No dia seguinte ao da chegada, mal rompeu a alvorada, já estava o gaúcho com seus novos amigos, a baia e o poldrinho. Tirou-os fora para respirarem o ar frio da manhã, e brincarem sobre a relva. Enquanto caracolavam alegremente mãe e filho, Manuel, sentado num cocho de pau lavrado, estava-se a lembrar de um bonito nome para dar ao poldrinho.

Jacintinha, aparecendo no alpendre, os viu e aproximou-se. Não deixava a menina de sentir sempre um invencível acanhamento quando chegava-se perto do irmão. O amor que lhe tinha a arrastava muitas vezes; e outras mais a arredava; porque ela vivia entre dois receios, de importunar o irmão com sua insistência, ou de o desagradar com sua esquivança.

Ao avistá-la, o primeiro gesto do gaúcho foi de enfado; não pela irmã, mas por ele que desejava estar só, para gozar da companhia de seus amigos. É necessário advertir que havia um pudor extremo na afeição que Manuel votava aos animais. Se o encontrassem a abraçar algum e a amimá-lo, como já tinha acontecido, corava. Era a sós que as expansões de seu coração desafogavam-no livremente.

— Oh! como é bonitinho, Jesus! Que veludo!... E as clinas!... aneladas como os meus cabelos!

Estas exclamações soltara-as Jacinta cruzando as mãos de admirada. Depois de um instante de contemplação, sentou-se na outra ponta do cocho, e fazendo covo e regaço do vestido, começou a chamar o poldrinho com essa linguagem especial que têm as mulheres para cada espécie de animal, desde os pintainhos. Ao mesmo tempo que os lábios apinhados exalavam um som muito semelhante a um muxoxo contínuo, batia ela com os dedos no regaço.

Parece que a menina enfeitiçou o poldrinho, pois não tardou ele em vir aos pulos pôr-lhe a cabeça ao colo, e entregar-se nos seus braços. Sem mais cerimônia começou Jacintinha a beijá-lo, e fazer-lhe cócegas nas orelhas; daí um momento eram os maiores camaradas, e folgavam travessamente pelo gramado.

Foi de ciúme o primeiro movimento de Manuel, ao ver a simpatia das duas crianças; e lembrando-se que o pai de Jacintinha roubara Francisca à memória do esposo, e ao amor do filho, irritou-se.

Não bastava que lhe tivessem desterrado o coração da família, ainda por cima vinham magoá-lo no exílio, perturbando suas inocentes afeições e seduzindo o objeto delas?

Nisto reparou na égua, que a alguns passos olhava a menina a folgar com o poldrinho. Um estranho não veria no animal coisa que lhe despertasse atenção. Para o gaúcho, porém, a baia tinha uma atitude; aquela posição frouxa e descansada sobre as quatro patas, exprimia, em um animal brioso e árdego, certo embevecimento de ternura, que ameigava-lhe o coração. A moça, criada no campo, é assim; quando a fronte reclina, e o pezinho buliçoso dorme sobre a esteira, não há que ver, tocaram-lhe no coração.

Mas, além do gesto, a baia sorria de prazer, e Manuel bem lhe percebia os palpites que estremeciam os rins e se comunicavam, em doces vibrações, à longa e basta cauda. Estava o animal possuído de uma terna emoção que o enlevava.

Compreendeu Canho que a mãe sentia-se feliz vendo o contentamento do filho. Os raios daquela pupila cintilante penetraram em sua alma, e apagaram as sombras que um mau sentimento já aí espargia.

De repente o espírito do gaúcho achou-se envolto em uma dessas ilusões agradáveis, que se estendem pelos horizontes da imaginação como lindas miragens. Representou-lhe a mente um casal de belas criancinhas, brincando na esteira; ao lado de uma linda moreninha que os contemplava rindo-se de gosto.

E a ilusão foi tal, que Manuel começou a ver nas ondulações do lustroso pêlo da baia as inflexões de um colo airoso e os requebros sedutores do talhe da rapariga; nos saltos do poldrinho a graciosa petulância do menino. Ao mesmo tempo que por estranha confusão lhe parecia que as tranças aneladas de Jacintinha se desatavam pelas espáduas como a formosa clina de uma poldrinha, e o pé travesso batia o chão com a altivez e ardimento de um casco gentil.

Arrancou-o do êxtase a voz da irmã.

— Como se chama ele, Manuel?

— O poldrinho? ... Não sei.

— Ah! ainda não tem nome!... Pois há de ser Destemido!

O gaúcho abanou a cabeça.

— Então, Voador.

Repetiu Manuel o gesto negativo.

— Está bom... Relâmpago?

— Não, disse Canho apanhando a lembrança que despontara. Há de chamar-se Juca.

— Juca!... O maninho que...

Cravando um olhar rijo na menina respondeu ele pausadamente:

— Sim; o mano que morreu.

— Bravo! exclamou Jacintinha batendo as mãos.

E repetindo aquele gazeio do princípio, começou de chamar o poldrinho, intermeando-lhe o nome.

— Juca!... Juquinha!... tome, tome!...

Correndo a ela o poldrinho, cingiu-o ao solo e o levou a Manuel.

— Ande, sô Juca, ande, venha abraçar o mano! Assim!...

A exclamação da menina, ao ouvir o nome do poldrinho, fora direita ao coração do gaúcho. Aplaudindo essa ressurreição de um ente querido na pessoa do lindo animal, Jacintinha entrara no ádito daquela alma exilada da sociedade humana. Juca era o elo que os unia, pois a menina se elevava até ele, considerando-o como um irmão. Pela vez primeira, Manuel estreitou a irmã ao peito, cingindo-a e ao poldrinho em um mesmo abraço. A égua veio roçar a cabeça ao ombro do gaúcho; e assim consagrou-se a doce comunhão daquela nova família.

— E ela?...

— Chama-se Morena, respondeu o gaúcho, beijando a baia entre os olhos.