Tomás Gonçalves da Gama , o famoso mundano de roupas tão cuidadas e maneiras tão distintas, polia as unhas tranqüilamente, recostado na cadeira de embalo da sua "garçoniere", quando a campainha retiniu.
A "garçoniere" de Tomás da Gama era composta, apenas, de dois compartimento: o gabinete, onde havia o divã, a cadeira de mola, uma estante de livros, e uma pequena mesa de centro com flores sempre frescas; e o "templo", como ele denominava o adito em que se achava a cama, com os móveis complementares.
Ao repinicar da campainha, o rapaz, que estava ainda com o pijama da noite, abriu a porta.
— Ah! és tu?... Entra, Maneco!
O recém-chegado, um rapagão moreno, alto, de cara escanhoada, estava visivelmente preocupado. E foi isso mesmo que o dono da casa verificou, ao vê-lo atirar para o divã o chapéu, a bengala, e um jornal que trazia na mão.
— Que há de novo? — foi perguntando Tomás da Gama, na previsão de qualquer coisa desagradável.
— Para mim nada; para ti, tudo!
— Assim? — fez o mundano, parando o movimento do polidor.
E interessado:
— Que há?... Vamos... explica-te...
Manoel Bentes, o Maneco da saudação amiga, inclinou-se para a frente, no divã, encaixou os dedos das mãos uns nos outros, e começou:
— Sabes? Estás perdido!
— Eu?...
— Tu, sim.
— Mas, dize o que há; pelo amor de Deus!
— O que há, é que o Broxado Ramos sabe, já, que tu és amante da mulher dele!
— Sabe?
— Sabe de tudo!
A testa franzida, mordendo o lábio inferior nervosamente, Tomás da Gama fechou os olhos, como para meditar melhor. Estava mergulhado em silêncio como um peixe no oceano. De repente, porém, voltou-se para o amigo.
— Maneco! — chamou.
E como o outro o olhasse:
— Tu achas que o Broxado Ramos possa me comprometer, contando isso a alguém?
E agitou o polidor com fúria, brunindo as unhas.