Gabinete de trabalho de Ângelo, estantes com livros, secretária atapetada de papéis, porta ao fundo, porta à direita, é dia.

CENA I editar

ÂNGELO, depois PAI JOÃO

(ÂNGELO trabalha sentado à secretária. Depois de alguns momen­tos, Pai João, preto-mina nonagenário, entra pelo fundo.)

PAI JOÃO — Sió moço doutlô!

ÂNGELO (Sem levantar os olhos do trabalho.) — Que é, Pai João?

PAI JOÃO — Tá aí zoalelo da rua d’Ouvidlô..

ÂNGELO — O joalheiro? Eram favas contadas! Manda-o entrar.

PAI JOÃO (Indo ao fundo e falando para fora.) — Faze favló. (Entra Esposende, Pai João sai.)

CENA II editar

ÂNGELO, ESPOSENDE

ESPOSENDE — Senhor doutor...

ÂNGELO — Boa - tarde, senhor Esposende. Queira sentar-se. (Indica-lhe uma cadeira, perto da secretária.)

ESPOSENDE — Estou bem, doutor.

ÂNGELO — Obriga-me a levantar-me. Sente-se. Aí tem cadeira.

ESPOSENDE — Obrigado. (Senta-se.)

ÂNGELO — Já sei o que o traz. Minha mulher esteve no seu estabelecimento, escolheu uma jóia, e mandou a conta para que eu a pagasse.

ESPOSENDE — Como das outras vezes. O doutor desculpará tanta prontidão na cobrança, mas foi sua senhora mesmo quem insistiu para que eu viesse já, que o encontraria em casa. Aqui está um bilhetinho dela.(Dá um papel a Ângelo.)

ÂNGELO (Lendo) — “Ângelo. — Paga esse anel — Tua, Henriqueta”. É uma ordem à vista.

ESPOSENDE — E não pode ser mais lacônica.

ÂNGELO — E o anel?

ESPOSENDE — Está com ela. O que trago é a nota com o recibo.

ÂNGELO — Dê cá. (Lendo a conta e erguendo-se de uni salto.) Três contos de reis!...

ESPOSENDE — Ah! meu senhor, é um diamantinho da mais pura água! Era a jóia das minhas jóias!

ÂNGELO — Não duvido, mas.., três contos!...

ESPOSENDE — Três contos, que continuarão a ser dinheiro em caixa. Em jóias ninguém se arruina. Quando são boas, não perdem o valor. Quer saber? anteontem vi exposta na Hortulânia uma parasita com o preço marcado: seiscentos mil réis. Ontem já lá não estava. Perguntei se a tinham vendido. Dez que fossem! Imagine agora que sua senhora, em vez de gostar de jóias, gostava de parasitas...

ÂNGELO (Que durante a fala de Esposende foi a um móvel buscar um caderno de cheques do Banco, e se sentou de novo à secretária.) —Isso é verdade.

ESPOSENDE — “Ângelo. Paga essa parasita. Tua, Henriqueta”. Era um pouco mais caro. (Vendo que Ângelo se dispõe a encher um cheque.) É um cheque? Escreva apenas dois contos oitocentos e cinqüenta mil reis.

ÂNGELO — Pois não são três contos?

ESPOSENDE — São; mas adotei agora o sistema de dar aos maridos, particularmente, cinco por cento sobre todas as compras feitas pelas senhoras.

ÂNGELO — Quanta generosidade!

ESPOSENDE — Generosidade, não: filosofia. Também eu já fui casado; sei o valor que as senhoras dão ao dinheiro, e a facilidade com que o gastam.

ÂNGELO — Pagou também muita jóia?

ESPOSENDE — Paguei sim, senhor; e foi por isso que me fiz joalheiro. Este abatimento é...

ÂNGELO — Uma espécie de ficha de consolação.

ESPOSENDE — Isso!

ÂNGELO (Erguendo-se e entregando o cheque.) — Obrigado pela comissão do marido.

ESPOSENDE — Não há de quê. (Estendendo-lhe a mão.) Dá-me licença?

ÂNGELO — Passar bem, senhor Esposende.

ESPOSENDE — Sempre às suas ordens . Lá estamos. (SAi.)

CENA III editar

ÂNGELO, PAI JOÃO, depois RODRIGO

(Cena muda em que Ângelo indica o desgosto que lhe causou aquela despesa inútil. Contempla o caderno de cheques, abanando a cabeça, e depois vai guardá-lo no móvel de onde o tirou. Senta-se à secretária, e dispõe-se a trabalhar, mas vê a conta deixada pelo joalheiro, e examina-a de novo; depois atira-a sobre a secretária, e fica pensativo, apoiando a cabeça na mão. Entra Pai João muito contente.)

PAI JOÃO — Siô moço doutlô! (Ângelo não ouve.) Siô moço doutlô!

ÂNGELO (Como que despertando.) — Hein?

PAI JOÃO - Tava dlomindo?

ÂNGELO — Não; estava pensando.

PAI JOÃO — Divina quem tá aí!

ÂNGELO — Quem é?

PAI JOÃO - Síô doutlô Lodligo!

ÂNGELO (Erguendo-se de um salto.) — Rodrigo!...

PAI JOÃO (Falando para fora.) — Entla, siô doutlô! (Entra Rodrigo. Vestuário claro de viagem.)

RODRIGO — Onde está o grande homem? (Vendo Ângelo.) Ah! (Atiram-se nos braços um do outro com efusão.)

ÂNGELO — Eu só contava contigo daqui a um mês.

RODRIGO — Antecipei a minha viagem por causa do frio. Vi cair tanta neve, que tive a nostalgia do sol! Não te mandei dizer nada, para causar-te uma surpresa.

ÂNGELO — Fizeste mal. Eu e minha mulher teríamos prazer em ir buscar-te a bordo.

RODRIGO — Com uma banda de música? Ela, como vai?

ÂNGELO — Minha mulher? Perfeitamente!

RODRIGO — E o bebê? Vem por aí?

ÂNGELO — Nem sinal!

RODRIGO — Isso é que é mau.

ÂNGELO — Mas como estás bem disposto! Remoçaste, sabes?

RODRIGO — Ah! meu amigo, não há como viajar! — E tu? Tens gozado sempre saúde?

ÂNGELO — Graças a Deus.

RODRIGO (Batendo afetuosamente no ombro de Pai João.) — E o nosso Pai João, a relíquia de família?... Sempre forte, hein?

PAI JOÃO — Flote, non, síô doutlô... mase vai se vivendo.

ÂNGELO — Não há mal que lhe entre!

RODRIGO — Que idade tem vossemecê, Pai João?

PAI JOÃO — Non sabe, non siô... mase Pai Zoão é munto velo... munto velo...

RODRIGO — Vossemecê viu enforcar Tiradentes?

ÂNGELO — Não; mas se fazes questão de um fato histórico, fica sabendo que aí onde o vês assistiu à partida de Pedro I depois do Sete de Abril.

RODRIGO — Deveras?

PAI JOÃO — Si siô... na plaia de Santa Luzia... Pai Zoão ela moleque assim... (Indica o tamanho.) Quando navio passou, plaia tava assim de zente... flutaleza dava tiro... povo turo çolava, pluque tinha pena do impeladlô... Eh! eh! Pai Zoão tá munto velo... tá munto velo... (Sai.)

CENA IV editar

ÂNGELO, RODRIGO

RODRIGO — Ora, Pedro I partiu...

ÂNGELO — Em 1831.

RODRIGO — Pai João deve ter noventa anos.

ÂNGELO — Pelo menos.

RODRIGO — Isto é que é viver!

ÂNGELO — O amor não envelhece. Ele em toda a sua vida não tem feito outra coisa senão amar. Chegou àquela idade e não admite que o senhor moço doutor tenha outro criado senão ele. Se eu o aposentasse, matá-lo-ia.

RODRIGO — Coitado! é teu amigo... viu-te nascer...

ÂNGELO — Viu nascer minha mãe. (Outro tom.) Mas tratemos de ti... Apreciaste muita coisa boa por esse velho mundo, hein?

RODRIGO — Sim, apreciei muita coisa boa durante estes dois anos, mas passei a maior parte do tempo nas escolas e nos hospitais... A medicina continua a ser a minha paixão dominante e o meu desespero.

ÂNGELO — Ora o teu desespero por quê?

RODRIGO — Porque seria preciso viver tanto como Pai João e ser um gênio para saber tudo! — Mas onde está tua mulher? Estou morto por vê-la!

ÂNGELO — Saiu. O pai e a mãe vieram buscá-la e andam a saracotear na rua do Ouvidor e na Avenida.

RODRIGO — És feliz?

ÂNGELO — Adoro minha mulher.

RODRIGO — Não é isso que pergunto. Pergunto se és feliz.

ÂNGELO — Naturalmente...Pois se a adoro! Não poderia adorá-la se não fosse feliz.., nem poderia ser feliz se não a adorasse...

RODRIGO — Essa resposta é de quem não é feliz.

ÂNGELO — Já vejo que voltaste o mesmo homem.

RODRIGO — Tu conheces as minhas idéias a respeito do casamento. Marido e mulher só podem ser absolutamente felizes, quando se identificam um com o outro a ponto de se confundirem numa só individualidade. O casamento só é venturoso quando a mulher possa repetir ao marido e o marido à mulher o famoso verso do padre Caldas: “Eu e tu somos só eu.”

ÂNGELO — Isso é muito raro.

RODRIGO — Tão raro como os casamentos felizes. Olha, se eu estivesse presente, não te casarias com tanta facilidade. Mas tu apro­veitaste a minha viagem.., fizeste como as crianças travessas quando pilham os pais descuidados. Torço as orelhas por não te haver levado comigo!

ÂNGELO — Quem te ouvisse falar, não sei o que poderia supor.

RODRIGO — Nalgumas das cartas que me escreveste, pareceu-me entrever uns começos de arrependimento...

ÂNGELO — Oh!

RODRIGO — Desculpa-me esta franqueza brutal, mas eu sou teu amigo desde que eras pequeno, e tua mãe — tua santa mãe — considerava-me teu irmão mais velho. (Pausa.) Tu não és feliz, Tua mulher tem defeitos.

ÂNGELO — Não, não tem defeitos... tem um defeito, um defeito só um defeito de educação... aliás corrigível.

RODRIGO — Mas que não tens podido corrigir.

ÂNGELO — Porque sou fraco... Nas tuas mãos ela seria uma mulher perfeita.

RODRIGO — Já sei... a menina é ciumenta...

ÂNGELO — Não... isto e... não é mais nem menos ciumenta que em geral as moças brasileiras... Ciúmes tolos... fantasias...

RODRIGO — Vamos lá! tu... em solteiro...

ÂNGELO — Em solteiro; depois de casado... Homem, já te disse que adoro minha mulher!

RODRIGO — Mas vamos! qual é seu defeito?

ÂNGELO — É perdulária! ... deita o dinheiro aos punhados pela janela fora!...

RODRIGO — Bonito!

ÂNGELO — Quando a vi pela primeira vez, numa corrida no Derby...

RODRIGO — Escusas de contar-me a história dos teus amores: estou farto de sabê-la pelas tuas cartas. É, mutatis mutandis, a história de todos os casamentos. Dois olhares, dois sorrisos, duas cartas, dois beijos, e acabou-se. — Quem é aquela mulher? Não sei, não quero saber; só sei que é bonita, que a amo, e que não poderei possuí-la sem a levar ao pretor e ao padre. Mas sabes tu ao menos que família é a sua? que educação recebeu? qual foi seu passado de virgem? — Oh! oh! as virgens só têm passado quando deixam de o ser! — Vamos, dize-me: que espécie de gente são os teus sogros?

ÂNGELO — O pai é meu colega.

RODRIGO — Teu colega?

ÂNGELO — É como toda a gente, um bacharel formado.

RODRIGO — Cita o autor.

ÂNGELO — Guerra Junqueiro.

RODRIGO — Adiante. Ele advoga?

ÂNGELO — Não. Vive de alguns vinténs que herdou do pai. Tem uma fazenda no Estado do Rio. É de uma ignorância, ou antes, de uma parvoice fenomenal. Quer que o suponham rico, e aparenta grandezas que não tem nem pode ter. — A mãe é uma senhora inteligente e sensata, mas a sua inteligência e o seu bom senso capitulam invariavelmente diante das opiniões do marido, Por isso vivem como Deus e os anjos.

RODRIGO — Eu e tu somos só eu; ele é tolo, ela é pusilânime: são felizes.

ÂNGELO — Henriqueta é filha única. Foi educada como filha de milionários. Viu desde pequenina satisfeitos os seus caprichos ainda os mais extravagantes, e habituou-se a isso. Trouxe de dote cinquenta contos que, reunidos ao que me restava da herança de minha mãe, e às minhas economias, perfizeram mais de duzentos contos. Quase metade desse capital foi todo absorvido pela compra desta casa, mobília, alfaias, objetos de arte, etc., tudo exigências dela. Da outra metade, já pouco, muito pouco me resta. Um verão em Petrópolis, uma assinatura no Lírico, um cupê , uma caleça, duas parelhas de cavalos, muitas jóias, alguns jantares, bailes, toaletes , etc... Parece que não é nada... tem sido um sorvedouro de dinheiro.

RODRIGO — O diabo foi ela trazer-te os tais cinquenta contos.

ÂNGELO — Foi o diabo, foi! Todas as vezes que tento reagir contra os seus desperdícios, ela atira-me à cara o seu dote! Ora, o seu dote! Onde vai seu dote! E não é só ela: é também o pai! É o dote de Henriqueta pra cá, o dote de Henriqueta pra lá! De modo, meu amigo, que estou completamente atado pelo diabo desse dote! — Minha mulher não sai à rua que não gaste muito dinheiro! Compra jóias... jóias inúteis... Olha... ainda hoje... (Mostrando-lhe a conta que ficou sobre a secretária.) Um anel de três contos de réis!... E talvez não fique nisto! ...(Entra Pai João, trazendo uma caixa de chapéu e uma conta.)

CENA V editar

O MESMOS, PAI JOÃO

PAI JOÃO — Tá qui sinhá Henliqueta mandou, pia sió moço doutlô pagá.

ÂNGELO — Que digo eu? (Vendo a conta.) Um chapéu modelo, cento e cinquenta mil réis. Justamente a comissão do marido.

RODRIGO — Que comissão?

ÂNGELO — É cá uma coisa! (A Pai João.) Deixa ficar a caixa aí sobre a a secretária, e toma... (Dando-lhe dinheiro.) Dá estes cento e cinquenta mil réis ao portador.

JOÃO—Si, siô. (Sai.)

CENA VI editar

ÂNGELO, RODRIGO

ÂNGELO — Com este é, talvez, o décimo chapéu que ela compra este ano.

RODRIGO — Tem graça. Eu trouxe-lhe também um, de Paris. Tenho nas malas muitos presentes para ti e tua mulher.

ÂNGELO — E nada me dizes sobre o que acabo de expor?

RODRIGO — Digo-te, sim... lá chegaremos... tenho muito, muito que te dizer. Antes de mais nada, deixe que eu admire não tenhas exposto a tua mulher a situação com tanta sinceridade e clareza como acabas de o fazer a um amigo.

ÂNGELO — Ela está persuadida de que somos ricos. A verdade causar-lhe-ia um desgosto profundo, e não quero desgostá-la, porque, corno já te disse, adoro-a... Adoro-a, e fica sabendo, Rodrigo, à parte esse defeito de ser gastadora, não lhe conheço outro... É a mais meiga, a mais carinhosa, a mais amante das esposas. Mas que queres? Todas as vezes que lhe falo em economias, desata a rir! Ri como se lhe eu houvesse dito uma pilhéria... de resto, ela ri de tudo... passa a vida a rir.., e o seu riso é comunicativo e sonoro. Não toma nada a sério. É uma Frufru.

RODRIGO — Uma Frufru pobre.

ÂNGELO — Que se supõe rica.

RODRIGO — Pois é preciso, é urgente desvanecer-lhe essa ilusão, embora o faças com todas as precauções e cautelas, como se lhe desses a notícia da morte de um parente.

ÂNGELO — Talvez me falte o ânimo.

RODRIGO — Se ela te ama, como creio, conformar-se-á com a sorte, e aceitará resignada a pobreza do casal; se te não ama, adeus! que vá passear!

ÂNGELO — Oh!

RODRIGO — Para que precisas tu de uma mulher que te não ame?

ÂNGELO — Mas se essa mulher é a minha?

RODRIGO — Tua? Uma mulher que te não ama não pode ser tua!

ÂNGELO — E quando me não amasse? Amo-a eu, e não me sinto com forças para viver sem ela!

RODRIGO — Mas se também não te sentes com forças para aguentar o repuxo? Quem não pode com a carga, arria!

ÂNGELO — Ou deixa-se esmagar por ela! Que diabo! Vê que não se trata da minha amante, mas da minha esposa.

RODRIGO — E tu a dar-lhe! O que te aconselho apavora à primeira vista, mas é honesto e sensato. Enche-te de coragem, chega-te à tua mulher, e dize-lhe: — Menina, estamos sem vintém; os teus cinquenta contos e os meus cento e cinquenta evaporaram-se. Se queres viver modestamente de hoje em diante, isto é, sem carros nem cavalos, nem uma dúzia de chapéus por ano, continuarei a ser o teu esposo, e com muito prazer, porque te amo; se não queres, vai para a casa de teu pai, e leva contigo as tuas jóias, as tuas toaletes, os teus chapéus, e mais o teu dote, que te restituo intacto!

ÂNGELO — E depois?

RODRIGO (Naturalmente.) — Depois trataremos do divórcio.

ÂNGELO — Do divórcio!... Pois tu não achas que o divórcio é um escândalo?

RODRIGO — Acho, e foi por isso que nunca me quis casar. Não gosto de dar escândalos. (Ouvem-se as gargalhadas de Henriqueta.)

ÂNGELO — Ouves? É ela... é o seu riso! Vê que alegria vai entrar nesta casa!

CENA VII editar

ÂNGELO, RODRIGO, HENRIQUETA, LUDGERO, ISABEL

(Henriqueta é a primeira a entrar. Vem rindo às gargalhadas, e cai sentada numa cadeira.)

ÂNGELO — De que estás rindo? (Ela ri tanto, que não pode responder. A Ludgero.) Que viu ela?

LUDGERO — Sei lá! Foi ao sair do bonde que começou a rir.

HENRIQUETA (A Ângelo) — Imagina que aquele teu amigo que é juiz... aquele que foi delegado... que veio a um dos nossos jantares...

ÂNGELO — O Ponciano?

HENRIQUETA — Deve ser isso. Ele tem cara de Ponciano. (Todos riem.) Acompanhou-me hoje por toda parte... esperou por mim à porta do Palais-Royal...à porta do Esposende... entrou no Castelões logo atrás de mim... saiu quando eu saí... e agora, ao descer do bonde, dei com o pobre conquistador sentado no último banco, a lançar-me uns olhos de enxova morta. Não pude conter o riso! (Rindo-se.) Ah! Ah! Ah!! que homem ridículo! (De repente muito séria.) Aí está por que não gosto de andar senão de carro!

ÂNGELO — Pois sim, mas enquanto o cocheiro estiver doente...

HENRIQUETA (Rindo.) — Espero que não desafies o Ponciano! (Muito séria.) Oh! um duelo por minha causa! Nunca!

ÂNGELO — Henriqueta, deixa-me apresentar-te um amigo que deves ter muita satisfação em conhecer pessoalmente...

HENRIQUETA — Ah! O doutor Rodrigo! (Estende-lhe a mão, que ele aperta.)

RODRIGO — Conhece-me?

HENRIQUETA — Quando não tivéssemos o seu retrato, Ângelo tem me falado tanto, tanto do seu melhor amigo, e tantas vezes descrito a sua pessoa, que eu, vendo-o, reconhecê-lo-ia logo.

ÂNGELO — Chegou sem ser esperado, e a sua primeira visita foi nossa.

RODRIGO — Mesmo em trajo de bordo.

HENRIQUETA — Não imagina como é querido nesta casa!

RODRIGO — Vossa Excelência confunde-me. (Beija-iie a mão.)

HENRIQUETA — Admito esse Vossa Excelência por ser a primeira vez que nos falamos, mas desde já o intimo a tratar-me com a mesma familiaridade com que trata meu marido. O senhor é da família. (Rodrigo inclina-se.)

ÂNGELO (Apresentando.) — Dona Isabel de Lima, minha sogra... O doutor Rodrigo Fontes...

RODRIGO — Minha senhora...

ISABEL — Folgo de o conhecer. (Apertos de mão.)

ÂNGELO — O doutor Ludgero de Lima, meu sogro. O doutor Rodrigo Fontes...

RODRIGO e LUDGERO — Doutor... (Apertos de mão.)

LUDGERO — Meu genro já me havia falado muitas vezes do doutor... Acaba de chegar da velha Europa, creio?

RODRIGO — Sim, senhor, hoje mesmo.

LUDGERO — Então ainda não apreciou os embelezamentos da cidade?

RODRIGO — Apenas de relance... Já estavam muito adiantados quando parti, há dois anos.

LUDGERO — Tem sido uma transformação — como direi? — radical!

HENRIQUETA (A Ângelo.) — Sabes quem vi na Avenida? Chiquinha Gomes... É a quarta ou quinta fez que a vejo com aquele vestido cinzento!

ISABEL — Que tem isso, minha filha? Olha, este já o tenho posto mais vezes.

HENRIQUETA — Pois sim, mas tu não és uma pretensiosa como a Chiquinha Gomes, que se intitula a árbitra das elegâncias femininas! (Rindo-se.) Ah! Ah! Ah! Sabes como a Adelaidinha lhe chama? Dona Petrônia! (Todos riem.) Pobre senhora! Não se enxerga! Uma elegante que passeia na avenida Beira-mar sem chapéu, sob pretexto de que mora perto! — A propósito de chapéus —, trouxeram? — Ah! cá esta ele! (A Ângelo.) Gostaste?...

ÂNGELO — Paguei. (Todos riem.)

HENRIQUETA — Não gostaste?

ÂNGELO — Não vi.

HENRIQUETA — Com efeito! que falta de curiosidade! (Vai abrir a caixa, tira o chapéu e mostra-o a Angelo durante o diálogo que se segue.)

LUDGERO (A Rodrigo .) — Vai abrir consultório, doutor?

RODRIGO — Não, senhor; eu não clinico.

LUDGERO — Mas se não me engano, meu genro disse-me que o doutor tinha ido estudar medicina.

RODRIGO — Efetivamente, mas para o meu uso particular.

LUDGERO — Por que não clinica?

RODRIGO — Porque tenho medo. A responsabilidade do médico é tamanha, que me assusta. Não me considero suficientemente habilitado para curar os enfermos.

LUDGERO — Essa modéstia é — como direi? — excessiva.

RODRIGO — São escrúpulos.

LUDGERO — Se os seus colegas pensassem todos assim, poucos médicos haveria.

RODRIGO — E pouquíssimos doentes.

LUDGERO — Pois também eu não advogo, não porque não tenha confiança nas minhas luzes, mas porque felizmente me encontro numa situação — como direi? — independente. Sou proprietário agrícola. (Rodrigo inclina-se.)

HENRIQUETA (A Rodrigo.) — Dá-me a sua opinião sobre este chapéu?

RODRIGO — Peço-lhe que me dispense, minha senhora, porque nada entendo de modas. Entretanto, direi que o conjunto é agradável... as cores combinam-se bem... esta pluma é graciosa e está colocada com certo sentimento estético.

LUDGERO — Bravo! falou como um artista.

RODRIGO — Em chapéus.

ISABEL — Foi por causa dessa pluma que ele custou tão caro.

LUDGERO — Cento e cinquenta mil réis.

ISABEL — E o homem pediu duzentos. Se não fosse eu, Henriqueta comprava-o por esse preço.

HENRIQUETA — Mesmo assim, não seria caro.

LUDGERO — Talvez não seja essa a opinião de meu genro, que pagou.(A Rodrigo, em tom meio confidencial.) É verdade que a pequena trouxe alguma coisa para — como direi? — para os seus alfinetes...

RODRIGO — Mas, a julgar pelo preço deste chapéu, atualmente os alfinetes estão pela hora da morte.

ISABEL — Tudo encareceu no Rio de Janeiro!

LUDGERO — Tudo! O pobre luta com dificuldades — como direi? —insuperáveis para viver! Felizmente não me posso queixar da sorte... gasto muito, muitíssimo, mas vivo a meu gosto.

HENRIQUETA — E o essencial. Quando a gente não vive a seu gosto, o melhor é morrer. (Angelo troca uni olhar de inteligência com Rodrigo.)

RODRIGO — A mortandade será horrível, porque raros indivíduos vivem a seu gosto.

ISABEL — O doutor é solteiro?

RODRIGO — Sim, minha senhora.

ISABEL — E não pensa em casar-se?

RODRIGO — Eu pode ria responder a Vossa Excelência como Fontenelle, quando lhe fizeram a mesma pergunta; mas confesso que nunca pensei no casamento. A vida conjugal assusta-me também, tal qual a Medicina.

LUDGERO — Mas na comunhão social, o matrimônio é um dever — como direi? — imprescritível; é o complemento do homem.

RODRIGO — Pois eu decididamente não me completo.

ISABEL — Ludgero, não se esqueça de que vamos à casa do conselheiro, e é longe.

LUDGERO — Tens razão, minha mulher. Vamos!

ÂNGELO — Então não jantam conosco?

HENRIQUETA — Foram convidados para um jantar de aniver­sário...

ÂNGELO — Natalício?

LUDGERO — Não; casamentício. Vamos, minha mulher!

ISABEL — Vamos!

LUDGERO (A Rodrigo.) — Doutor, tenho muita honra em conhecê-lo, e lá estamos às suas ordens na pensão Schumann. Depois que casei a filha, desmanchei o palacete.

RODRIGO — Santa Teresa, rua Petrópolis, número 50.

LUDGERO — Todas as vezes que nos der a honra de sua visita, será recebido — como direi? — com especial agrado.

RODRIGO — Agradecido.

ISABEL — Doutor...

LUDGERO — Até sempre. (Apertos de mão.)

HENRIQUETA — Vou acompanhá-los até o jardim. (Saem Ludgero e Isabel, acompanhados por Henriqueta.)

CENA VIII editar

ÂNGELO, RODRIGO

RODRIGO — Tua sogra parece-me uma excelente senhora; mas teu sogro é um idiota.

ÂNGELO — Não te dizia?

RODRIGO — Parece até que a sogra é ele e não ela. — Como é que um homem assim consegue formar-se em Direito?

ÂNGELO — Que diabo! Há-os ainda piores!

RODRIGO — Não! olha que aquele casamentício...

ÂNGELO — O que deve dizer é como um homem assim pode ser pai de Henriqueta!

RODRIGO — Tua mulher é realmente lindísssima, encantadora... mas não te ofendas se te disser que a achei frívola.

ÂNGELO — Sou o primeiro a reconhecer que ela...

RODRIGO — Achei de muito mau gosto aquela história do Ponciano..

ÂNGELO — Também eu: mas ... não te disse que ela não tomava nada a sério?

RODRIGO — Com a cabecinha que tem, talvez te seja difícil convencê-la de que é preciso modificar profundamente o seu modo de viver. Mas ora adeus! Tens sido muitas vezes eloquente na tribuna; trata de sê-lo agora em família. Tens alcançado grandes triunfos na defesa dos outros; pois defende-te agora a ti mesmo e à tua mulher!

ÂNGELO — Como seríamos felizes se eu fosse rico!

RODRIGO — Não é dinheiro que vos falta.

ÂNGELO — Já sei, é juízo.

RODRIGO — Também não é juízo. O que vos falta é um filho. Não que eu pense do casamento sem filhos o mesmo que Tolstoi, um sábio que abusa singularmente do direito de dizer coisas que nele são paradoxos, e noutro qualquer seriam disparates. Um filho seria para tua mulher um excelente derivativo, e a ele, senão a ti, faria ela todas as concessões imagináveis. Entretanto, fala-lhe francamente, e quanto antes melhor. O anel de três contos que ela traz no dedo é um ótimo pretexto para unia explicação urgente, que não deves adiar.

CENA IX editar

O MESMOS, HENRIQUETA

HENRIQUETA — Lá foram eles.

RODRIGO (Que foi tomar o chapéu e a bengala.) — Minha senhora...

HENRIQUETA — Já? Pois não janta?

RODRIGO — Hoje não. Tenho que ir a casa, desarrumar as malas, dar algumas ordens, etc. Quem chega de uma longa viagem está morto por se apanhar no seu ubi.

HENRIQUETA — Tem razão, mas espero que considere esta casa como sua.

RODRIGO — Muito obrigado. (Aperta-lhe a mão, e vai apertar a de Ângelo.) Até amanhã.

ÂNGELO — Até amanhã. (Passa-lhe um braço em volta do pescoço e sai com ele.)

CENA X editar

HENRIQUETA, depois ÂNGELO

(Pequena cena muda. Henriqueta vai examinar mais uma vez o chapéu, que ficou sobre a secretária. Depois guarda-o na caixa.)

ÂNGELO — Isto é que é amizade! Rodrigo desembarcou e, antes de ir a casa, veio visitar-nos!

HENRIQUETA — É muito simpático.

ÂNGELO — É um coração de ouro.

HENRIQUETA — Mas não simpatizou comigo.

ÂNGELO — Por que o dizes?

HENRIQUETA — Não sei; pareceu-me que não me olhava com bons olhos. Fiz-lhe talvez má impressão.

ÂNGELO — Prevenção tua. (Senta-se.)

HENRIQUETA — Foi talvez a história do Ponciano.

ÂNGELO — Mas também que lembrança a tua! Bem podias guardar aquilo para quando estivéssemos sós.

HENRIQUETA — Eu não o tinha visto. (Indo sentar-se ao lado de Ângelo.) Ele é muito simpático, mas tu... (Dando-lhe um beijo.) Tu és muito mais simpático.

ÂNGELO — Ora graças que me deste um beijo!

HENRIQUETA — Toma outro pela demora.

ÂNGELO (Tomando-lhe as mãos.) — É este o anel que compraste por três contos?

HENRIQUETA — Ah! sim, esqueci-me de to mostrar! Vê como é lindo!

ÂNGELO — Mas não achas que isto é caro por três contos?

HENRIQUETA — Caro?.. .É o preço! Bem sabes que o Esposende é um negociante sério.

ÂNGELO — Não digo o contrário, mas há brilhantes que fazem mais vista e são mais baratos.

HENRIQUETA — Cala-te! Não entendes disto!

ÂNGELO — E tu? entendes?

HENRIQUETA — Mais do que tu.

ÂNGELO — Que necessidade tinhas de comprar este anel?

HENRIQUETA — Que necessidade tinha de o não comprar?

ÂNGELO — Já possuis tantas jóias...

HENRIQUETA — As jóias nunca são demais: são como as estrelas no céu.

ÂNGELO — Henriqueta, amo-te muito, muito, e não quisera dizer- te nada que te pudesse afligir...

HENRIQUETA — É sermão? Deixa-me primeiro mudar de toalete, que são quase horas de jantar.

ÂNGELO — Vem cá... o meu dever é prevenir-te de uma coisa.

HENRIQUETA — Que coisa?

ÂNGELO — Tu nos supões mais ricos do que na realidade somos.

HENRIQUETA — Estamos então na miséria?

ÂNGELO — Não, não estamos na miséria, mas lá chegaremos se não encurtarmos as nossas despesas. Quem só possui o que nós possuímos não tem o direito de comprar anéis de três contos.

HENRIQUETA — Ah! ah! ah! Só esta me faria rir! Que grande coisa um brilhante de três contos! Há-os de trinta, quarenta e cinquenta contos!

ÂNGELO — De muito mais! O Grão-Mogol, que pertence à coroa da Inglaterra, foi avaliado não sei em quantos milhões de libras esterlina!

HENRIQUETA — Pois bem... não tens do que te zangar... Paga este anel com o dinheiro do meu dote.

ÂNGELO — Já cá tardava o teu dote.

HENRIQUETA — És tu que me obrigas a falar nele!

ÂNGELO — O teu grande dote!

HENRIQUETA — Vamos e venhamos. Não é pataca e meia: são cinquenta contos de réis!

ÂNGELO — E sabes quanto temos gasto desde que nos casamos?

HENRIQUETA — Espero que não vás agora exigir que me ocupe dessas coisas.

ÂNGELO — Mas é bom que te ocupes. A gente deve saber quanto possui e de quanto pode dispor... Nós fazemos despesas supérfluas, que devemos cortar.

HENRIQUETA — Quais são elas?

ÂNGELO — Que necessidade temos de carros e cavalos que nos custam os olhos da cara?

HENRIQUETA — Que?... Tu queres desfazer-te do nosso cupê e da nossa caleça? Ah! ah! ah! Deixa-me rir! Que diabo tens tu hoje? Foi com a chegada do teu amigo? — Não! por amor de Deus, não me digas, nem brincando, que devemos suprimir os carros! Seria muito ridículo! Que bonita figura nós faríamos! (Abraça-se ao marido chorando.)

ÂNGELO — Não chores, que não te quero ver chorar!

HENRIQUETA — Então para que provocas as minha lágrimas?

ÂNGELO — Acabou-se, passou; dá cá um beijo.

HENRIQUETA — Não dou!

ÂNGELO — Dá!

HENRIQUETA — Não dou!

ÂNGELO — Pois não dês; tomo-to à força. (Beija-a.)

HENRIQUETA — Mau! Mal sabes tu que há muitos dias eu me estava preparando para pedir-te um automóvel!

ÂNGELO — Um automóvel? Estás doida! Onde iríamos nós buscar dinheiro para um automóvel?

HENRIQUETA — No meu dote!

ÂNGELO — Tu sabes quanto custa um automóvel?

HENRIQUETA — O de Chiquinha Comes custou só quinze contos!

ÂNGELO — E o chofer, os consertos, a gasolina?...

HENRIQUETA — Ora a gasolina!

ÂNGELO — Ouve, Henriqueta. No Rio de Janeiro, que precisa ainda de muitas avenidas para que nele se possa viver à vontade, como nos grandes centros civilizados, há muita gente que sabe da vida alheia mais do que lhe vai por casa. Tu não sabes quanto possuímos, e muitos estranhos o sabem, como se houvessem revistado as nossas gavetas; e as senhoras que gastam mais do que deveriam gastar, são, pelo menos, suspeitadas. Ainda agora disseste que o Ponciano te acompanhou hoje por toda parte, como se foras uma mulher fácil. O Ponciano é um bobo, mas não creias que procedesse com tanta impertinência se alguma coisa não lhe rosnasse a teu respeito.

HENRIQUETA — Que poderão dizer de mim? Sou uma senhora irrepreensível. Gosto de rir, de brincar, mas...

ÂNGELO — Não é o teu riso, nem são os teus brincos que me inquietam: isso é a tua mocidade rebentando em flor. Eu só protesto contra os teus hábitos de dissipação.

HENRIQUETA — Dissipação?

ÂNGELO — Sim! Tu gastas como se fosses casada com o rei do petróleo!

HENRIQUETA — Ah! ah! ah! Ainda agora a gasolina, agora o petróleo.

ÂNGELO — Peço-te que desta vez não te rias, porque estou falando muito seriamente.

HENRIQUETA — Com efeito! Nunca pensei que viesses perturbar a nossa ventura com uma questão de níqueis.

ÂNGELO — Não são níqueis: são contos de réis que atiras à rua!

HENRIQUETA —Quando desaparecer o último vintém do meu dote, avisa-me. Podes ficar certo de quê, esgotados os meus cinquenta contos, não gastarei mais nem um real: só comprarei vestidos de chita e brilhantes montana.

ÂNGELO — Vejo que não há meio de te falar seriamente.

HENRIQUETA — Se eu quisesse tomar a sério tudo quanto me tens dito, não sei o que seria de nós. Não é a primeira vez que me ralhas por causa das minhas despesas, mas hoje me tens dito coisas que nunca ouvi dos teus lábios. Ora as minhas despesas! As minhas despesas são, no final das contas, as mesmas que fazem todas as senhoras na minha situação.

ÂNGELO — Mas, vem cá, meu amor: tu sabes qual é a tua situação?

HENRIQUETA (Chorando.) — Sei! é a situação de uma pobre mulher, que foi amada e já o não é. Pelos modos, o teu amor é a moeda que mais se gasta nesta casa... e a moeda com que tenho pago as minhas loucuras!... Confessa que o teu coração está mais vazio que o teu cofre!

ANGELO — Cala-te, Henriqueta, cala-te! Não sabes o que estás dizendo! Amo-te muito, muito, e o meu amor é o mais puro, o mais nobre, o mais desinteressado, o mais cavalheiresco! Eu quisera possuir milhões e bilhões para arrojá-los a teus pés e satisfazer assim a todos os caprichos da tua fantasia! Não! não é com o meu amor que se pagam as tuas jóias e o teu luxo; se essa fosse a paga, todas as jóias do mundo seriam tuas; poderias ser a rainha universal da moda, porque a fonte não se estancaria jamais! Infelizmente, porém, o amor não paga senão o amor; as carruagens, os cavalos, as toaletes com que deslumbras quem passa, provocando admiração, inveja e maledicência, são pagos a dinheiro, e o dinheiro corre de uma fonte menos inexaurível que a do amor!

HENRIQUETA — Não me fales em dinheiro, Ângelo; não levantes uma nuvem negra no céu azul da nossa ventura! Já te disse, dispõe do meu dote. Não falemos mais nisso! Não percamos em discussões odiosas o tempo, que é pouco para nos amarmos... Em vez de me repreenderes, acaricia-me: em vez de conselhos, dá-me beijos; são tão bons os teus beijos! ... (Depois de se beijarem.) Não alteremos o nosso modo de viver... Temos sido assim tão felizes!... Promete, meu Ângelo, promete que nunca mais me falarás em dinheiro...Promete...

ÂNGELO — Prometo.

HENRIQUETA — Jura!

ÂNGELO — Juro.

HENRIQUETA — Também eu te amo tanto, tanto, tanto. Não tenho no mundo senão minha mãe, meu pai e tu...

ANGELO — Eu não tenho senão tu. ( Vendo entrar Pai Joâo.) Minto! Tenho também Pai João.

PAI JOÃO — O zantá z’tá na mesa.

HENRIQUETA — Bonito! O jantar está na mesa e eu não mudei de toalete...

[(Cai o pano.)]