Chico Teles possuía um gato, Manoel Tobias tinha um passarinho. Depois de Tobias, o que Teles mais estimava era o gato; depois de Teles, as afeições de Tobias eram pelo passarinho. Minto: o gato e o passarinho tinham mesmo a precedência no coração dos dois funcionários.
Ora, realmente o gato era um belo animal, e o passarinho enchia o olho a quem o via. O gato era todo branco, gordo, grave, tirando neste ponto ao próprio subdelegado. O passarinho era um sabiá da praia, cantor suave e verdadeira delícia da casa. Nas horas da fadiga e de aborrecimento o pássaro distraía o juiz de paz com o seu canto; e as carícias graves do gato encantavam a alma do subdelegado.
Onde quer que Chico Teles fosse ia o gato com ele, mesmo quando se tratava de alguma diligência remota.
Uma tarde de junho, achavam-se os dois funcionários juntos na casa do juiz de paz. Conversavam pacificamente acerca das próximas eleições, e até estavam ambos mordidos pela idéia de pregar uma ligeira derrota ao presidente da província, que aliás também queria fazer o mesmo ao governo central, vindo assim a encontrar-se neste ponto os intentos do ministério com os dois potentados da vila de ***.
Tomavam café, fumavam e conversavam. O gato deixou por alguns minutos a sala e foi brincar com o sabiá; de repente ouvem-se gritos do passarinho, correm dentro, e Manoel Tobias teve a dor de ver o seu pobre sabiá meio devorado pelo gato de Chico Teles.
Houve um grito, mas de furor, de ódio, de vingança. Manoel Tobias não se pôde ter; travou de um cacete e com tanta certeza o atirou sobre o gato que o estendeu morto.
Tal foi a causa que separou em guerra os dois altos funcionários da vila. Nem a intervenção do juiz municipal, nem os conselhos do padre vigário, nada pôde reconciliá-los. Estavam irremediavelmente separados, e aberta a guerra.
E que guerra!
Não houve meio, não houve arma que não fosse empregada por um contra o outro!
Mas então deu-se um fato singular.
Até então havia apenas um partido, cujos chefes principais eram o Teles e o Tobias. O povo da vila vivia em plena paz como um rebanho de carneiros. A eleição fazia-se no meio do maior silêncio e tranqüilidade. O governo central mandava o nome do candidato ao presidente da província, o presidente mandava ao juiz de paz e ao subdelegado, e os dois, que arranjavam entre si os eleitores, faziam triunfar os nomes indicados sem oposição nem abalo.
Mas desde que desgraçadamente as exigências gástricas do animal de Chico Teles reduziram a nada o animal de Manoel Tobias, o partido dividiu-se, e os dois capitães ficaram em face um do outro.
Então começou a luta. Cada um dos chefes usou da influência que tinha, e conseguiu grupar à roda de si uma parte da população da vila.
Heitor e Aquiles estavam prestes a vir às mãos.