À noite do dia aprazado reuniram-se as duas amigas em Catumbi. Pelas cartas que aí ficam escritas imaginem os leitores do tom em que foi a conversa. A sós, no gabinete de Teresa, puderam aquelas almas abrir-se e confiar uma à outra todos os segredos e todas as esperanças. Talvez chegassem a chorar; lágrimas naquela idade são como a chuva da primavera. Caem para deixar o céu mais belo e a terra mais jubilosa.

Dizia Teresa:

— Tu não sabes, minha Júlia, como aquele moço me deixou o coração. Não penso senão nele. Já sonhei com ele duas vezes. A primeira foi um sonho de felicidade; a segunda foi um sonho terrível.

— Ah!

— Sonhei que o vi, no mesmo cavalo, rolar por um despenhadeiro abaixo. Dei um grito e acordei. Que sonho, meu Deus!

— Felizmente era sonho.

— É verdade.

— Mas ainda não me contaste o primeiro sonho.

— O primeiro...

— Nada de vergonha; o primeiro foi um sonho de felicidade, não? Pois conta. Não sou eu também confidente de felicidades?

— Sonhei que estávamos em vésperas de casar. Ele, a sós comigo, no jardim do tio Mateus, jurava aos meus pés, pela centésima vez, que eu seria o último pensamento de sua vida. Acreditarás que chorei mesmo no sonho, e que quando acordei tinha os olhos úmidos?

— Acredito, sim.

— Foi este o primeiro sonho. E tu? Não tens sonhado? Conta-me tudo.

— Não tenho sonhado, não; mas posso dizer que vivo em perpétuo sonho. Trago presente na memória a figura dele, de noite e de dia. É o mesmo ou talvez melhor que sonhar.

— Também eu! disse Teresa suspirando.

Júlia continuou:

— Olha, se eu fosse tão feliz que me casasse com ele, e se tu também te casasses com o teu, havíamos de morar juntas. Que vida feliz, hein?

— Oh! não fales!

— O amor de um lado e a amizade do outro. Que felicidade.

Bateram à porta do gabinete.

Teresa perguntou quem era.

— Sou eu, respondeu uma voz masculina.

— É o mano Gabriel, disse ela voltando-se para Júlia.

E foi abrir a porta.

Gabriel apareceu à porta. Era um rapaz simpático, muito parecido com a irmã. Tinha um ar de franqueza e de galhofa, sem excluir a delicadeza das maneiras, que o fazia querido das moças.

— Conversavam? Queria saber em quê. Imagino que não era sobre as sandálias de S. Francisco de Paula.

— Cala a boca, herege! disse Teresa.

— É heresia, sei, não precisa pôr mais na carta. Então sobre que conversavam as meninas?

— Quer saber? disse Júlia. Sobre os indiscretos.

— Passam em revista a humanidade. Pois eu aposto que não era sobre os indiscretos que falavam. Era talvez sobre amores.

— Apre lá, mano!

— Isso que tem entre moças?... A senhora minha irmã anda agora de namoro, sabe, D. Júlia?

As duas moças trocaram um olhar. Teriam sido ouvidas? Gabriel olhava para a irmã com ar de quem tinha prazer em ver aquela confusão. Teresa, depois de um minuto de silêncio, aventurou estas palavras:

— Quem lhe meteu estas coisas na cabeça?

— Ah! eu adivinho.

— Pois enganou-se na adivinhação; mas se fosse verdade?...

— Se fosse verdade era uma coisa muito natural, e por isso não sei por que motivo não havia eu de saber as coisas do teu coração.

— Deus me livre!

— Ora essa! disse Gabriel sentando-se num pufe, por que não havia eu de saber? Eu compreendo que D. Júlia não me conte os seus amores. Mas tu...

— Meus amores? disse Júlia.

— Sim, senhora, sim, os seus amores. Aposto que também não os tem?

— Nada tenho, é verdade.

— Nada, a mim é que não engana; sei que os tem, não só a senhora, como Teresa; e eu, na qualidade de irmão de uma e criado de outra, hei de saber de tudo... É a minha resolução.

— Tu ouvistes? perguntou Teresa a Gabriel.

— Tudo.

— Ah! que curioso! exclamaram as duas.

Gabriel ria-se para ambas e divertia-se interiormente com o embaraço em que ambas ficaram. As duas, não podendo suportar o olhar do moço, caíram nos braços uma da outra.