É praticamente impossível, passado tão pouco tempo, dizer com qualquer decisiva ênfase qual será o futuro das pessoas de cor. Especulações como esta, até agora, só têm refletido o viés mental e a educação dos muitos que tentaram resolver este problema.

Douglass em frente de sua casa.

Todos nós sabemos o que o negro tem sido, como um escravo. Nessa relação o que temos é a experiência de duzentos e cinquenta anos antes de nós, e se pode facilmente saber o caráter e as qualidades que ele tem desenvolvido e exibido durante esta longa e severa provação. Em sua nova relação com os ambientes podemos vislumbrar apenas o alvorecer de vinte anos de semiliberdade; pois ele mal teve tempo de liberto para superar as marcas do chicote em suas costas e dos grilhões em seus membros. Ele se apresenta diante de nós, hoje, fisicamente, como um homem aleijado e mutilado. Sua mãe foi torturada antes do nascimento de seu bebê, e a amarga angústia da mãe é visível no semblante de sua prole. A escravidão torceu seus membros, deformou seu corpo e distorceu suas feições. Ela continua preta, mas não é mais formosa. Dormindo no chão de terra da cabana de escravos na infância, frio de um lado e quente do outro, tinha forte a circulação do sangue de um lado mas do outro era gelada e retardada, o resultado é que ele não tem a postura vertical de um homem perfeito. Sua falta de simetria, causada não por culpa própria, cria uma resistência ao seu progresso, que não pode ser bem sobrestimada, e deve ser levada em conta, quando se for medir sua velocidade na nova corrida da vida na qual ele agora entrou. Como já disse muitas vezes antes, não podemos medir o negro das alturas que a raça branca tenha atingido, mas das profundezas de onde ele veio. Você não irá encontrar Burke, Grattan, Curran ou O’Connell entre os oprimidos e famintos pobres dos distritos desvalidos da Irlanda. Tais homens vêm de confortáveis antecedentes e saudáveis progenitores.

Deixando de lado todos os preconceitos a favor ou contra a raça, olhando para o negro em relação política e social com o povo americano em geral, e mensurando as forças contra ele, eu não vejo como ele poderá sobreviver e prosperar neste país como uma distinta e separada raça, nem vejo como ele pode ser removido do país seja pela aniquilação seja pela expatriação.

Às vezes eu temia que, em algum selvagem paroxismo de raiva, a raça branca, esquecida dos clamores da humanidade e dos preceitos da religião cristã, viesse a proceder ao abate do negro em larga escala, como alguns desta raça tentaram abater os chineses, e como alguns fizeram em partes nalguns distritos dos estados do Sul. As bases deste medo, entretanto, têm sido em certa medida diminuídas, uma vez que o negro tem em grande parte desaparecido da cena política do Sul, e tem-se colocado por conta própria nas atividades industriais e da aquisição de riqueza e educação, e nem aqui, embora mais próspero, parece despertar um antagonismo perigoso; para os brancos não é fácil tolerar a presença entre eles de uma raça mais próspera que a deles mesmos. O negro como uma pobre e ignorante criatura não irá contradizer o orgulho racial da raça branca. Ele é mais uma fonte de diversão para aquela raça do que um objeto de ressentimento. A resistência maligna é aumentada à medida em que ele se aproxima do plano ocupado pela raça branca, e ainda assim eu acho que essa resistência irá gradualmente ceder à pressão da riqueza, da educação, e do caráter elevado.

Douglass e sua esposa branca na lua de mel, em Niagara Falls.

Minha convicção mais forte em relação ao futuro do negro, portanto, é que ele não será expatriado nem aniquilado, nem irá permanecer para sempre uma raça e distinta das pessoas à sua volta, mas que ele será absorvido, assimilado, e vai parecer ao final como os fenícios agora surgem às margens do Shannon,[1] com aparência de uma raça misturada. Eu não posso estender minhas razões para esta conclusão, e talvez o leitor possa pensar que o desejo é o pai do pensamento, e pode em sua indignação denunciar minha conclusão como absolutamente impossível. Para estes posso dizer, demora um pouco, e observem os fatos. Duzentos anos atrás havia duas distintas e separadas correntes da vida humana vivendo através deste país. Elas situavam-se em extremos opostos na classificação etnológica: todos os negros de um lado, todos os brancos de outro. Hoje, entre estes dois extremos, uma raça intermediária surgiu, e que não é nem branca nem negra, nem caucasiana nem etíope, e esta raça intermediária está constantemente aumentando. Sei que é dito que a aliança marital entre essas raças é antinatural, abominável e impossível; mas exclamações desse tipo apenas sacodem o ar. Não provam nada contra um fato teimoso como o que confrontamos diariamente e que está aberto à observação de todos. Se a mistura de raças fosse algo impossível não deveríamos ter, pelo menos, um quarto de nossa população de cor composta por pessoas de sangue misto, que vão numa gama da cor castanho-escuro até o ponto em que não mistura visível. Além disso é óbvio para o senso comum de que não há necessidade de aprovação de leis, ou a adoção de outros dispositivos, para evitar algo que seria por si mesmo impossível.

É claro que este resultado não será alcançado por quaisquer processos apressados ou forçados. Não surgirá de qualquer teoria da ciência a mistura das duas raças. Se elas se relacionam em tudo, ela virá sem choque ou barulho ou violência de qualquer tipo, e apenas na plenitude do tempo, e ela será ajustada às condições circundantes que dificilmente será observada. Eu não gostaria de ser entendido como advogando o casamento inter-racial. Eu não sou um propagandista, mas um profeta. Eu não digo que o que digo virá a ocorrer, mas sim o que acho ser provável venha a acontecer, e o que é inevitável. Enquanto eu não gostaria de ser entendido como defensor da necessidade de tal resultado, eu não quero ser entendido por depreciá-lo. Raças e variedades da família humana aparecem e desaparecem, mas a humanidade permanece e permanecerá para sempre. O povo americano um dia será mais fiel a esta ideia do que agora, e vai dizer como o filho inspirado da Escócia:

“Um homem é um homem, e isso é tudo.”[2]

Quando este dia chegar, eles não irão corromper e pecar contra a verdade da linguagem como agora o fazem ao chamarem um homem de sangue mestiço, de negro; eles irão dizer a verdade. É somente o preconceito contra o negro que faz que se chame alguém, embora conectado proximamente com a raça branca, de negro. O motivo não é derivado do desejo de elevar o negro, mas para humilhar e degradar os de sangue misto; não pelo desejo de trazer o negro para cima, mas para lançar o mulato e o quadroon [3] para baixo numa arbitrária e odiosa linha de cor. Os homens de sangue misto neste país aplicam a si mesmos o nome de “negro”, não por uma descrição etnológica correta, mas porque parecem dedicados ao lado negro de seu parentesco. Por isso em alguns casos eles são mais ruidosamente opositores à conclusão que cheguei do que os brancos ou os que são francamente da raça negra. A oposição à amalgamação, de que ouvimos tanto por parte das pessoas de cor é, na maior parte, mera afetação e nunca será barreira intransponível à união das duas variedades.

Notas e referências

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  1. O rio Shannon é o maior da Irlanda.
  2. Trata-se de uma citação do poeta escocês Robert Burns (1759-1796)
  3. nos EUA os negros eram divididos em “escalas”, e como tal foi classificado nos censos oficiais de 1850 a 1890 e depois nos de 1910 e 1920: black, mulatto, quadroon e octoroon – conforme sua "pureza", sendo mulatto para quem tivesse metade de sangue negro, quadroon para um quarto e octoroon para um oitavo.