A fazenda da Soledade está situada no centro de um rico município fluminense, e pertencia há dez anos ao comendador Faria, que a deixou em herança ao único filho que teve do primeiro matrimônio, e que se chama o dr. Amaro de Faria. O comendador morreu em 185..., e poucos meses depois morreu a viúva, madrasta de Amaro. Não havendo filhos nem colaterais, veio o dr. Amaro a ficar senhor e possuidor da fazenda da Soledade, com trezentos escravos, moendas de cana, grandes plantações de café, e vastíssimas florestas de magníficas madeiras. Conta redonda, possuía o dr. Amaro de Faria uns dois mil contos e vinte oito anos de idade. Tinha uma chave de ouro para abrir todas as portas.

Era formado em direito pela Faculdade de S. Paulo, e os cinco anos que ali passou foram os únicos em que esteve ausente da casa paterna. Não conhecia a corte, onde apenas estivera algumas vezes de passagem. Apenas recebeu a carta de bacharel retirou-se para a fazenda, e já ali se achava havia cinco anos quando lhe faleceu o pai.

Todos supuseram, apenas morreu o comendador, que o dr. Amaro continuasse a ser exclusivamente fazendeiro sem importar-se com mais coisa alguma do resto do mundo. Efetivamente eram essas as intenções do moço; o diploma de bacharel servia-lhe apenas para mostrar em qualquer tempo, se necessário fosse, um título científico; mas ele não tinha intenção alguma de usar dele. O presidente da província, andando um dia em viagem, hospedou-se na fazenda da Soledade, e depois de uma hora de conversa ofereceu ao dr. Amaro um cargo qualquer; mas o jovem fazendeiro recusou, dando em resposta que desejava simplesmente cultivar o café e a cana sem importar-se com o resto da república. O presidente dificilmente conciliou o sono, pensando em tamanha abnegação e indiferença da parte do rapaz. Uma das convicções do presidente era que não havia Cincinatos.

Estavam as coisas neste pé, quando apareceu na fazenda da Soledade um antigo colega de Amaro, formado ao mesmo tempo que ele e possuidor de alguma fortuna.

Amaro recebeu alegremente o companheiro, que se chamava Luís Marcondes, e vinha da corte expressamente para visitá-lo. A recepção foi como costuma ser no nosso hospitaleiro interior. Tomada a primeira xícara de café, Marcondes disparou contra o colega esta carga de palavras:

— Então, que é isto? Estás metido em corpo e alma no café e no açúcar? Disseram-me isto apenas cheguei à corte, porque, não sei se sabes, vim há poucos meses de Paris.

— Ah!

— É verdade, meu Amaro, estive em Paris, e hoje compreendo que a maior desgraça deste mundo é não ter estado naquela grande cidade. Não imaginas, meu rico, que viver é aquele! Ali não falta nada; é pedir por boca. Corridas, bailes, teatros, cafés, parties de plaisir, é uma coisa ideal, é um sonho, é o chic... É verdade que os cobres não se conservam muito tempo na algibeira. Ainda bem o correspondente não acaba de entregar os mil francos, já eles correm pela porta fora; mas vive-se. Mas, como ia dizendo, quando cheguei à corte, a primeira notícia que me deram foi que tu estavas fazendeiro. Custou-me a acreditar. Tanto teimaram, que eu quis vir examinar a coisa com os meus próprios olhos. Parece que é exato.

— É, respondeu Amaro. Bem sabes que eu estou acostumado a isto; aqui fui educado, e, apesar de ter estado algum tempo fora, creio que em nenhuma parte estarei tão bem como aqui.

— O hábito é uma segunda natureza, disse sentenciosamente Marcondes.

— É verdade, retorquiu Amaro. Dou-me bem, e não acho que a vida seja má.

— Que a vida seja má? Em primeiro lugar, não está provado que isto seja vida; é vegetação. Comparo-te a um pé de café; nasceste, cresceste, vives, dás fruto, e morrerás na perfeita ignorância das coisas da vida... Para um rapaz da tua idade, que é inteligente, e possui dois mil contos, semelhante viver equivale a um suicídio. A sociedade exige...

A conversa foi interrompida pelo jantar, que livrou ao fazendeiro e ao leitor de um discurso de Marcondes. Na academia o jovem bacharel era conhecido pela alcunha de perorador, graças à mania que ele tinha de discursar a propósito de tudo. Amaro ainda se lembrava da arenga que Marcondes pregou a um bilheteiro de teatro por uma questão de preço de bilhete.