O Sr. Pedro do Couto, crítico bem conhecido, manda-me estas opiniões sensatas e cheias de discreta reflexão:
"Correspondendo ao vosso gentil apelo, passo a responder o que julgo cabível nos moldes do questionário que me foi presente.
No primeiro quesito pedis-me indicação dos autores que mais influíram para a minha formação literária. Ser-me-ia difícil, mesmo quando fora de grande monta o meu valor nas letras, tal dizer, visto que a nenhum dos mestres ou dos chamados tais devo determinada orientação. Iniciado no domínio da matemática e tendo, portanto, o espírito educado convenientemente, fácil me foi julgar com precisão dos trabalhos literários cuja leitura fiz.
Em uns apreciava o vigor da forma, a elegância do estilo; em outros, o valor da tese estudada e o brilho com que era apresentada. Nenhum deles, porém, cooperou para o meu juízo estético, de modo a filiar-me a tal ou qual orientação literária. Tenho noção assentada sobre a função da arte e seu destino, julgava as obras que lia segundo o modelo filosófico de antemão traçado. Ora, assim sendo, facilmente compreendereis que era mui precária a influência que em mim poderia produzir qualquer autor, por mais valor artístico que a evidência manifestasse.
Penso ter respondido à vossa primeira pergunta do modo mais consentâneo com a minha individualidade e segundo a interpretação que dei ao espírito do quesito.
Em relação ao 2º, cumpre dizer-vos que não dou aos meus trabalhos importância tão subida que valha uma preferência por este ou aquele — reputo-os todos efêmeros, sem nenhum destaque especial. Resta-me, no entanto, a consoladora certeza de que nas condições dos meus se acha a mor parte dos que por aí andam, sem excluir, é bom lembrar, os de muitos medalhões pretensiosos. A estes, coitados! nem sequer resta a convicção da mediocridade de seus esforços intelectuais.
Bom seria que a minha franqueza atuasse de algum modo em muitos dos nossos contemporâneos que a ignorância própria e de seus iguais arvora em estetas e mesmo em mestres. De mestres só têm a catadura e a empáfia, porque letras e ciências, sobretudo estas, andam deles tão afastadas como nós do Sol.
Deixêmo-los, porém, em paz, e continuemos nossa palestra.
O 2º quesito exige resposta mais detalhada, o que passo a fazer-vos gostosamente.
No momento atual, no Brasil, dá-se um fato de ordem sociológica mui natural: como deveis saber, o movimento estético, em todas as suas modalidades, é função do movimento social. O conjunto reage sobre as partes, determinando esta ou aquela manifestação, neste ou naquele tipo. Assim sendo, as grandes obras de arte só se podem efetuar quando a situação social o impõe taxativamente. Ora, o período de dissolução que atravessa o mundo moderno não pode determinar o aparecimento de obras de relevância, capazes de por si sós caracterizar uma época, isso não só em nossa Pátria, como mesmo nas nações que ocupam a vanguarda do movimento progressivo. Posto assim o problema, julgo que a situação — da poesia, da prosa, da música, da pintura e da escultura, no Brasil como na Europa, tem de ser, na melhor das hipóteses, um apuro de fatura, nada traduzindo que manifeste grandeza de concepção.
Quanto à existência de novas escolas, e à luta entre elas, cumpre que eu estabeleça uma preliminar: que se deve entender por escolas? Existem elas bem discriminadas?
No rigor do termo, não existem escolas; e quanto à sua diferenciação, é mais aparente do que real. Notam-se maneiras diversas de fazer, modos diversos de expor o pensamento, em regra, sempre o mesmo. A luta é, pois, entre indivíduos, como representação de modos de ser literários.
A um exagero de forma opõem alguns um completo desleixo dela, como sendo a verdadeira arte. A uma crueza de expressão, tocando as raias da licença, como alguns compreenderam o realismo, segue-se um emaranhado de palavras, procurando veladamente traduzir sentimentos dos chamados, permiti que os englobe, nefelibatas.
Os primeiros deleitam-nos muita vez pelo vigor da forma, pela correção do estilo; os segundos inebriam-nos com a música de suas palavras. É claro que, assim dizendo, me refiro aos primazes, únicos que podem servir para uma análise precisa da tese que propusestes.
Como vedes, não há entre eles distinção de princípios, de idéias, de orientação — divergem exclusivamente na maneira de exprimir os mesmos pensamentos.
Pedis-me entre os contemporâneos brasileiros os representantes dessas pretensas escolas. Entre os poetas cultivadores da pura forma, ocupam lugares salientes os Srs. : Alberto de Oliveira e Olavo Bilac; entre os modernos, salienta-se Cruz e Sousa.
Representando um fato único no nosso meio literário, destaca-se o Sr. Luís Delfino, que vem atravessando todas as correntes, revelando sempre uma pujança intelectual digna de admiração.
Dos romancistas filiados ao primeiro agrupamento, evidencia-se pelo vigor do talento o Sr. Aluísio Azevedo, hoje infelizmente demasiado entregue às suas funções consulares; da segunda categoria não há, que eu saiba, nenhum romancista que possa ser considerado típico.
No romance, porém, obedecendo a uma orientação social, isto é, tendo em vista a solução do problema moderno, já se começa a sentir algo de interessante: cansados de fazer arte pela arte, espíritos emancipados da rotina, tendo estudado a crise que assoberba a sociedade moderna, entregaram-se à solução da questão, pondo seus méritos literários ao serviço do movimento de reforma, que se impõe de mais em mais. Discorde eu embora das soluções apresentadas, pouco importa; o que é inegável é que uma preocupação alevantada os impulsiona, libertando-os da esterilidade a que se veriam entregues não fora um nobre amor pela espécie a que pertencem.
Pelo número se não salientam eles, mas pela qualidade são dignos de nota.
É vezo colocar entre estes o Sr. Graça Aranha, cujo livro é mais, a meu ver, uma apologia bem escrita, com muito estilo, do germanismo, como poderá sentir quem imparcialmente ler Canaã. Não sei mesmo por que o classificam como escritor socialista, classificação esta que o meu pobre espírito ainda não pôde compreender. Nessa categoria podemos, no entretanto, incluir os Srs.: Fábio Luz e Curvelo de Mendonça, cujos trabalhos, se não têm o vigor de forma de Canaã, coisa aliás fácil de adquirir, obedecem, todavia, à determinada orientação, pregam novos ideais, propugnam pela reforma da sociedade mercantilizada em que vivem.
Em referência ao 4º quesito, tenho a responder-vos negativamente. De fato, não creio que os Estados possam criar literatura sua. Isto admitir seria desconhecer a influência que a Capital Federal exerce intensamente nos vários departamentos do Brasil, em todos os ramos de atividade. É ela que, como intermediária, lança aos Estados, mais ou menos modificados, os frutos do meio literário europeu, sobretudo francês. O que se poderá talvez dar é haver nos trabalhos literários ali surgidos uma certa cor local, isto é, certo cunho regional em que as paisagens e os costumes respectivos sejam apresentados com carinho, seja dito de passagem, bastante aceitável e até necessário.
Nunca, porém, poderá existir uma literatura em cada Estado, o que desde hoje, com os elementos existentes, se pode terminantemente assegurar.
Eis-me, finalmente, chegando à última interrogação que me fizestes. Perguntais-me se "o jornalismo, especialmente no Brasil, é um fator bom, ou mau, para a arte literária." Encarado como função habitual, evidentemente aniquila boas vocações literárias, obrigando-as a trabalhos ligeiros, ao sabor do público, de quem se torna cada vez mais dependente. Assim considerado, prejudica de fato o jornalismo a boa literatura, o que infelizmente se acentua em um forte crescendo pela maneira por que se o faz modernamente, em que se exige mais um bom repórter do que um ótimo redator.
Se o encararmos, porém, como meio mais simples e mais pronto de entreter entre o literato e o público convivência necessária, iniludivelmente serviços reais ele presta às letras. Se não fora ele, como poderiam começar a aparecer belos talentos que posteriormente chegam a impor-se até aos editores?
Sim; não fora ele, como conseguiriam imprimir seus trabalhos inteligências que surgem, mas que os gananciosos editores não conhecem e a quem, portanto, não acolhem sequer com a devida cortesia?
Não, meu talentoso confrade, seja como for, não podemos negar que o jornalismo é um fator favorável ao desenvolvimento das boas letras em nossa Pátria.
Com máxima lealdade e tão resumidamente quanto possível, penso ter respondido às vossas interrogações.
Isto feito, ponho-me, como sempre, à vossa disposição."