O conselheiro Lapa era o chefe de família mais austero que naquele tempo havia no Rio de Janeiro. Funcionário de elevada categoria, nunca ninguém o viu por essas ruas senão de sobre-casaca preta e chapéu alto. Creio que foi por isso, e pelos óculos, uns óculos de aro de ouro, terrivelmente solenes, que o imperador lhe deu a carta de conselho, pois ninguém lhe conhecia outros méritos.
O conselheiro Lapa era casado e tinha uma filha, que passara dos vinte anos sem que nenhum rapaz a namorasse, não porque fosse feia ou antipática, vaidosa ou mal educada, mas porque ninguém se atrevia a levantar os olhos para a filha de um conselheiro tão grave e tão conspícuo.
Entretanto, um simples escriturário do Tesouro teve um dia a ventura de fazer falar o coração da moça.
Animado pelas intenções mais puras, e competentemente autorizado pela sua bela, o escriturário um dia fez provisão de coragem, subiu a escada do conselheiro, pediu para falar a sua excelência, e quando se viu diante daqueles óculos, sabe Deus como formulou, ou antes, balbuciou um pedido de casamento.
O conselheiro não se dignou responder; limitou-se a medir o insolente de alto a baixo, e a apontar-lhe a porta, dizendo-lhe secamente: - Não admito esses gracejos em minha casa! Rua!. .
Este procedimento afligiu bastante os dois namorados, e fez naturalmente com que eles se apaixonassem deveras um pelo outro.
A menina teve tal desgosto, e deixou de alimentar-se durante tantos dias consecutivos que adoeceu gravemente.
A esposa do conselheiro, boa senhora, mas muito fraca, muito achacada de asma, esgotou diante do implacável marido todos os argumentos que acudiram ao seu coração de mãe; mas a melhor e mais eloqüente advogada de Rosalina e Alberto, que assim se chamavam os namorados, foi a Teresa, uma bonita mulata que, em pequena, aos doze anos, tinha sido contratada para ama-seca de Rosalina, e ali se fizera mulher, sem ter querido nunca abandonar a casa, recusando até o casamento que lhe oferecera um português apatacado, dono da casa de pasto da esquina.
A Teresa tinha trinta e três anos, mas ninguém lhe daria mais de vinte e cinco.
Apesar de toda a sua austeridade, o nosso conselheiro há quinze anos que não perdia ocasião de fazer declarações de amor à agregada, e não perdia a esperança de que ela um dia cedesse.
A mulata resistia a todas as investidas libidinosas do amo; dizia-lhe que tomasse juízo, que respeitasse o seu lar doméstico, que a senhora e a menina podiam reparar, etc., e, naturalmente, o conselheiro andava em tudo isso com tanta manha e hipocrisia que ninguém suspeitava daquele trabalhinho de quinze anos.
A Teresa, que estimava deveras a Rosalina, lembrou-se (de que não se lembram as mulheres!) de utilizar em beneficio da menina os maus sentimentos do pai, e, um dia, fingindo-se cansada de tanta perseguição, concedeu ao conselheiro a entrevista que há tanto tempo solicitava.
Na madrugada seguinte, o austero pai de família, de robe de chambre e chinelos, mas sem óculos, entrou devagarinho no quarto da mulata, e esta, mal que o apanhou lá dentro, começou a gritar com todas as forças dos seus pulmões:
— Sinhazinha! Sinhazinha! Parabéns! Parabéns!...
A velha, apesar de sua asma, e Rosalina saltaram imediatamente das camas, envolveram-se nas colchas, e foram ter, assustadas, ao quarto da Teresa, onde encontraram o conselheiro sem pinga de sangue.
— Parabéns, sinhazinha! - continuou a gritar a boa mulata. - O patrão teve um sonho tão esquisito, e ficou tão impressionado, que resolveu consentir no seu casamento com o Sr. Alberto! Ele veio acordar-me para eu levar a notícia à sinhazinha.
O conselheiro não teve o que dizer.