Sem hesitar penetrou Manuel na gruta.
Era difícil a entrada, pela angústia da passagem, que formava a laringe da caverna; a garganta já era estreita e sinuosa; mas ali duas cartilagens do rochedo cerravam o canal. A saliva que segregavam as porosidades calcárias do granito, umedecia todo esse tubo, e o forrava de um muco limoso.
Compreendia-se bem como a caverna devorara tão rapidamente o poldrinho. A imitação da jibóia o envolvera da baba, para que resvalasse ao longo da garganta. Mais uma semelhança que mostra o padrão uniforme de cada região da terra. As monstruosidades da natureza animada têm um ar de família com as monstruosidades da natureza inerte. O elefante, o maior quadrúpede, é filho do Himalaia. A sucuri, a maior serpente, é natural do Amazonas. O pássaro gigante habita os cimos da América sob o nome de condor, e os da Ásia sob o nome de roque.
Depois de longos e contínuos esforços, conseguiu o rapaz arrancar da gorja do rochedo uma das guelras. Ficaram-lhe as mãos ensangüentadas; mas nem reparou em tal coisa. Introduziu a cabeça, logo após os ombros e surdiu enfim no ventre da caverna. O poldrinho arquejava a um canto. Imediatamente o suspendeu com ternura e mimo, cingindo-o ao seio, para transmitir-lhe o calor vital. Mal gemera a cria, apareceu na entrada a ponta do focinho da Morena.
Em risco de estrangulação a mísera mãe se alongara pela gruta a dentro, soluçando e rindo; soluçando pelo filho moribundo, e rindo pelo filho ainda vivo; duplo sentir e avesso, que somente se explica pelo fluxo e refluxo do oceano, a que chamam coração.
Ergueu Manuel o poldrinho, que a égua segurando pelas clinas tirou fora da gruta e pousou sobre a relva, deitando-se para o conchegar a si.
Em semelhante situação, a mulher mãe embebia a criança de lágrimas e beijos, e a cerrava ao seio para aquecê-lo ao seu contato. A égua mãe lambeu o filho e o cobriu todo de uma baba abundante e vigorosa. No fim de contas a carícia materna é a mesma no coração racional, como no coração animal; uma extravasão dalma que imerge o filho e uma influição do filho que se embebe nalma.
A mulher chora, soluça, beija e abraça; a égua lambe, e nesse único movimento há a lágrima, o soluço, o ósculo e o amplexo: o amplexo da língua, que é o abraço inteligente do animal.
Enquanto assim procurava a baia reanimar o poldrinho, estavam contemplando-a, mudos e igualmente comovidos, o Manuel de um lado, do outro a tordilha. Esta deitava sobre a amiga uns olhares longos; de vez em quando castigava a travessura de seu poldrinho, arredando-o de si, quando se ele chegava para acariciá-la. Não queria ela, a mãe feliz, dar àquela mãe desventurada o espetáculo de sua alegria.
Aquecido pela baba ardente do seio materno, foi o coitadinho a pouco e pouco recobrando o alento. Fazendo um esforço, pôde a Morena roçar as tetas roliças pela boca ainda imóvel do filho.
Aí interpõe-se o Manuel, que espiava esse instante. Tinha a égua corrido cerca de vinte horas sucessivas, intercaladas apenas de um breve repouso. O suor que pouco há alagava-lhe o corpo, ainda perla sua roupagem macia. Arqueja ainda a vigorosa petrina, e o resfolgo é ardente como o fumo de uma cratera.
Receia o gaúcho que esse leite agitado, não só pela fadiga, como por abalos profundos, seja, em vez de licor vital, mortífero veneno. Tira, pois, o poldrinho do regaço materno, apesar da relutância da Morena, que afinal cede. Fora necessária alguma severidade; Manuel, com o fragmento do laço, peara-lhe as mãos, obrigando-a assim a repousar para melhor tratar depois do filho.
Tomando então o poldrinho no colo, chamou a tordilha que ligeira acudiu oferecendo as tetas para amamentar o pobrezinho desfalecido. A primeira sucção foi débil e intermitente; depois mais forte e contínua. Não consentiu porém o gaúcho que mamasse muito; e recebida a suficiente nutrição, restituiu-o à mãe sôfrega por ele.
Caíra o poldrinho no delíquio natural depois de longa privação de alimento; sucedeu um sono reparador, que ele dormiu no regaço e sob os olhos da mãe. Também esta, colhendo alguns molhos de relva fresca e nutritiva, sossegou da agitação e fadiga de tão longa corrida.
Consentiu a tordilha então que o seu pirralho brincasse, mas longe, para não acordar o camarada; e Manuel batendo o isqueiro chamuscou um pedaço de charque para o almoço.
Era passada uma hora.
Abriu os olhos o poldrinho, inteiriçou os membros trôpegos, e erguendo o curto focinho, soltou um suave ornejo, que na linguagem da natureza exprime o eterno e sublime balbucio da criança, e na linguagem dos homens se traduz por esta palavra-hino:
— Mamãe.
Palavra inata, que o espírito traz do céu, como traz a consciência de sua origem. Quando Deus encarna as almas, para semear a terra, imprime-lhes dois emblemas indeléveis: a consciência da divindade e a intuição da maternidade; o verbo divino e o verbo humano.
Quem pode afirmar que o animal seja ateu? Os mugidos merencórios do gado ao pôr do sol, os descantes das aves na alvorada, os uivos lastimosos do cão durante as noites de luar, o balido das ovelhas alta noite, sabe alguém acaso se esta é ou não a prece do filho da natureza?
O sentimento da maternidade, esse é de uma evidência muitas vezes humilhante para a raça humana. Em todo o corpo onde há uma réstia de vida, reside uma voz para balbuciar o verbo humano. Desde o rugido do leãozinho até o imperceptível estalido da larva, todo o ente gerado diz — mãe.
Também seio, dotado de faculdade conceptiva, nenhum há que não palpite íntima e profundamente ao eco daqueles sons. Parece que ele conserva a sensibilidade interna do contato com o filho que gerou; a dor, como a alegria, se comunica e transmite de um a outro por misteriosa repercussão.