Oliveira Lima: Secretário d'el-rei

O Sr. Dr. Oliveira Lima, entre um e outro livro de história, dá-nos agora uma comédia. Que vos não assuste este nome, vós que não amais as formas fáceis de literatura; nem esta é tão fácil, como podeis crer, nem deixa de envolver um caso psicológico interessante. Acrescentai-lhe o quadro e a língua, e tereis um volume de ler, reler e guardar.


Com razão chama o autor ao seu Secretário d´El-Rei uma peça nacional, embora a ação se passe na nossa antiga metrópole, por aqueles anos de D. João V. É duas vezes nacional, em relação à sociedade de Lisboa.


A aventura que constitui a ação é do lugar e do tempo; as pessoas e os atos que figuram nela caracterizam bem a capital dos reinos, com as máscaras dos namorados noturnos, a gelosia de sua dama, o encontro de vadios, capas enroladas, espadas nuas, mortos, feridos, a ronda, todo o cerimonial de uma aventura daquelas. Meteu-lhes o autor o próprio irmão do rei, infante D. Francisco, ainda que o não traga à cena, e a própria amada do secretário, que entra a pedir a absolvição do outro amado por ela, e com esta complicação política e pessoal dividiu o interesse da ação.


O centro dela é naturalmente Dom Alexandre de Gusmão, em quem o autor quis pôr o nosso próprio interesse nacional. Nasceu-lhe a afeição já em anos maduros, não foi aceita, não foi reiterada, sem por isso esquecer nem acabar. Solicitado a servir a dama por outra maneira e para outro fim, Gusmão não o faz menos lealmente que em seu mesmo favor, se a tivesse de haver para si. A última palavra da comédia resume o caráter do secretário, livrando e casando o preferido de D. Luz, mandando-os para o seu Brasil, e acabando por lhes ensinar o segredo da vida, que é "levar as coisas... a rir, mesmo quando elas hão de fazer-nos chorar".


Aqui sente o leitor o que Gusmão quisera ocultar já de todos, e admira a força da alma de um homem talhado para grandes desígnios.


Gusmão, D. Luz, D. Fernando formam assim as três principais pessoas da comédia; mas era impossível uma história daquela gente sem frades. Assim o queria Garrett, que não via em Portugal coisa pública ou particular sem eles e usou deles. Aqui há um, nem podia deixar de havê-lo em pleno D. João V; há também um embaixador, — o inglês naturalmente, — e finalmente uma ama, ama de todas as peças, ainda trágicas, como a da Castro: "Ama, na criação; ama no amor de mãe". Esta, a Assunção, parece ser igualmente ambas as coisas. Ponde-lhe o convento a que se acolhe o namorado ferido, o lausperene, as touradas, o santo ofício, as contendas, as namoradas do rei, e reconhecereis, como ficou dito, que o quadro serve bem de fundo ao enredo inventado pelo autor.


Quanto ao diálogo, tem as qualidades que poderíamos exigir da composição e das pessoas. Dizem-se por ele, — desde aquele escudeiro João Brás, — todas as minúcias e circunstâncias precisas para a notícia dos caracteres e da ação. Há facilidade e naturalidade, vida e interesse, a reflexão que não pesa e a graça que não enfastia. Vê-se bem a lealdade do escrivão da puridade, ouve-se o sonho imperial de Gusmão, sem que a linguagem enfie a pompa inútil ou dispa a compostura que lhe dá unidade.


A consagração cênica diz o Sr. Oliveira Lima que merece, como poucas, a figura de Dom Alexandre de Gusmão; ele acaba de lha dar, com a consciência do personagem e do assunto. Sabemos que os estudos históricos e de observação social e política são prediletos do nosso ilustre patrício. O talento brilhante e sólido, a instrução paciente e funda, o amor da verdade, tudo isto que o Sr. Oliveira Lima nos tem dado em muitas outras páginas, acha aqui, ainda uma vez, aquele laço de espírito nacional que lhe assegura lugar eminente na literatura histórica e política da nossa terra. Folgamos de o dizer agora, e esperamos repeti-lo em breve.