(Adaptado de Max Viterbo)
O almirante Bonifácio Marinho examinava cuidadosamente uns mapas, cujo estudo lhe fora confiado pelo Estado Maior, quando lhe surgiu à porta do seu gabinete, do lado que dá para o jardim, aquele indivíduo vestido sem apuro, fisionomia de judeu, afivelando ao rosto o mais artificial dos sorrisos.
— Pon tia, zenhor! — saudou o recém-chegado.
Interrompido no interior da sua casa por aquele intruso, que nem sequer pedira licença ou se fizera anunciar, o velho oficial sentiu-se, de repente, irritado. E ia explodir, num daqueles movimentos de cólera que o haviam notabilizado a bordo dos navios que comandava, quando o importuno ofereceu:
— Zenhor! Não guer gomprar festidos bara zenhorra? Fende parata, vreguez!
— Não, senhor, — respondeu, ríspido, o velho marujo. — E vá embora!
— Fende a brazo, vreguez!
— Não quero; e ponha-se ao fresco!
— E machina votografica, vreguez? Dem todas margas; gompra uma.
— Vá embora, senhor! Não me faça perder a paciência!
— Dem dambém berfumaria, zenhor. E dém äbat-xur", dem zabato, dém rouba veida; dém xabéo, dém crafata todas gores...
— Homem de Deus, ponha-se fora daqui! — trovejou o almirante, vermelho de raiva.
— E guarda-juva, zenhor? Dém golesão enorme guarda juva. Gompra uma, vreguez!
As mãos trêmulas de raiva, o almirante Bonifácio crispou os punhos, e avançou para o vendedor ambulante:
— Ponha-se em um minuto fora daqui! Já! Se em dois minutos não estiver no portão, em chamo os meus cães!
— Menos izo, vreguez! — suplica, ainda uma vez, o judeu.
E mãos estendidas:
— Eu dambem fende abito bara jamar gajorra... Gompra um, vregues!