O Drama do "Pax"

e os meritos de Severo


ARTIGO DA "REVUE", DE PA-
RIS DO 1. DE JUNHO
DE 1902.

I

Uma catastrophe terrivel veiu interromper as experiencias do balão dirigivel Pax, no momento preciso em que ia ser tentada a prova definitiva. Em logar de registrar uma victoria, temos de deplorar a morte do engenhoso inventor e do seu infortunado mechanico.

Augusto Severo, logo que chegou a Paris, foi expor os seus projectos á La Revue e foi aqui mesmo que, pela primeira vez, deram-se a conhecer os principios novos que elle contava applicar[1].

Limitamo-nos a considerar que Augusto Severo tivera a idéa, completamente nova, de collocar a helice de propulsão na extremidade do proprio eixo do balão. A barquinha, de forma toda especial, penetrava até o centro do aerostato e fazia corpo com este,assegurando ao systema uma rigidez perfeita. Na proa do balão encontrava-se uma helice destinada a deslocar o ar de modo a diminuir a resistencia á marcha.Finalmente, a direcção devia ser assegurada por meio de pequenas helices dispostas na armação da barquinha entre o balão e o sôlho que supportava os motores, os mecanismos e os aeronautas.

Augusto Severo imaginara para produzir a força motriz, motores electricos e pilhas muito poderosas, mas, tendo de demorar-se pouco tempo em Paris—o seu mandato de deputado chamava-o ao parlamento brasileiro—aconselharam-no, dando-lhe como exemplo o que fizera Santos Dumont, a substituir esses motores, cuja construcção seria demorada e dispendiosa, pelos motores a petroleo de Buchet.

Forçado pelo tempo, o infortunado aeronauta acabou por se deixar convencer.

Alem disso, por occasião dos ensaios dos motores, estes funccionaram maravilhosamente.

GEORGES CAYE.



GEORGES CAYE, que assigna o magistral artigo da La Revue que começamos hoje a traduzir, alem da sua autoridade em assumptos de aeronautica é o autor apreciado do celebre Tratado pratico de mechanica e de electricidade industriaes, que constitue verdadeira auctoridade na materia.

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e os meritos de Severo


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RIS DO 1. DE JUNHO
DE 1902.

II

Entretanto, Severo conservava algum receio e cinco dias antes da experiencia que devia custar-lhe a vida, dizia á sua mulher e aos seus intimos: "Si ainda tivesse dinheiro e tempo deante de mim,não hesitaria um só momento em mandar construir os meus motores electricos. Certamente, os motores Buchet são perfeitos, não encontrei melhores como motores a petroleo; porem este fóco de calor debaixo do meu balão me causa medo."

A sua apprehensão era bem justificada, dando-se a pequena distancia que separava os motores do aerostato. Com motores electricos este perigo não existeria e a catastrophe não se teria produzido. Assim, nos surprehendemos ao ver esses mesmos que o tinham levado a servir-se dos motores a petroleo criticar severamente o emprego desses motores no dia seguinte á catastrophe.

Por outro lado, a barquinha devia, segundo os planos do inventor, ser construida inteiramente de aluminium. Foi a falta de dinheiro que o forçou a recorrer ao bambú, que era ao mesmo tempo mais pesado e menos resistente.

Esta modificação obrigou-o a supprimir os ballonetes previstos primitivamente que deviam assegurar a forma permanente do balão e afastar os perigos de explosão. A falta de força ascencional constrangera-o a renunciar aos ballonetes e a utilisar o volume delles para armazenar maior quantidade de hydrogeneo.

A cubagem do balão prevista para 1900 metros ficou pois elevada a perto de 2.500 metros cubicos.

Desde o fim do mez de abril começou o enchimento do balão que ficou logo prompto para os ensaios.

O tempo não sendo favoravel, foi preciso esperar muitos dias antes de fazer uma primeira sahida; e foi semente na manhan de 4 de Maio que a primeira experiencia á corda poude ter logar. Os resultados responderam plenamente á espectativa do inventor. O balão equilibrava-se perfeitamente e promettia uma estabilidade completa. Os motores funccionavam muito bem ; as transmissões do movimento faziam-se do melhor modo. A helice da prôa foi ensaiada em primeiro logar e attingiu uma velocidade de mais de 120 voltas por minuto. O deslocamento de ar que ella determinava era tal que, sob a sua simples acção, e sem que a helice de propulsão estivesse em movimento, o Pax avançava com tamanha força contra o vento que quinze homens eram impotentes para retel-o.

Teve-se mesmo de parar bruscamente a transmissão afim de evitar que os operarios não fossem projectados contra o muro que fechava o parque aerostatico.

A experiencia da helice propulsiva situada na popa do balão foi ainda mais concludente.

Finalmente as helices directrizes funccionaram muito bem e pareciam dever assegurar uma direcção facil ao systema.

Tendo o tempo ficado coberto e começado a chuver, as experiencias foram interrompidas.

A 7 de Maio, teve logar uma nova experiencia que, embora menos longa, não foi menos interessante. O conde de Vaulx, nosso distincto collaborador, estava presente, assim como muitos representantes do Aero-Club. M. de dos La Vaulx parecera a principio dar pouca confiança á obra de M. Severo, porem mudou de opinião depois das experiencias que tiveram logar na sua presença e, na manhã seguinte era dos primeiros no hangar, antes das 4 horas da manhan, pensando que a sahida definitiva iria ter logar. Mas o tempo não era decididamente favoravel a M. Severo e foi somente a 12 de Maio, isto é, cinco dias mais tarde, que as experiencias definitivas poderam ser começadas.

GEORGES CAYE.

O Drama do "Pax"

e os meritos de Severo


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RIS DO 1. DE JUNHO
DE 1902.

III

Havia quinze dias que chegavamos todas as manhans ás 4 horas, porque queriamos assistir á prova decisiva do Pax e dar aos leitores da La Revue, conforme o desejo externado pelo seu director, informações exactas e precisas.

Foi a esta perseverança que devemos ser o unico representante de toda a imprensa que se achou presente no parque de Vaugirard no dia da catastrophe. Isto valeu-nos uma emoção terrivel, mas, em compensação, permittiu-nos relatar o que se passou a nossos olhos e dizer com inteiro conhecimento de causa como começára esta ascenção que devia terminar tão tragicamente. E' o que nos impede de seguir o exemplo dos criticos desastrados que, sem terem visto o apparelho, acham justo e digno atacar a memoria daquelle que só lhes pode oppor o silencio do tumulo.

A's 5 horas e 15 minutos o balão sahia do seu hangar. Por medida de prudencia e a fim de dispor de maior quantidade de lastro. M. Severo decidiu partir só com o seu mechanico Savet, deixando em terra M. Alvaro Reis que devia partir com elle. Este ficou desapontado com o contra-tempo. Quem teria pensado então que, recusando leval-o, Severo salvava-lhe a vida?

Eram exactamente 5 horas e 25 minutos quando o Pax deixou o solo. Primeiramente, o balão estando retido por cordas, ensaiaram-se os motores e as helices que funccionavam muito bem, conforme todos os assistentes poderam constatar. Depois, ligaram o "guide-rope" e Severo, tendo dito um ultimo adeus a seus amigos e enviado um ultimo beijo á sua mulher e ao seu filho mais velho que, estavam presentes, o Pax atirou-se novamente ás nuvens.

Quando o balão chegou ao fim da corda, o homem que segurava a extremidade desta reteve-o um momento. Severo, sentiado-se parado, julgou a sua força ascecional insufficiente e lançou dois sacos de lastro, o que o fez elevar-se bruscamente.

Poz então em movimento as helices de direcção das quaes queria primeiramente certificar-se. Poude-se-o ver descrever acima das nossas cabeças, depois—oitos—cada vez mais apertado—e isto o primeiramente num sentido, depois em sentido contrario, conforme faz fé um documento que possuo: uma photografia sobre a qual tomei a aerostato em tres posições seccessivas sem mudar de logar.

Debaixo do ponto de vista da direcção,era absolutamente senhor do seu balão. E'certo que M. Santos Dumont pretende o contrario.

Mas o seu encarniçamento em amesquinhar a memoria do seu compatriota e confrade explica-se talvez pelo facto delle, sem nunca ter visto o balão de Severo, julgar necessorio para a sua dignidade falar a respeito delle. Para nós é certo que com um simples leme, sem helice de propulsão em movimento, ninguém teria podido obser este resultado. Alem disso, M. SantosDumont estáva no caso de reconhecer os inconvenientes deste frágil orgão de direcção e deveria lembrar-se das suas quedas no Trocadero e em Monaco.

Entretanto as pequenas helices faziam evoluir maravilhosamente o aerostato e o Pax parecia absolutamente senhor da sua direcção. M. Severo estava tão satisfeito do resultado que, durante dez minutos repetiu a experiencia. Por não estarem em movimento as helices de propulsão, o balão foi arrastado pelo vento. Tudo ia pois muito bem. Reinava o maior praser entre os poucos espectadores que a hora matinal não amedrontara, e tendo sido dado por Severo o signal convencionado, todo mundo se preparava a ganhar os automoveis para se transportar ao campo de manobras de Issy-les-Moulinaux.

De repente um grito dilacerante rompeu de todos os peitos. O balão pegava fogo! Um clarão sinistro, partido da extremidade de traz da barquinha elevava-se para o aerostato que se inflammava subitamente. Uma espantosa detonação chegava até nós ao passo que o Pax e os seus dois aeronautas abismavám-se com uma vertiginosa velocidade atravez do espaço e, cahindo de uma altura de mais de 400 metros, vinham despedaçar-se horrivelmente na avenida do Maine.

Ser-me-ia impossivel descrever a dor que invadiu todos aquelles que assistiram a esse espectaculo horrivel, mais horrivel e mais triste para nós que rodeavamos a mulher e o filho do infortunado Severo, para nós que acabavamos de apertar as mãos das duas victimas desta catastrophe, para nós que passavamos tão bruscamente da alegria do successo ao horror da morte......

GEORGES CAYE.

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  1. Artigo da La Revue, de 1º. de Dezembro de 1901, transcripto n´A Republica.