Quando o dr. Abdenago Borges tomou aposento, para moradia, na "Pensão Paraibana, à rua Corrêa Dutra, o que mais o impressionou não foi o panorama que se descortinava da janela do quarto, dominando a baía, nem o preço mensal, que era de seiscentos réis: foi o palmo de cara, com os seis de corpo, da copeira, o Josefina, mulatinha de dezoito anos, cuja plástica, disfarçada pelo avental e pelo vestido grosseiro, era facilmente adivinhada pelo seu olhar de entendido. Paramentada com elegância, a pequena seria, talvez, a mais linda mulher da cidade. Era, pois, com alegrai íntima, que [se] ele felicitava a si mesmo por ter descoberto aquela pérola, em ostra tão escondida.
Os primeiros dias passados no novo pouso, consumiu-os o jovem homem de ciência em aproximar-se da rapariga. E tanto fez, tanto procurou, que, uma tarde, ao cruzar com ela em um dos corredores do segundo andar, pegou-lhe nos pulsos, ameaçando-a, nervoso:
— Hoje, às onze e meia, vou hipnotizá-la. Hei de fazer com que você, dormindo, vá ter ao meu quarto; sabe?
Aquela ameaça não era, entretanto, uma pilhéria. Entendido em hipnotismo, era pensamento do Abdenago atrair à sua cova de lobo, à noite, aquela ovelha desconfiada. E à hora marcada, com a pensão em silêncio, lá estava ele com a atenção concentrada, os olhos na porta, chamando hipnoticamente, a mísera Josefina.
Ao fim de um quarto de hora, ouviram-se passos miúdos no corredor. Abdenago sorriu, feliz, com a vitória da sua ciência. Era a Josefina, com certeza, que vinha, sonâmbula, dominada, ao seu encontro.
A porta, encostada, abriu-se.
— Josefina! — gemeu o médico, os olhos esbugalhados, os braços estendidos, as mãos abertas, como os pés de uma galinha morta lançada a uma lata de lixo.
A mulatinha olhou-o com espanto.
— "Tá"doido, moço!? — fez, franzindo a testa.
E desatando a rir, dengosa:
— Minha Nossa Senhora! Era "perciso", agora, tanta coisa, pr'a gente vir aqui?...