Soltava hontem já tarde um velho cão felpudo
Uns doloridos ais,
Em frente d'um palacio altivo, bello e mudo,
Cerrado aos vendavaes.
Fazia pena ouvil-o, o misero mollosso
Em seu triste chorar!
Era quasi uma sombra: apenas pelle e osso
E um vago, um doce olhar!...
Eis a sorte cruel do pobre que não come,
Dos miseros sem pão!
Em paga ainda em cima os vae tragando a Fome,
A negra apparição!
Latia o cão faminto. O frio era mordente,
Feroz, quasi voraz!
E o pobre não sabia, em fim, que ha muita gente
Que adora a santa paz.
Ora perto vivia uma galante rosa,
Etherea, virginal,
Que tinha um lindo collo, amava, era nervosa
E a quem fazia mal,
Aquelle uivar sinistro; a ponto de em desmaios
Pender a fronte ao chão!
Saíram pois á rua impavidos lacaios
E foram dar no cão.
—Ha no mundo um rafeiro, um velho cão esfaimado,
—O povo soffredor,
Que ás vezes vae ganir, com fome, o seu bocado
Ás portas d'um senhor.
O resto é velha historia: ocioso é já dizer-vos
O fim que ella ha de ter.
A Ordem, só d'ouvil-o, alteram-se-lhe os nervos
E manda-lhe bater!