No ano de 1608 em que se passam estas cenas, a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro tinha apenas trinta e três anos de existência.

Devia de ser pois uma pequena cidade, decorada com esse pomposo nome desde o primeiro dia de sua fundação, por uma traça política de Estácio de Sá, neste ponto imitado pelos governadores do Estado do Brasil. Aos sagazes políticos pareceu da maior conveniência semear de cidades, e não de vilas, e menos de aldeias, o mapa de um vasto continente despovoado, que figurava como um dos três Estados da coroa de Sua Majestade Fidelíssima.

Com esse plano não é de admirar que um renque de palhoças às faldas do Pão de Açúcar se chamasse desde logo cidade de São Sebastião, e fosse dotada com toda a governança devida a essa jerarquia.

Em 1608 ainda a cidade se encolhia na crista e abas do Castelo; mas quem avaliasse da sua importância pela estreiteza da área ocupada, não andaria bem avisado.

Estas cidades coloniais, improvisadas em um momento, com uma população adventícia, e alimentadas pela metrópole no interesse da defesa das terras conquistadas, tinham uma vida toda artificial.

Assim, apesar de seus trinta e três anos, que são puerícia para uma vila, quanto mais para uma cidade, já ostentava o Rio de Janeiro o luxo e os vícios que somente se encontram nas velhas cidades, cortesãs eméritas.

Eram numerosas as casas de tavolagem; e nelas, como hoje em dia nos alcáçares, tripudiava a mocidade perdulária, que esbanjava o patrimônio da família ao correr dos dados, ou com festas e banquetes a que presidia a deusa de Citera.

Entre essa mocidade estouvada, primava pelas extravagâncias, como pela galhardia de cavalheiro, um mancebo de dezoito anos, Aires de Lucena.

Filho de um sargento-mor de batalha, de quem herdara dois anos antes abastados haveres, se atirara à vida de dissipação, dando de mão à profissão de marítimo, a que o destinara o pai e o adestrara desde criança em sua fragata.

Nos dous anos decorridos foi Aires o herói de todas as aventuras da cidade de São Sebastião.

Ao jogo os maiores páreos eram sempre os seus; e ganhava-os ou perdia-os com igual serenidade, para não dizer indiferença.

Amores, ninguém os tinha mais arrojados, mais ardentes, e também mais volúveis e inconstantes; dizia-se dele que não amava a mesma mulher três dias seguidos, embora viesse no decurso de muito tempo a amá-la aquele número de vezes.

Ao cabo dos dous anos achava-se o cavalheiro arruinado, na bolsa e na alma; tinha-as ambas vazias: estava pobre e gasto.

Uma noite meteu na algibeira um punhado de joias e pedrarias que lhe restavam de melhores tempos, e foi-se à casa de um usurário. Apenas escapou a cadeia de ouro, que tinha ao pescoço e de que não se apercebeu.

Com o dinheiro que obteve do judeu se dirigiu à tavolagem resolvido a decidir de seu destino. Ou ganharia para refazer a perdida abastança, ou empenharia na última cartada os destroços de um patrimônio e uma vida malbarateados.

Perdeu.

Toda a noite passara-a na febre do jogo; ao raiar da alvorada, saiu da espelunca e caminhando à toa foi ter à Ribeira do Carmo.

Levava-o ali o desejo de beber a fresca viração do mar, e também a vaga esperança de encontrar um meio de acabar com a existência.

Naquele tempo não se usavam os estúpidos suicídios que estão hoje em voga: ninguém se matava com morfina ou massa de fósforo, nem descarregava em si um revólver. Puxava-se um desafio ou entrava-se em alguma empresa arriscada, com o firme propósito de dar cabo de si; e morria-se combatendo, como era timbre de cavalheiro.