- Inúmero rio sem água — só gente e coisa,
- Pavorosamente sem água!
- Soam tambores longínquos no meu ouvido
- E eu não sei se vejo o rio se ouço os tambores,
- Como se não pudesse ouvir e ver ao mesmo tempo
- Helahoho! Helahoho!
- A máquina de costura da pobre viúva morta à baioneta...
- Ela cosia à tarde indeterminadamente...
- A mesa onde jogavam os velhos,
- Tudo misturado, tudo misturtado com os corpos, com sangues,
- Tudo um só rio, uma só onda, um só arrastado horror
- Helahoho! Helahoho!
- Desenterrei o comboio de lata da criança calcado no meio da estrada,
- E chorei como todas as mães do mundo sobre o horror da vida.
- Os meus pés panteístas tropeçaram na máquina de costura da viúva que mataram à baioneta
- E esse pobre instrumento de paz meteu uma lança no meu coração
- Sim, fui eu o culpado de tudo, fui eu o soldado todos eles
- Que matou, violou, queimou e quebrou,
- Fui eu e a minha vergonha e o meu remorso com uma sombra disforme
- Passeiam por todo o mundo como Ashavero,
- Mas atrás dos meus passos soam passos do tamanho do infinito.
- E um pavor físico de encontrar Deus faz-me fechar os olhos de repente.
- Cristo absurdo da expiação de todos os crimes e de todas as violências,
- A minha cruz está dentro de mim, hirta, a escaldar, a quebrar
- E tudo dói na minha alma extensa como um Universo.
- Arranquei o pobre brinquedo das mãos da criança e batil-lhe.
- Os seus olhos assustados do meu filho que talvez terei e que matarão também
- Pediram-me sem saber como toda a piedade por todos.
- Do quarto da velha arranquei o retrato do filho e rasguei-o,
- Ela, cheia de medo, chorou e não fez nada...
- Senti de repente que ela era minha mãe e pela espinha abaixo passou me o sopro de Deus.
- Quebrei a máquina de costura da viúva pobre.
- Ela chorava a um canto sem pensar na máquina de costura.
- Haverá outro mundo onde eu tenha que ter uma filha que enviúve e a quem aconteça isto?
- Mandei, capitão, fuzilar os camponeses trêmulos,
- Deixei violar as filhas de todos os pais atados a árvores,
- Agora vi que foi dentro de meu coração que tudo isto se passou,
- E tudo escalda e sufoca e eu não me posso mexer sem que tudo seja o mesmo
- Deus tenha piedade de mim que a não tive a ninguém!