===Personagens===

  • AMBRÓSIO.
  • FLORÊNCIA, sua mulher.
  • EMÍLIA, sua filha.
  • JUCA, 9 anos, seu filho.
  • CARLOS, noviço da Ordem de São Bento.
  • ROSA, provinciana, primeira mulher de Ambrósio.
  • PADRE-MESTRE DOS NOVIÇOS.
  • JORGE.
  • JOSÉ, criado.
  • 1 meirinho, que fala.
  • 2 meirinhos, que não falam.
  • Soldados de Permanentes, etc., etc.

==Primeiro Ato==

Sala ricamente adornada: mesa, consolos, mangas de vidro, jarros com flores, cortinas, etc., etc. No fundo, porta de saída, uma janela, etc., etc.


Cena I editar

AMBRÓSIO, só, de calça preta e chambre — No mundo a fortuna é para quem sabe adiquiri-la. Pitam-na cega... Que simplicidade! Cego é aquele que não tem inteligência para vê-la e a alcançar. Todo o homem pode ser rico, se atinar com o verdadeiro caminho da fortuna. Vontade forte, perseverança e pertinácia são poderosos auxiliares. Qual o homem que, resolvido a em pregar todos os meios, não consegue enriquecer-se ? Em mim se vê o exemplo. Há oito anos, eu era pobre e miserável, e hoje sou rico, e mais ainda serei. O como não importa; no bom resultado está o mérito... Mas um dia pode tudo mudar. Oh, que temo eu ? Se em algum tempo tiver de responder pelos meus atos, o ouro justificar-me-á e serei limpo de culpa. As leis criminais fizeram-se para os pobres...


Cena II editar

Entra Florência vestida de preto, como quem vai a festa.


FLORÊNCIA, entrando — Ainda despido, Sr. Ambrósio ?

AMBRÓSIO — É cedo. (Vendo o relógio:) São nove horas, e o Ofício de Ramos principia às dez e meia.

FLORÊNCIA — É preciso ir mais cedo para tomarmos lugar.

AMBRÓSIO — Para tudo há tempo. Ora dize-me, minha bela Florência...

FLORÊNCIA — O quê, meu Ambrosinho ?

AMBRÓSIO — O quê pensa tua filha do nosso projeto ?

FLORÊNCIA — O que pensa não sei eu, nem disso se me dá; quero eu - basta. E é seu dever obedecer.

AMBRÓSIOAssim é; estimo que tenhas caráter energético.

FLORÊNCIA — Energia tenho eu.

AMBRÓSIO — E atrativos, feiticeira...

FLORÊNCIA — Ai, amorzinho ! (À parte:) Que marido !

AMBRÓSIO — Escuta-me, Florência, e dá-me atenção. Crê que ponho todo o meu pensamento em fazer-te feliz...

FLORÊNCIA — Toda eu sou atenção.

AMBRÓSIO — Dous filhos te ficaram do teu primeiro matrimônio. Teu marido foi um digno homem e de muito juízo; deixou-te herdeira de avultado cabedal. Grande mérito é esse...

FLORÊNCIA — Pobre homem !

AMBRÓSIO — Quando eu te vi pela primeira vez, não sabia que eras viúva rica. (À parte) Se o sabia ! (Alto:) Amei-te por simpatia.

FLORÊNCIA — Sei disso, vidinha.

AMBRÓSIO — E não foi o interesse que obrigou-me a casar contigo.

FLORÊNCIA — Foi o amor que nos uniu.

AMBRÓSIO — Foi, foi, mas agora que me acho casado contigo, é de meu dever zelar essa fortuna que sempre desprezei.

FLORÊNCIA, à parte — Que marido !

AMBRÓSIO, à parte — Que tola ! (Alto:) Até o presente tens gozado dessa fortuna em plena liberdade e a teu bel-prazer, mas daqui em diante, talvez assim não seja.

FLORÊNCIA — E por quê ?

AMBRÓSIO — Tua filha está moça e em estado de casar-se. Casar-se-á, e terás um genro que exigirá a legítima de sua mulher, e desse dia participarão as amofinações para ti, e intermináveis demandas. Bem sabes que ainda não fizeste inventário.

FLORÊNCIA — Não tenho tido tempo, e custa-me tanto aturar procuradores.

AMBRÓSIOTeu filho também vai crescer todos os dias e será preciso por fim dar-lhe uma legítima... Novas demandas.

FLORÊNCIA — Não, não quero demandas.

AMBRÓSIO — É o que eu também digo; mas como preveni-las ?

FLORÊNCIA — Faze o que entenderes, meu amorzinho.

AMBRÓSIO — Eu já te disse há mais de três meses o que era preciso fazermos para atalhar esse mal. Amas a tua filha, o que é muito natural, mas amas ainda mais a ti mesma...

FLORÊNCIA — O que também é muito natural...

AMBRÓSIO — Que dúvida ! E eu jugo que podes conciliar esses dous pontos, fazendo Emília professar em um convento. Sim, que seja freira. Não terás nesse caso de dar legítima alguma, apenas um insignificante dote - e farás ação meritória.

FLORÊNCIA — Coitadinha ! Sempre tenho pena dela; o convento é tão triste.

AMBRÓSIO — É essa compaixão mal-entendida ! O que é este mundo ? Um pélago de enganos e traições, um escolho em que naufragam a felicidade e as doces ilusôes da vida. E o que é o convento ? Porto de salvação e ventura, asilo da virtude, único abrigo da inocência e verdadeira felicidade... E deve uma mãe carinhosa hesitar na escolha entre o mundo e o convento ?

FLORÊNCIA — Não, por certo...

AMBRÓSIO — A mocidade é inexperiente, não sabe o que lhe convém. Tua filha lamentar-se-á, chorará desesperada, não importa; obriga-a e dai tempo ao tempo. Depois que estiver no convento e acalmar-se esse primeiro fogo, abençoará o teu nome e, junto ao altar, no êxtase de sua tranqüilidade e verdadeira felicidade, rogará a Deus por ti. (À parte:) E a legítima ficara em casa...

FLORÊNCIA — Tens razão, meu Ambrosinho, ela será freira.

AMBRÓSIO — A respeito do teu filho direi o mesmo. Tem ele nove anos e será prudente criarmo-lo desde já para frade.

FLORÊNCIAJá ontem comprei-lhe o hábito com que andará vestido daqui em diante.

AMBRÓSIO — Assim não estranha-rá quando chegar à idade de entrar no convento; será frade feliz. (À parte:) E a legítima também ficará em casa...

FLORÊNCIA — Que sacrifícios não farei eu para ventura de meus filhos !


Cena III editar

Entra Juca, vestido de frade, com chapéu desabado, tocando um assobio.


FLORÊNCIA — Anda cá, filhinho. Como estás galante com esse hábito !

AMBRÓSIO — Juquinha, gostas desta roupa ?

JUCA — Não, não me deixa correr, é preciso lavantar assim... (Arregaça o hábito)

AMBRÓSIO — Logo te acostumarás.

FLORÊNCIA — Filhinho, hás-de ser um fradinho muito bonito.

JUCA, chorando — Não quero ser frade !

FLORÊNCIA — Então, o que é isso ?

JUCA — Hi, hi, hi... Não quero ser frade !

FLORÊNCIA — Menino !

AMBRÓSIO — Pois não te darei o carrinho que te prometi, todo bordado de prata, com cavalos de ouro.

JUCA, rindo-se — Onde está o carrinho ?

AMBRÓSIO — Já o encomendei; é cousa muito bonita: os arreios todos enfeitados de fitas e veludos.

JUCA — Os cavalos são de ouro ?

AMBRÓSIO — Pois não, de ouro com os olhos de brilhantes.

JUCA — E andam sozinhos ?

AMBRÓSIO — Se andam ! De marcha e passo.

JUCAAndam, mamãe ?

FLORÊNCIA — Correm, filhinho.

JUCA, saltando de contente — Como é bonito ! E o carrinho tem rodas, capim para os cavalos, uma moça bem enfeitada ?

AMBRÓSIO — Não lhe falta nada.

JUCA, saltando e cantando — Eu quero ser frade, eu quero ser frade... (Etc.)

AMBRÓSIO, para Florência — Assim o iremos acostumando...

FLORÊNCIA — Coitadinho, é preciso comprar-lhe o carrinho !

AMBRÓSIO, rindo-se — Com cavalos de ouro ?

FLORÊNCIA — Não.

AMBRÓSIO — Basta que se compre uma caixinha com soldados de chumbo.

JUCA, saltando pela sala — Eu quero ser frade !

FLORÊNCIA — Está bom, Juquinha, serás frade; mas não grites tanto. Vai lá para dentro.

JUCA, sai cantando — Eu quero ser frade... (Etc.)

FLORÊNCIA — Estas crianças...

AMBRÓSIO — Este levaremos com facilidade... De pequenino se torce o pepino... Cuidado me dá o teu sobrinho Carlos.

FLORÊNCIA — Já vai para seis meses que ele entrou como noviço no convento.

AMBRÓSIO — E queira Deus que decorra o ano inteiro para professar, que só assim ficaremos tranqüilos.

FLORÊNCIA — E se fugir do convento ?

AMBRÓSIO — Lá isso não temo eu... Está bem recomendado. É preciso empregarmos toda nossa autoridade para obriga-lo a professar. O motivo, bem o sabes...

FLORÊNCIA — Mas olha que Carlos é da pele, é endiabrado.

AMBRÓSIOOutros tenho eu domado... Vão sendo horas de sairmos, vou-me vestir. (Sai pela esquerda.)


Cena IV editar

FLORÊNCIA, — Se não fosse este homem com que casei-me segunda vez, não teria agora quem zelasse com tanto desinteresse a minha fortuna. É uma bela pessoa... Rodeia-me de cuidados e carinhos. Ora, digam lá que uma mulher não deve casar-se segunda vez... Se eu soubesse que havia de ser sempre tão feliz, casar-me-ia cinqüenta.


Cena V editar

Entra Emília, como querendo atravessar a sala.


FLORÊNCIA — Emília da Silva Ribeiro Barbosa de Freitas Plinio Gonçalves, vem cá.

EMÍLIA — Senhora ?

FLORÊNCIA — Chega aqui. Ó menina, não deixarás este ar triste e lacrimoso em que andas ?

EMÍLIA — Minha mãe, eu não estou triste. (Limpa os olhos com o lenço.)

FLORÊNCIA — Aí tem ! Não digo? A chorar. De que chora ?

EMÍLIA — De nada, não senhora.

FLORÊNCIA — Ora ! Isso é insuportável ! Mata-se e amofina-se uma mãe extremosa para fazer a felicidade de sua filha, e como agradece esta ? Arrepelando-se e chorando. Ora, sejam lá mãe e tenham filhos desobedientes...

EMÍLIA — Não sou desobediente. Far-lhe-ei a vontade; mas não posso deixar de chorar e sentir. (Aqui aparece à porta por onde saiu, Ambrósio, em mangas de camisa, para observar.)

FLORÊNCIA — E por que tanto chora a menina, por quê ?

EMÍLIA — Minha mãe...

FLORÊNCIA — O que tem de mau a vida de freira ?

EMÍLIA — Será muito boa, mas é que eu não tenho inclinação nenhuma para ela.

FLORÊNCIA— Inclinação, inclinação ! O quer dizer com inclinação? Terás, sem dúvida, por algum francelho freqüentador de bailes e passeios, jogador do écarté e dançador de polca? Essas inclinações é que perdem a muitas meninas. Esta cabecinha ainda está muito leve; eu é sei o que tem convém: serás freira.

EMÍLIA — Serei freira, minha mãe, serei ! Assim como estou certa que hei-de ser desgraçada.

FLORÊNCIA — Histórias ! Sabes tu o que é mundo ? O mundo é... um... é... (À parte:) Já não me recordo o que me disse o Sr. Ambrósio que era o mundo. (Alto:) O mundo é... um... é... (À parte:) E esta ? (Vendo Ambrósio junto da pota:) Ah, Ambósio, dize aqui a esta estoneada o que é o mundo.

AMBRÓSIO, adiantando-se — O mundo é um pélago de enganos e traições, um escolho em que naufragam a felicidade e as doces ilusôes da vida... E o convento é porto de salvação e ventura, único abrigo da inocência e verdadeira felicidade... Onde está minha casaca ?

FLORÊNCIA — Lá em cima no sótão. (Ambrósio sai pela direita. Florência para Emília:) Ouviste o que é o mundo, e o convento ? Não sejas pateta, vem acabar de vestir-te, que são mais que horas. (Sai pela direita.)

Cena VI editar

EMÍLIA, — É minha mãe, devo-lhe obediência, mas este homem, meu padrasto, como o detesto ! Estou certa que foi ele quem persadiu a minha mãe que me metesse no convento. Ser freira ? Oh, não, não ! E Carlos, que tanto amo ? Pobre Carlos, também te perseguem ! E por que nos perseguem assim ? Não sei. Como tudo mudou nesta casa, depois que minha mãe casou - se com este homem ! Então não pensou ela na felicidade de seus filhos. Ai, ai !


Cena VII editar

Carlos, com hábito de noviço, entra assutado e fecha a porta.


EMÍLIA, assustando-se — Ah, quem é ? Carlos !

CARLOS — Cala-te !

EMÍLIAMeu Deus, o que tens, por que estás tão assustado ? O que foi ?

CARLOS — Aonde está minha tia, e o teu padrasto ?

EMÍLIA — Lá em cima. Mas o que tens ?

CARLOS — Fugi do convento, e aí vem eles atrás de mim.

EMÍLIA — Fugiste ? E por que motivo ?

CARLOS — Por que motivo ? Pois faltam motivos para se fugir de um convento ? O último foi o jejum em que vivo há sete dias... Vê como tenho esta barriga, vai a sumir-se. Desde sexta-feira passada que não mastigo pedaço que valha a pena.

EMÍLIA — Coitado !

CARLOS — Hoje, já não podendo, quetionei com o D. Abade. Palavras puxam palavras; dize tu, direi eu, e por fim de contas arrumei-lhe uma cabeçada, que o atirei por esses ares.

EMÍLIA — O que fizeste, louco ?

CARLOSE que culpa tenho eu, se tenho a cabeça esquentada ? Para que querem violentar minhas inclinações ? Não nasci para frade, não tenho jeito nenhum para ficar horas inteiras no coro a rezar com os braços encruzados. Não me vai o gosto para aí... Não posso jejuar: tenho, pelo menos três vezes ao dia, um fome de todos os diabos. Militar é o que eu quisera ser; para aí chama-me a inclinação. Bordoadas, espadeiradas, rugas é que me regalam; esse é o meu gênio. Gosto de teatro, e de lá ninguém vai ao teatro, a exceção de Frei Maurício, que freqüenta a platéia de casaca e cabeleira, para esconder a coroa.

EMÍLIA — Pobre Carlos, como terás passado estes seis meses de noviciado !

CARLOS — Seis messes de martírio ! Não que a vida de frade seja má; boa é ela para quem a sabe gozar e que para ela nasceu; mas eu, priminha, eu que tenho para a tal vidinha negação completa, não posso !

EMÍLIA — E os nossos parentes quando nos obrigam a seguir uma carreira para a qual não temos inclinação alguma, dizem que o tempo acostumar-nos-á.

CARLOS — O tempo acostumar ! Eis aí por que vemos entre nós tantos absurdos e disparates. Este tem jeito para sapateiro: pois vá estudar medicina... Excelente médico ! Aquele tem inclinação para cômico: pois não senhor, será político... Ora, ainda isso vá ! Estouro só tem jeito para caiador ou borrador: nada, é ofício que não presta... Seja diplomata, que borra tudo quanto faz. Aqueloutro chama-lhe toda a propensão para a ladroeira; manda o bom senso que se corrija o sujeitinho, mas isso não se faz: seja tesoureiro de repartição, fiscal, e lá se vão os cofres da nação à garra... Essoutro tem uma grande carga de preguiça e indolência e só serviria para leigo de convento, no entanto vemos o bom do mandrião empregado público, comendo com as mãos encruzadas sobre a pança o pingue ordenado da nação.

EMÍLIA — Tens muita razão; assim é.

CARLOS — Este nasceu para poeta ou escritor, com uma imaginação fogosa e independente, capaz de grandes cousas, mas não pode seguir sua inclinação, porque poetas e escritores morrem de miséria, no Brasil... E assim [o] obriga a necessidade a ser o mais somemos amanuense em uma repartição pública e a copiar cinco horas por dia os mais soníferos papéis. O que acontece ? Em breve matam-lhe a inteligência e fazem do homem pensante máquina estúpida, e assim se gasta uma vida ! É preciso, é já tempo que alguém olhe para isso, e alguém possa.

EMÍLIA — Quem pode nem sempre sabe o que se passa entre nós, para poder remediar; é preciso falar.

CARLOS — O respeito e a modéstia prendem muitas línguas, mas lá vem um dia que a voz da razão se faz ouvir, e tanto mais forte quanto mais comprimida.

EMÍLIA — Mas Carlos, hoje te estou desconhecendo...

CARLOS — A contradição em que vivo tem-me exasperado ! E como queres tu que eu não fale quando vejo, aqui, um péssimo cirurgião que poderia ser bom alveitar; ali, um ignorante general que poderia ser excelente enfermeiro; acolá, um periodiqueiro que só serviria para arrieiro, tão desbocado e insolente é, etc., etc. Tudo está fora de seus eixos...

EMÍLIA — Mas que queres tu que se faça ?

CARLOS — Que não se constranja ninguém, que se estudem os homens e que haja uma bem entendida e esclarecida proteção, e que, sobretudo, se despreze o patronato, que assenta o jumento nas bancas das academias e amarra o homem de talento à manjedoura. Eu, que quisera viver com uma espada à cinta e à frente do meu batalhão, conduzi-lo ao inimigo aravés da metralha, bradando: "Marcha... (Manobrando pela sala, entusiasmado:) Camaradas, coragem, calar baionetas ! Marche, marche ! Firmeza, avança ! O inimigo fraqueia... (Seguindo Emília, que recua, espantada) Avança !"

EMÍLIA — Primo, primo, que é isso ? Fique quieto !

CARLOS, entusiasmado — "Avança, bravos companheiros, viva a Pátria ! Viva !" — e voltar vitorioso, coberto de sangue e poeira... Em vez desta vida de agitação e glória, hei-de ser frade, revestir-me de paciência e humildade, encomendar defuntos... (Cantando:) Requiescat in pace... A porta inferi ! amen... O que seguirá disto ? O ser eu péssimo frade, descrédito do convento e vergonha do hábito que visto. Falta-me a paciência.

EMÍLIA — Paciência, Carlos, preciso eu também ter, e muita. Minha mãe declarou-me positivamente que eu hei-de ser freira.

CARLOSTu, freira ? Também te perseguem ?

EMÍLIA — E meu padrasto ameaça-me.

CARLOS — Emília, aos cinco anos estava eu órfão, e tua mãe, minha tia, foi nomeada por meu pai sua testamenteira e minha tutora. Contigo cresci nesta casa, e à amizade de criança segui-se inclinação mais forte... Eu te amei, e tu também me amaste.

EMÍLIA — Carlos !

CARLOS — Vivíamos felizes, esperando que um dia nos uniríamos. Nesses planos estávamos, quando apareceu este homem, não sei donde, e que soube a tal ponto de iludir tua mãe, que a fez esquecer-se de seus filhos que tanto amava, de seus interesses e contrair segundas núpcias.

EMÍLIA — Desde então nossa vida tem sido tormentosa...

CARLOS — Obrigaram-me a ser noviço, e não contentes com isso querem-te fazer freira. Emília, há muito que eu observo este teu padrasto. E sabes qual tem sido o resultado de minhas observações ?

EMÍLIANão.

CARLOS — Que ele é um rematadíssimo velhaco.

EMÍLIA — Oh, estás bem certo disso ?

CARLOS — Certíssimo ! Esta resolução que tomaram, de fazerem-te freira, confirma a minha opnião.

EMÍLIA — Explica-te.

CARLOS — Teu padrasto persuadia a minha tia que me obrigasse a ser frade para assim roubar-me, impunemente, a herança que meu pai deixou-me. Um frade não põe demandas...

EMÍLIA — É possível ?

CARLOS — Ainda mais; querem que tu sejas freira para não te darem dote, se te casares.

EMÍLIA — Carlos, quem te disse isso ? Minha mãe não é capaz !

CARLOSTua mãe vive iludida. Oh, que não possa eu desmascarar este tratante ! ...

EMÍLIA — Fala baixo !


Cena VIII editar

Entra Juca.


JUCA — Mana, mamãe pergunta por você.

CARLOS — De hábito ? Também ele ? Ah !...

JUCA, correndo para Carlos — Primo Carlos !

CARLOS, tomando-o no colo — Juquinha ! Então, prima, tenho ou não razão ? Há ou não plano ?

JUCA — Primo, você também é frade ? Já lhe deram também um carrinho de prata com cavalos de ouro ?

CARLOS — O que dizes ?

JUCA — Mamãe disse que havia de me dar um muito dourado quando eu fosse frade. (Cantando:) Eu quero ser frade... (Etc., etc.)

CARLOS, para EmíliaAinda duvidas ? Vê como enganam esta inocente criança !

JUCA — Não enganam não, primo; os cavalos andam sozinhos.

CARLOS, para Emília — Então ?

EMÍLIA — Meu Deus !

CARLOS — Deixa o caso po minha conta. Hei-de fazer uma estralada de todos os diabos, verão...

EMÍLIA — Prudência !

CARLOS — Deixa-os comigo. Adeus, Juquinha, vai para dentro com tua irmã. (Bota-o no chão.)

JUCA — Vamos, mana. (Sai cantando:) Eu quero ser frade... (Emília o segue)


Cena IX editar

CARLOS, — Hei-de descobrir algum meio... Oh, se hei-de ! Hei-de ensinar a este patife, que se casou com minha tia para comer não só a sua fortuna, como a de seus filhos. Que belo padrasto !... Mas por ora tratemos de mim; sem dúvida no convento anda tudo em polvorosa... Foi boa cabeçada ! O D. Abade deu um salto de trampolim... (Batem a porta.) Batem ? Mau ! Serão eles ? (Batem.) Espreitemos pelo buraco da fechadura. (Vai espreitar.) É uma mulher. (Abre a porta.)


Cena X editar

Rosa e Carlos.


ROSA — Dá licença?

CARLOS — Entre.

ROSA, entrando — Uma serva de Vossa Reverendíssima.

CARLOS — Com quem tenho o prazer de falar?

ROSA — Eu Reverendíssimo Senhor, sou uma pobre mulher. Ai, estou muito cansada...

CARLOS — Pois sente-se, senhora. (À parte:) Quem será?

ROSA, sentando-se — Eu chamo-me Rosa. Há uma hora que cheguei do Ceará no vapor Paquete do Norte.

CARLOSDeixou aquilo por lá tranqüilo?

ROSA — Muito tranqüilo, Reverendíssimo. Houve apenas no mês passado vinte e cinco mortes.

CARLOS — Santo Brás! Vinte e cinco mortes! E chama a isso traqüilidade?

ROSA — Se Vossa Reverendíssima soubesse o que por lá vai, não se admiraria. Mas, meu senhor, isto são cousas que nos não pertencem. Deixe lá morrer quem morre, que ninguém se importa com isso. Vossa Reverendíssima é cá da casa?

CARLOS — Sim senhora.

ROSA — Então é parente de meu homem?

CARLOS — De seu homem?

ROSA — Sim senhor.

CARLOS — E quem é seu homem?

ROSA — O Sr. Ambrósio Nunes.