O Domínio Público no Direito Autoral Brasileiro/Apresentação

Apresentação



 

Este trabalho é o resultado de quatro anos de pesquisa no programa de Doutorado em Direito Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro — UERJ, onde me graduei e onde cursei o Mestrado. Com pouquíssimas alterações, esta foi a tese apresentada à banca composta pelos professores doutores Maria Celina Bodin de Moraes (orientadora), Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho, José Carlos Vaz e Dias, Ronaldo Lemos e Bruno Lewicki.

Apesar de não ser uma área tradicional dentro dos temas de pesquisa relacionados ao Direito Civil, os direitos autorais me interessam há pelo menos 10 anos, quando cursei minha primeira pós-graduação, em propriedade intelectual, na PUC-Rio. É certo que o tema é atraente em si mesmo, mas muito da minha dedicação decorre da conexão temática (acadêmica e profissional) dos direitos autorais com a literatura, o cinema e a fotografia. Lembrando a epígrafe de minha dissertação, que cita Fernando Pessoa, a literatura — assim como as demais artes – é a confissão de que a vida não basta.

Mas tratemos da falta de tradição do estudo dos direitos autorais no Brasil. Durante todo o século XX, o tema interessou apenas a quem produzia cultura. Assim, os direitos autorais diziam respeito apenas à indústria do entretenimento e aos artistas (quase sempre profissionais). Sem os mecanismos tecnológicos, hoje tão evoluídos, ninguém poderia produzir e distribuir livros, músicas, filmes, fotografias, por maior que fosse seu talento. O intermediário era não apenas indispensável como decidia o que poderia e o que não poderia circular. O papel do usuário era o de mero consumidor, nunca o de produtor de obras intelectuais.

Por isso, poucas faculdades de Direito contavam (e ainda hoje poucas contam, é bem verdade) com a disciplina direitos autorais em seu currículo, escassas eram as obras sobre o tema e o debate estava monopolizado por opiniões conservadoras, adequadas apenas ao mundo pertencente a um século que já ficava para trás.

Nos anos 1990, tudo mudou. O surgimento dos recursos digitais e, sobretudo, da internet como nós a conhecemos hoje, já no início dos anos 2000, redefiniu a forma como produzimos e distribuímos obras intelectuais.

Vivemos, pois, tempos de grande efervescência criativa. A internet permite a todos que se expressem em diversas mídias e plataformas, tornando autores quem quer que esteja conectado à rede. Somos todos fotógrafos, escritores, músicos, cineastas. Como lembra o Hermano Vianna, talvez esses novos artistas não façam Arte com “A” maiúsculo, mas se a finalidade da vida (citando Freud) “é ‘a busca da felicidade’, (...) hoje há mais gente feliz, ‘brincando’ de ser artista, como faziam seus antepassados em outras brincadeiras que ficaram conhecidas como folclore e onde, geralmente, não havia diferença entre quem estava no palco e na platéia”[1].

Mas vivemos também tempos de incerteza. O direito autoral é um ramo razoavelmente recente dentro da ciência jurídica. Forjado entre os séculos XVIII e XIX, consolidou-se no século XX, valendo-se de modelos de negócio que dependiam da materialidade do suporte (como livros em papel, fitas de VHS e fitas K7, entre outros). Com o advento da internet e da cultura digital, as certezas foram abaladas, os intermediários tornaram-se muitas vezes dispensáveis e agora a indústria cultural precisa se reinventar para sobreviver. Não é a primeira vez que isso acontece e provavelmente também não será a última.

A parte boa dessa história é que os direitos autorais passaram a ser debatidos por toda a sociedade, já que o tema agora interessa a todos. Nos últimos anos, inúmeras foram as obras publicadas por professores dedicados a repensar a matéria sem se prender a dogmas e sem reproduzir o discurso que hoje repercute anacrônico e inadequado aos tempos em que vivemos. Carlos Affonso Pereira de Souza, Ronaldo Lemos, Bruno Lewicki e Allan Rocha são alguns desses novos autores que repensam os direitos autorais a partir das necessidades e das peculiaridades contemporêneas.

Esta é a proposta da tese que hoje vira livro. Apesar de seu tema principal ser discutir o domínio público no direito autoral brasileiro, é impossível cumprir a contento com esta missão sem rever boa parte da teoria dos direitos autorais. Afinal, a análise do domínio público não se limita a apontar os prazos de proteção de uma obra e os efeitos do esgotamento dos direitos autorais patrimoniais. O domínio público intercepta muitas outras área do direito civil – direitos de personalidade, contratos, sucessões, consumidor, para ficarmos com algumas – sendo admirável que, diante de sua importância estrutural na economia e na cultura, tenha sido tão pouco estudado.

Apesar de se tratar de um trabalho acadêmico, a redação deste livro procurou harmonizar rigor técnico com clareza. O mundo jurídico é visto (não sem razão) como que tomado por um hermetismo desnecessário. Procurei, assim, seguir o lema de José Ortega y Gasset: “a clareza é a gentileza do filósofo”. De resto, concordo com Gustavo Bernardo, que afirma que “a clareza deveria ser antes a obrigação do filósofo – sua gentileza seria o humor, necessário para resistir a toda reificação e dogmatização”[2]. Se um trabalho acadêmico jurídico se presta muito pouco ao humor, pelo menos procurei ser, o quanto pude, claro.

Caso o leitor entenda que, ao contrário de minhas expectativas, a clareza não é exatamente uma das características deste trabalho, poderá ele próprio suprir-lhe tal deficiência. Assim como qualquer outra que venha a encontrar. Este o objetivo máximo deste livro. Uma das principais incoveniências de uma pesquisa acadêmica é ter que começar sempre do início, já que a apropriação de obras alheias é, em regra, vedada pela nossa lei. O que se propõe, aqui, é algo completamente diferente.

Esta obra encontra-se, irrevogavelmente e em âmbito mundial, em domínio público. Qualquer pessoa poderá explorá-la economicamente. Não acho que aí haja qualquer vantagem. Obras jurídicas sobre direitos autorais não costumam vender muito, sobretudo quando tratam de um tema tão pouco discutido, como é o domínio público. Não me parece, assim, um negócio espetacular. As vantagens, se existentes, resultam de outras oportunidades.

Qualquer pessoa poderá usar o trabalho que aqui se apresenta na íntegra, independetemente de autorização e de pagamento de direitos autorais, como matéria-prima para outros. Assim, qualquer pessoa poderá criar obras derivadas: maiores ou menores do que o original; poderá começar suas próprias pesquisas em direitos autorais a partir deste texto, usando-o integralmente, inclusive, caso entenda que a pesquisa lhe é útil; poderá elaborar traduções e corrigir erros, imprecisões, acrescentar notas explicativas, outros exemplos e o que mais for. A obra deixa assim de ser do autor para ser de todos: destino que lhe é inevitável e que neste momento apenas se antecipa. Por que esperar pelos frutos da obra setenta anos depois de sua morte quando o autor pode percebê-los ainda vivo? A única condição é dar crédito ao autor original, em decorrência de uma obrigação oriunda da lei.

Até onde sei, esta iniciativa é inédita no Brasil. Por isso, agradeço especialmente a editora Lumen Juris por acreditar em um novo modelo de edição, percebendo que os modelos de negócio envolvendo direitos autorais precisam ser a todo momento repensados.

 
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Em tempos de cultura colaborativa, fazer uma tese ainda é uma atividade conservadoramente solitária. Os meses que o trabalho demanda se passam quase sempre com o pesquisador rodeado de livros, diante da tela do computador. Ainda assim, como é óbvio, o texto se constrói também a partir de ideias, de conselhos e da ajuda – muitas vezes involuntária – de quem surge pelo caminho. É a todos esses que vão meus agradecimentos.

À professora Maria Celina Bodin de Moraes, sempre em primeiro lugar, por estimular em mim o gosto pelo debate, pela precisão e pelo desejo de um mundo melhor, para muito além dos muros do direito.

Aos professores do curso de doutorado, Paulo Galvão e Bethânia Assy, exemplos de dedicação a serem seguidos.

Aos meus queridos amigos do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS), da FGV Direito Rio, que são como uma família, só que sem as brigas. Ao Carlos Affonso Pereira de Souza eu devo a sugestão do tema, de modo que esta tese é, em si mesma, um grande agradecimento a ele. Ao Ronaldo Lemos, pelo peculiar talento de saber unir profundo conhecimento acadêmico a videogames e moda. Ao Pedro Mizukami, substituto da Wikipedia nos momentos de pânico e amigo para todas as horas. Ao Koichi Kameda e ao Maurício Veiga, pela ajuda nas pesquisas. Ao Luiz Moncau, ao Pedro Francisco, à Paula Martini, à Marília Maciel, à Joana Varon, ao Eduardo Magrani, ao Bruno Magrani, ao Arthur Protásio, ao Danilo Doneda, à Jhéssica Reia e à Oona Castro (que nunca saiu da família) pela presença acolhedora e constante.

À Patrícia Sampaio, madrinha desta tese.

Ao professor Joaquim Falcão, diretor da FGV Direito Rio, por acreditar em um ensino de direito renovado.

Aos meus alunos, porque não poderia ser diferente.

Ao Bruno Lewicki, que, ao contrário dos passantes apressados, sabe ouvir, refletir e ajudar. Por esta tese, sem dúvida, devo muito a ele.

Aos professores José Carlos Vaz e Dias e Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho, membros da banca de defesa desta tese – junto com os professores Maria Celina Bodin de Moraes, Ronaldo Lemos e Bruno Lewicki –, pelo olhar atento e pela gentileza de sempre.

À Mariana e à Diana, pela ajuda com alguns textos estrangeiros, e ao Marcus Tavares pela bibliografia de apoio em temas relacionados à educação.

Ao Marcelo Thompson, que mesmo do outro lado do mundo é um amigo que se importa.

À Ruth, ao Marcus Vinícius, ao Pedro Belchior, ao Pedro Teixeira.

Ao Ronaldo, que tanto me ajudou durante toda a elaboração da tese, devo muito.

À Renata, por estar sempre por perto.

E aos meus pais, ao Diego, ao Fabrício, à Carol, à Soninha e ao Rodrigo.

Este material foi publicado por seu autor/tradutor, Sérgio Branco (ou por sua vontade) em Domínio público. Para locais que isto não seja legalmente possível, o autor garante a qualquer um o direito de utilizar este trabalho para qualquer propósito, sem nenhuma condição, a menos ques estas condições sejam requeridas pela lei.

 
  1. Disponível em http://hermanovianna.wordpress.com/.
  2. BERNARDO, Gustavo. O Livro da Metaficção. Rio de Janeiro: Tinta Negra Bazar Editorial, 2010; p. 27.