LIVRO V
Mal surge a Aurora do Titonio leito,
O mundo alumiando, á corte sua
Preside o poderoso Altitonante,
E Minerva solícita o Laércio,
Pela Nympha retido, assim deplora:5
«Ó padre, ó vós beatos sempiternos,
Cetrígero nenhum será benigno,
Reto e humano, sim duro e injusto e fero;
Pois ninguém, entre os povos de que Ulysses
Era um pai, já se lembra dos pesares10
Que padece, impedido por Calypso,
Faltando-lhe galé que á patria o leve
Pelo equóreo amplo dorso. O nobre herdeiro
Traçam-lhe assassinar, que a Esparta e Pilos
Foi do afamado pai colher noticias.»15
E o Nubícogo: «Filha, que proferes?
Não projetaste mesma o como Ulysses
Venha e se vingue? O filho guiar podes,
E a nau dos pretendentes retroceda».
Vôlto a Mercurio: «Núncio e amada prole,20
Já já, que a nympha de cabelos crespos
Solte o herói: Nem varão nem deus o ajude:
Em tecida jangada a curtir penas,
Ao vigésimo dia arribe á esquéria;
Donde os Feaces, a imortaes propinquos,25
Honrado a par de um nume, á terra o enviem,
Em nau de alfaias e ouro e bronze onusta,
Quanto nunca, se incólume tornasse,
Do espólio que lhe coube, transportara:
O lar e os seus rever tem por destino.»30
Calça o Argicida os áureos seus talares,
Com que, parelho aos ventos, o amplo globo
E o vasto mar transcursa; a vara toma
Que, a seu prazer, dá sonos ou desperta;
Á Piéria descai, e rui dos ares35
E á tona d’água aleia, qual peixinhos
Por inquieto golfo o guincho caça,
Crebo na escuma as asas imergindo.
Já do azul ponto á ínsula apartada
Voa, e á gruta caminha de Calypso:40
De longe tuia recendia e cedro,
Ardendo no fogão; melífluas árias
Ela entoava, a teia percorrendo
Com lançadeira de ouro. Em torno á gruta
Choupo, odoro cipreste, alno viceja;45
Ali — extensas no bosque aninham-se aves,
Gaviões e bufos, linguareiras gralhas,
Ao marinho bulicio afeiçoadas.
Fora, parreira de pubentes ramos
Flores em uvas; quatro fontes regam50
De água pura, chegando-se e fugindo,
Aipos e violais em moles veigas:
Um deus pasmado ali se deleitava,
E o fez Mercurio assim. Deve ver saciado,
Ele dentro penetra, e a nympha augusta55
Num relance o conhece; porque os deuses
Por distantes que morem, dão-se todos.
Lá não encontra o generoso Ulysses,
Que era na praia, os macerados olhos
Pelo ponto infrugifero estendendo,60
Em suspiros e lágrimas. Num trono
Maravilhoso e esplendido sentado,
A nympha o inquire: «Venerando amigo,
De áurea vara a que vens? não vinhas dantes.
Cumprirei, no que possa, os teus mandados.65
Hospitaleiros dons vou presentar-te.»
Ela, em mesa que alçou, mistura ambrosia
E rubro néctar. Saboreia alegre
E diz Mercurio: «Deusa, em deus perguntas
A que venho? Obrigado fui por Jove:70
Quem voluntário atravessava o ingente
Pelago salso, onde cidade falta
Que nos sagre solenes hecatombes?
Mas transgredir-lhe as ordens não podemos.
Dos que os Priameus sitiados muros75
Ao décimo ano destruíram, consta
Que tens contigo o mais desventuroso:
No regresso ofendida, excitou Palas
Tempestade em que os socios pereceram;
Salvo abordou só elle ás praias tuas.80
Quer Jove que o mais breve o deixes livre;
Dos seus não morra ausente: amigos, patria,
O alto paço rever, tem por destino.»
Freme Calypso e rápido responde:
«Cruéis sois todos, ínvidos, ciosos85
De que em seu leito ás claras uma deusa
Mortal admita e ame e aceite esposo.
Roubado Órion da Aurora dedirrósea,
O invejastes, vós deuses té que Febe
Casta e auritrônia o derribou na Ortígia90
Com brandas frechas; de Jasão cativa,
Quando num trietérico pousio
Com elle Ceres de anelada coma
Ajuntou-se amorosa, a fulminal-o
Foi pronto Jove: agora, ó deuses, tendes95
Zelos desse homem, que salvei lutando
Sobre a quilha de nau despedaçada
Pelo mesmo Tonante, e que sozinho
Arrojoram-me á ilha as negras ondas.
Carinhosa acolhi-o, na esperança100
De isental-o da morte e da velhice;
Mas do Satúrnio o mando irresistível
Execute-se, vague pelos mares
De novo o herói. Não posso despedi-lo;
Vasos faltam-me e nautas que o transportem105
Por essa imana via: hei de contudo
Mostrar-lhe o como ileso á patria volva.»
«Despede-o já, replica-lhe Mercurio;
Nunca irrites a Júpiter, nem queiras
Irado experimental-o.» Disse, e foi-se.110
Dócil a nympha, se dirige á praia
Onde Ulysses longânimo gastava
A doce vida, os olhos nunca enxutos,
Saudoso e enfastiado; pois com ela
Por comprazer dormia constrangido,115
E gemebundo, o ponto contemplando,
Passava o dia em litoral penedo.
Rosto a rosto lhe fala a deusa augusta:
«Cesse o pranto, infeliz, não te consumas;
Parte, consinto. Abate a bronze troncos,120
De alto soalho ajeita ampla jangada,
Em que o sombrio páramo atravesses:
De pão te hei de prover e de água e vinho,
De agasalhada roupa; auras favônias
Te levarão seguro á terra cara,125
Se esta for dos Supremos a vontade,
Que em saber o juizo me superam.»
E arrepiado o herói: «Que teces, deusa?
Numa jangada queres tu que eu tente
As vagas horrendissimas, difíceis130
Ás mesmas de iguais bordos naus altivas,
Do Etéreo aos sopros a exultar afeitas?
Não farei tal, solene se não juras
Que nenhum dano, ó deusa, me aparelhas.»
Sorri mansa Calypso, a mão lhe afaga:135
«És ardiloso e desconfias sempre.
Já comigo o jurei; mas o orbe saiba,
O céo vastissimo, a infernal Estige
(Grave aos numes terrível juramento),
Que nenhum dano, Ulysses, te aparelho:140
No teu caso obraria o que proponho.
Férrea e iníqua não sou, mas compassiva.»
E anda e Ulysses também, que entrado ocupa
O trono de Mercurio; em frente, a nympha
Lhe oferece o que os homens alimenta,145
E as serventes a ela ambrosia e néctar.
Saciados ambos, começou Calypso:
«Voltar queres, astuto, em breve aos lares?
Embora, adeus. Se as penas antevisses
Que te aguardam, comigo em laço estreito150
Imortal ficarias, bem que aneles
Tua esposa abraçar, cuja lembrança
Te rala de contino; em garbo e talhe
A sobrelevo; que as mortaes não podem
Comparar-se em beleza ás divindades.»155
Ulysses respondeu: «Sublime deusa,
Não te agraves portanto; eu sei que em tudo
A prudente Penélope transcendes,
Nem da morte és escrava ou da velhice;
Mas para os lares meus partir suspiro.160
Se um deus me empece, como os já passados,
Suportarei constante os outros males.»
Cai a noturna treva: ambos num leito
No amor se deliciam. Na alvorada,
Uma túnica e um manto Ulysses veste;165
Veste a nympha um sendal cândido e fino,
Faixa de ouro gentil ata á cintura,
Orna a cabeça de elegante coifa.
A despedir o amante resignada,
Érea forte bipene lhe fornece170
De oleagíneo cabo artificioso,
Enxó dá-lhe amolada; aos fins o leva
Da ilha, onde medram árvores gigantes,
Choupo, alno, abeto e percutir as nuvens,
Secos e aptos a vencer caminho:175
Depois que a selva mostra, á casa torna.
Ardente elle derruba troncos vinte,
Falca, desbasta, esquadra, alisa e talha.
Com trados volta a nympha; o herói verruma,
Cavilha, junta as peças: quanto é largo180
De nau de carga o bojo, obra de mestre,
Era a barca de Ulysses. Finca espeques,
Pranchas estiva, um tabulado forma;
Antena ao mastro anexa; mune o leme,
Contra escarcéos, com vergas de salgueiro;185
Alastram-na pesados lígneos toros.
De lona, por Calypso oferecida,
Vela engenha, e de escotas e calabres
O mastro apruma; enfim, sobre alavancas,
A jangada escorrega ao mar divino.190
Ao quarto Sol perfeito o seu trabalho,
Por despedida ao quinto a nympha o lava,
Perfuma e veste; o vinho em odre fecha,
Num maior água, em saco os acepipes,
O sustento em surrão; tépidas auras,195
Meigas invoca. O pano o divo Ulysses
Contente expande, lesto agita o leme;
Cortado o sono, as Plêiadas observa,
Tardo Bootes, a Carreta ou Ursa
Em Órion sempre fita ao revolver-se200
A só que foge os banhos do Oceano:
Ir desta á esquerda lhe ordenou Calypso
Dias vários navega, até que enxerga,
Já no décimo oitavo, umbroso topes
Da mais vizinha terra, a dos Feaces,205
Qual pavês a ondear no escuro pego.
Vem da Etiópia e dos Sólimos serros
Neptuno o avista; sacudindo a fronte,
Em si raiva: «Ah! que dele dispuseram
Na minha ausencia os deuses! Quase tocas210
Onde, Laércio, é fado os males findes;
Mas nem todos provaste». Eis move o cetro;
Procelas concitando, altera as ondas,
A praia e o mar enfusca, assola os ventos;
A noite rui do céo; muge Euro, Noto,215
Bóreas árido, Zéfiro insolente.
No peito esmorecido o herói murmura:
«Ai de mim! temo o anúncio de Calypso,
Que á patria eu chegaria atormentado.
Jove de que bulcões enluta os ares!220
Que lufadas, que brenhas, que borrascas!
Presente o exicio tenho. Oh! três e quatro
Vezes ditosos os que em Tróia sacra
Por amor dos Atridas feneceram!
Acabasse eu na hora em que êneas lanças225
Do Aquileu corpo em cerco me choviam!
Lá funerais houvera gloriosos:
Força é hoje beber indigna morte.»
Nisto, empinado vagalhão desaba,
Horríssono investido a frágil barca:230
Demite o leme e fora cai Ulysses;
Um tufão rende o mastro, e vela e antena
Longe arremessa. Os ventos o soçobram;
Vir ao de cima os escarcéos lhe tolhem;
Pesam-lhe as vestes que lhe deu Calypso.235
Surde enfim, da cabeça escorrendo água,
Com ânsias vomitando os salsos goles;
Mas não se olvida, a nado o lenho aferra,
Senta-se vigoroso, engana a Parca.
Ele á matroca em vórtices flutua,240
Como Áquilo outonal pela campina
Montões joga de folhas e de espinhos:
Noto, Euro, Bóreas, Zéfiro contendem;
Ora um, ora outro, apossam-se da presa.
Ino Cadméia, já falante moça245
De torneado pés, que entre as marinhas
Deusas é Leucotéia, amiserou-se
Do seu penar; do fundo na figura
De um mergulho saindo e na jangada
A revoar pousando: «Infeliz, disse,250
Porque o Ennosigeu te aflige e vexa?
Ruja, que não sucumbes. Sê cordato,
As vestes e o madeiro entrega ás vagas;
Lança-te a nado á ilha, onde um refúgio
Se te destina; toma, e aos peitos esta255
Cinge, para salvar-te, imortal banda.
Ao negro ponto, ás praias mal que atinjas,
Virando as costas, para trás a arrojes».
Dada a banda, as maretas remoinhando
Nas entranhas a escondem. Cauto Ulysses260
Geme e hesita em seu ânimo divino:
«De um nume que ilusão! Desobedeço,
Pois a terra indicada é mui remota.
Antes sofrer com paciencia, enquanto
A barca se sustém; nadar pretendo265
Assim que a desconjunte a marulhada:
Outra nenhuma salvação me resta».
Grosso escarcéo Neptuno eis sublevando,
Qual dissipa em tufão de palha acervos,
Traves destroça e tábuas furibundo:270
Num dos pedaços leve o herói cavalga,
Despe-se, a banda cinge, prono estira
Os braços vigorosos, ardente nada.
A cabeça o tirano azul meneia,
Consigo diz: «Batido pelas ondas,275
Padece agora, até que aos homens chegues
De Jove alunos; desta feita espero
Escarmentar-te». E ao ínclito palacio
De Egas move os cavalos crinipulcros.
Palas não se descuida: aos outros ventos280
Obstrui as vias, e os sopita e calma;
Deixa o Bóreas soprar e os mares quebra,
A fim que a salvo se introduza Ulysses
Entre os Feaces do vogar amigos.
Duas noites flutívago e dous dias285
A cada instante a morte imaginava;
Mas na aurora terceira, quedo o ruído,
Sereno o ar, de cima de uma vaga
Olhos aguça e a ilha vê mais perto.
Como se alegra o filho, cujo enfermo290
Pai dileto, por graças dos Supremos,
Sara de uma longuissima doença,
De que um gênio odioso o atormentava;
Tal folga elle da terra e da floresta.
Nos pés se estriba e insiste; mas, a alcance295
De um grito, ouve o murmúrio dos rochedos,
E a mareta a roncar na árida costa
E de alva aspersa escuma a cobrir tudo.
Busca em torno angra, porto ou surgidouro,
Acha recifes e ásperos cachopos.300
Dos joelhos frouxo e de alma quase morta,
Geme e em seu grande coração discorre:
«Ah! terra deu-me Jove inesperada,
Brenhas de água venci, mas onde aborde
Não me aparece; agudas pedras vejo305
E a fremir escarcéos, e lisa penha
Escarpada e a raiz na profundeza.
Não posso os pés firmar para evadir-me:
Por mais que eu lide, á resvalente roca
Talvez do fluxo o ímpeto me esbarre;310
Se além nado a encontrar ou seio ou passo,
Temo que entre gemidos a ressaca
Me empuxe e empegue, e infenso deus me lance
Algum dos monstros que Anfitrite cria;
Sei quanto me é contrário o grã Neptuno».315
Inda pensava, e á crespa riba um feio
Esto o rebate; e a cútis lacerava
E fraturava os ossos por Minerva
Se não fosse inspirado: a penha aferra
De ambas as mãos, e aguarda em ais que o rolo320
O deixe ao recuar, mas o refluxo
Ao largo o arrasta e longe; e qual pólipo,
Que destacam da cama, traz pedrinhas
Apegadas aos pés, retém o escolho
Das fortes mãos tenazes a epiderme.325
Da marejada opresso, ah! perecera
Contra o fatal querer, se a gázea Palas
A prudencia do herói não reforçasse.
Do fundo acima vem, transnada e fende
Marulhos que bramindo a costa orvalham,330
Uma abra demandando, enseada ou praia;
A foz emboca enfim de um rio ameno,
Tuto e limpo de pedras e abrigado;
Reconhecida a veia, orou devoto:
«Quem sejas, rio, atende as preces minhas;335
Do furor de Neturno a ti recorro.
Um peregrino é sacro aos mesmos deuses:
Eu, peregrino errante, há muito sofro;
Suplico, ó rei, de mim te compadeças.»
Tranqüilo a correnteza o rio amaina,340
Recebe-o em sua areia. Ele os nervudos
Braços contrai e pernas; combalido,
Inchado o corpo, alija amargas gotas
Pelos beiços e ventas; anelante,
Sem voz e extenuado, o corpo estende.345
Resfolga e areja, anima-se, descinge
E entrega a banda ao rio, que a transporta;
Ino dela se apossa. Em apartado,
Num juncal se reclina, e o chão beijando,
Fala á sua alma grande: «Ai! que me resta?350
Se ao relento pernoito ás margens turvas,
O rocio matutino e as graves auras
Me abaterão de todo: em selva opaca,
A consentir-me estar cansaço e frio,
Dormirei sossegado; mas receio355
Ser de feras escárnio e mantimento.»
Reflete, e envia-se á floresta umbrosa,
Em monte ao pé do rio. Uma figueira
E um zambujo, a medrar na mesma touça,
Ali de modo achavam-se enredados,360
Que nem úmidos sopros, sóis violentos,
Nem chuveiros a copa transpassavam:
Debaixo acama Ulysses tantas folhas,
Quantas para a abrigar dous ou três homens
Em rigoroso inverno bastariam;365
Ledo se deita e chimpa-se no meio.
Qual, no extremo de um campo sem vizinhos,
Conservando semente para o fogo,
Mete alguém seu tição na escura cinza;
O paciente herói se esconde nelas.370
Palas, porque o descanse das fadigas,
Lhe derrama nas pálpebras o sono.
NOTAS AO LIVRO V
120-121 — É notavel que a descrição da jangada assim aqui como mais adiante, case inteiramente com o que vemos hoje em dia. As que andam nas costas de muitas províncias do Brasil têm o mesmo soalho de que fala Homero, com um banco alto onde os jangadeiros atam os cabos da vela. Este soalho ou tabulado é um como tombadilho, mas não comparavel aos dos navios; e eu o chamara jirau, nome da lingua geral dos indígenas usado para significar o objeto, se não temesse a pecha de querer acaboclar a linguagem de Homero. Pobre tradutor do poeta, já me vi metido em uma jangada na costa do Ceará, a qual saía ao mar pela primeira vez e tinha uma vela descompassada; virou-se, e tive de perder entre as grossas vagas chapéo, sapatos e meias: foi este um dos grandes perigos em que me tenho achado. A nympha Ino certamente não me acudiu nem me emprestou a cintura de salvação, como fez a Ulysses; mas outra jangada, maior e melhor, veio em socorro nosso, e levou-me de pés descalços a bordo do brigue português Aurora, que me transportou ao Maranhão. Os velhos gostam de memorar as suas aventuras.
148-155 — Rochefort, cujas reflexões acerca de Homero são de ordinário cordatas, é um dos seus mais insuportaveis tradutores: nesta fala, não só alambica as expressões amatórias, mas empresta ao singelo autor cousas alheias ao seu pensamento, chamando a Penélope, v. g., vulgaire objet d’une folle tendresse; e, gabando-se Calypso da sua beleza imortal, acrescenta: Car j’ai lieu de penser que mon air et mes traits, �e sont point au dessous de ses faibles attraits. Busquei nada emprestar ao poeta: coteje o leitor paciente o original com as nossas duas traduções.
193-195 — Calypso não só meteu num surrão os mais necessários comestíveis, mas também num saco vários manjares delicados ou acepipes. Em vez de seguir o original nestas interessantes miudezas, traz Rochefort os seus dous versos: Tout chargé des présens qu’une amante attendrie Remet, en soupirant, á 1’amant qui 1’oublie. E explica em nota quais eram os presentes, dizendo que os suprimia, porque o francês não podia exprimir tais particularidades! M. Giguet e outros modernos têm mostrado quão fútil é a censura que era moda fazer á lingua francesa.
206 — Afirmam que o rinón do original é uma nuvem, e termo da lingua dos Ilírios; mas Homero não escreveu nessa lingua. Podia a ilha Esquéria, ou seja Corfu ou qualquer outra, apresentar-se a Ulysses por algum lado que tivesse a figura de um escudo; ao menos é o que diz o poeta. Junto a Santos no Brasil há uma ilha que chamam a Moela, por ter a forma deste estômago das aves depois de aberto e como costuma vir ás mesas; uma das maravilhas do nosso globo, é o agregado de montanhas do Rio de Janeiro que todas juntas representam um gigante deitado: que impossibilidade há de oferecer uma ilha a figura de um escudo? A maior parte dos tradutores cingem-se a este sentido.
359 — Opinei, em nota á Ilíada, que éphineòs não era em geral figueira brava, mas uma chamada baforeira: aqui opino que phuliès também não é figueira brava em geral, mas aquela que os Latinos dizem olester, e nós dizemos azambujeiro ou zambujeiro ou zambujo. Os que traduzem não especificadamente são obrigados a confundir as duas árvores, isto é, a que Homero denomina éphineòs com a que denomina phuliès: quem traduz os antigos deve ser escrupuloso nestas particularidades, que, não sendo sempre essenciais, podem sê-lo algumas vezes.