O carnaval é a expressão da nossa alegria. O ruído, o barulho, o tantã espancam a tristeza que há nas nossas almas, atordoam-nos e nos enche de prazer.

Todos nós vivemos para o carnaval. Criadas, patroas, dou­tores, soldados, todos pensamos o ano inteiro na folia carna­valesca.

O zabumba é que nos tira do espírito as graves preocupações da nossa árdua vida.

O pensamento do Sol inclemente só é afastado pelo regougar de um qualquer Iaiá me deixe.

Há para esse culto do carnaval sacerdotes abnegados.

O mais espontâneo, o mais desinteressado, o mais lídimo é certamente o Morcego.

Durante o ano todo, Morcego é um grave oficial da Di­retoria dos Correios, mas, ao aproximar-se o carnaval, Morcego sai de sua gravidade burocrática, atira a máscara fora e sai para a rua.

A fantasia é exuberante e vária, e manifesta-se na modinha, no vestuário, nas bengalas, nos sapatos e nos cintos.

E então ele esquece tudo: a pátria, a família, a humanidade. Delicioso esquecimento!... Esquece e vende, dá, prodigaliza alegria durante dias seguidos.

Nas festas da passagem do ano, o herói foi o Morcego.

Passou dois dias dizendo pilhérias aqui, pagando ali; cantando acolá, sempre inédito, sempre novo, sem que as suas dependências com o Estado se manifestassem de qualquer forma.

Ele então não era mais a disciplina, a correção, a lei, o regulamento; era o coribante inebriado pela alegria de viver. Evoé, Bacelar!

Essa nossa triste vida, em país tão triste, precisa desses videntes de satisfação e de prazer; e a irreverência da sua alegria, a energia e atividade que põem em realizá-la, fazem vibrar as massas panurgianas dos respeitadores dos preconcei­tos.

Morcego é uma figura e uma instituição que protesta contra o formalismo, a convenção e as atitudes graves.

Eu o bendisse, amei-o, lembrando-me das sentenças falsamente proféticas do sanguinário positivismo do senhor Teixeira Mendes.

A vida não se acabará na caserna positivista enquanto os "morcegos" tiverem alegria...

Correio da Noite, Rio, 2-1-1915.