Foi pelo carnaval que a Marina cometera aquela irremediável leviandade. O rapaz era insinuante, bonito, maneiroso, e ela, atordoada, acompanhou-o por toda a parte. No dia seguinte, ao entrar no "atelier" de que era costureira, debalde procurou reconstituir a cena, para saber o que tinha feito. Um arrepio percorria-lhe o corpo, sacudindo-a. E a mocinha fechava os olhos, atônita, horrorizada com a sua situação.
Ao fim de um mês e pouco, principiaram a aparecer-lhe uns sintomas esquisitos. Uma inapetência irresistível afastava-a da mesa, à hora das refeições. Tonteiras, vertigens, vômitos ligeiros, vontade, uma vez por outra, de morder limões ou laranjas bem azedas, — completavam este quadro de sintomas. E em setembro, quando não,lhe era mais possível disfarçar o seu estado, deixou a oça o emprego, recolhendo-se à casa da mãe, confessando-lhe o mau passo que dera.
Marina não era, porém, criatura que se preocupasse muito tempo com essa futilidades. Ela não conhecia o verso dos "Lusíadas" em que se fala do destino a dar-se "aquilo que para dar lhe dera a natureza", mas possuía uma noção amável da vida. Se não fizera cousa boa, a consciência não a atormentava muito, arrancando-lhe pranto do coração. E, por isso, não compreendia aquela exigência da velha mãe, a desventurada. Dona Eleonora, ordenando-lhe que não pusesse pé fora de casa antes do desenlace do drama.
Esse sedentarismo revoltava a rapariga. E foi revoltada que ela, um dia, se vestiu à vontade, pôs o chapéu, e saiu para a cidade, a escandalizar as amigas, e os conhecidos, com aquela obesidade insolente.
À tarde, voltou. E foi uma tempestade.
— Minha filha da minh'alma, — gemia a pobre mãe, desolada. — Que é que tu foste fazer?... Tu estás maluca, minha filha?...
— Ora, mamãe! — retrucou a moça, estabanada. — Eu não fiz nada de mais.
E as mãos nos quadris ondulados, a carinha transformada numa careta:
— Eu fui levar o seu netinho para passear...