(Pierre Veber)

As crianças que uma insônia precoce tivesse conservado acordadas nessa meia-noite de Natal, teriam tido uma singular concepção de Noel, se houvessem levantado os olhos para o teto do prédio nº 55 da rua Marboeuf. Efetivamente, sobre o telhado da casa, errava, a essa hora, um indivíduo sem o tradicional burel de linha branco nem cesto de brinquedos às costas, mas, apenas, com o traje habitual dos "apaches" e um pacote de ferramentas na mão.

— Bolas! — exclamava este, entre os dentes. — Querem ver que hoje ninguém sai de casa e eu tenho de passar a noite sem comer!

A essa hora, exatamente, no prédio 55, uma pobre criatura suspirava e gemia, na tristeza do seu destino. Era uma dama de uns cinqüenta anos, famosa na vida galante do seu tempo, mas a quem o declínio do corpo havia afastado da atividade mundana.

— Bons tempos! — meditava a mísera. — Há vinte anos, que Natais, os meus! Eram o Rogério, o Gustavo, o Emílio... E o Dorty, pai... E o Dorty, filho... Quanta champagne! Quanta loucura! Quanta alegria!... E hoje...

Soltou um suspiro, estremeceu toda, e:

— Será possível que Pai Noel se não lembre de mim?

Nesse momento, porém, um ruído surdo e contínuo se propaga pela chaminé, e vem aumentando, até concluir com um baque forte, em baixo, no fogão. Assustada, a velha dama pula da cama, olha para a chaminé, e o seu rosto se ilumina todo, num sorriso. É que vê lá dentro, de envolta com a cinza, uma figura de homem vestido de "apache", todo sujo de fuligem, mais forte, robusto, musculoso.

— Vem! Vem, meu amor!... — exclama, puxando-o pela blusa. — Anda, vem te lavar... Vem cear comigo!...

Pai Noel, fazendo estalar, no telhado, o cimento da chaminé, quando o salteador nele se apoiava meditativo, não se havia, como se vê, esquecido dos dois...