o qual se diz que morrera em Galiza por amores de uma infanta de Portugal; e de outro Ferrant Gonçalves de Senabria". Pela referencia a estes dois trovadores se vê qual o estado do cancioneiro manuscripto ou volume de Cantigas de D. Mecia de Cisneros. No apographo da Vaticana se acha uma canção de João Soares de Paiva, quasi no fim da collecção, (n°. 937) ao passo que no cancioneiro que pertenceu a Colocci e de que apenas resta o indice dos trovadores (cod. vat. n°. 3217) se acha logo sob o numero 23 o nome de João Soares de Paiva com sete canções successivas. Em seguida a este trovador cita Ferrant Gonçalves de Senabria, porem no Codice de Colocci acha-se sob o numero 384 citado Gonçalves de Seaura com dez canções a seguir. Isto concorda com a phrase do Marquez, referindo-se a essas canções: "Havia outras....." O motivo d'esta referencia especial seria por ter este trovador o apellido de Gonçalves, de seu avô, e por isso ainda pertencente á sua linhagem. No Codice da Vaticana agora publicado, acha-se um fragmento de canções de Fernão Gonçalvis, e só sob o numero 338 outra canção de Fernão Gonçalves Gonçalves de Seavra, a qual corresponde segundo Monaci ao numero 737 do Codice perdido de Colocci.

Portanto, o Cancioneiro de D. Mecia de Cisneros era completo pelo que se deduz da citação d'estes dois trovadores, cujas obras se achavam antes da folha 42 do actual Codice Vaticano, na qual começa. No Cancioneiro de Colocci, em vez de cento e vinte nove canções, el-rei Dom Diniz é representado com setenta e outo; mas ainda assim era uma grande collecção para o Marquez poder dizer d'ella em relação ao volume das Cantigas uma maior parte. Em seguida a estas preciosas referencias cita tambem na sua carta Vasco Peres de Camões, poeta do Cancioneiro de Baena e contemporaneo de Pedro Gonçalves de Mendoza por cuja via seria conhecido em casa de Dona Mecia de Cisneros, e pelos eruditos que tinham o cuidado da educação do Marquez. Por ultimo, infere-se que o Codice de D. Mecia era uma copia castelhana, por que transcreve o nome de Fernão em Ferrant, e o de Seavra em Senabria, o que se não pode attribuir a vicio de ortographia do Marquez de Santillana. Estes topicos bastam para considerar a copia de D. Mecia mais proxima do texto autographo do que a da Vaticana.

Notas editar

  1. Obras del Marquez de Santillana, p. XX.