A tarde estava no seu começar.

Cândido, que nesse dia se recolhera muito mais cedo do que costumava, e que subira ao seu modestíssimo aposento, ouviu gemer a escadinha do velho sótão sob o peso de alguém que vinha subindo; pouco depois mostrou-se além da porta uma cabeça branca, brilharam dois olhos verdes, e a velha Irias disse:

— Venho conversar, meu filho.

Isto dizendo entrou e foi sentar-se na cama do mancebo, a quem deixou a cadeira, que única havia no sótão.

Estiveram ambos guardando silêncio por algum tempo; o moço pensativo, e como sempre melancólico, e a velha com as rugas do semblante menos salientes, talvez pela expansão de algum prazer.

— Não te admiras, perguntou finalmente Irias, de me ver, a mim, velha, que me vou despedindo da vida, e me avizinho da morte, alegre e prazenteira, ao pé de ti, moço, que ainda olhas para diante, e tens um futuro para viver, e estás contudo tão abatido e triste?... esta velhice que sorri junto da mocidade que geme, é uma coisa pouco comum na natureza, não?...

— É assim, respondeu Cândido; seja qual for a razão disso, eu dou graças a Deus pelo prazer de minha mãe.

— Mas também é preciso que tu saibas o que hoje não sabes ainda, e o que todavia se envelheceres, sentirás como eu sinto. A velhice, meu filho, a velhice, que o mundo chama egoísta, não tem alegrias por si, sabe somente alegrar-se pelos outros; os pais sorriem com a ventura de seus filhos; e aqueles que não têm filhos, amam sempre, e muito, alguém, e sorriem com a ventura do seu alguém.

— Portanto, alguém que minha mãe estima muito, acaba sem dúvida de alcançar uma boa ventura? ...

— Ou pelo menos não está longe de alcançá-la.

— Outra vez graças a Deus, minha mãe.

— Pois agora dá graças ainda urna terceira vez, porque já deves ter adivinhado quem é o meu alguém: quem é esse que eu amo como se fora meu filho, e que está em vésperas de uma grande ventura.

Cândido olhou fixamente para a velha e ficou como espantado, esperando que ela pusesse bem claro o seu pensa­mento.

— Sim, tornou Irias; é de ti mesmo, é de ti mesmo que eu falo.

— De mim mesmo, senhora?!

— Sim; de ti mesmo.

— Uma grande ventura para mim?...

— Quantas vezes queres que to diga?...

— E não estais zombando?...

— Não, de modo nenhum.

— E essa ventura...

— Adivinha-a.

O mancebo, com um sorrir convulsivo nos lábios, com os olhos em lágrimas, cheio de ardor e de felicidade, com as mãos postas e trementes, e um pouco curvado para a velha, exclamou:

— Vós descobristes minha mãe!

Sua exclamação foi um grito saído d’alma. Irias respondeu meio sentida:

— Não é isso.

Cândido, como fulminado por um raio, abandonou-se dolorosamente na cadeira, e disse:

— Vós zombastes de mim, senhora.

— Pois além dessa, não há mais nenhuma esperança em teu coração?..

— Nenhuma, nenhuma absolutamente.

A velha talvez para deixar a Cândido tempo de serenar-se, guardou silêncio por alguns minutos, e prosseguiu de­pois:

— Pois espero, Cândido, que sejas feliz bem cedo.

— Vós esperais, não duvido; mas quantas vezes na vida a esperança não é somente uma ilusão?...

— Meu filho, eu devo dizer-te que essa misantropia que te amortece, esse desespero que te vai consumindo, ofende a Deus Nosso Senhor.

— Deus lê no meu coração, e sabe que eu nada esperando dos homens, nesta vida, espero tudo dele na outra.

— E te julgas com razões bem fortes para nada esperar dos homens, e te dizeres tão sem remédio desgraçado?

— Creio que sim, minha mãe.

— Creio que não, meu filho.

— Oh! senhora! quereis que eu não veja o que tenho diante dos olhos, e que eu não sinta o que me pesa dentro da alma?...

— Não; mas quero que um quadro, que é somente triste, não o faça tua imaginação pavoroso e horrível.

— Sim... tendes razão, exclamou o mancebo com um sorrir de acerba ironia; tendes razão... eu sou muito feliz!.

A velha fez um movimento de impaciência.

— Eu sou muito feliz! tornou o mancebo com nova amargurada ironia.

— Cândido!...

— Sim! muito feliz!... pois então?... é verdade que a minha vida foi um crime, meu nascimento um documento desse crime, meu primeiro vagido o sentimento de um castigo; é verdade que, apenas vi a luz, fui por minha mãe repelido... enjeitado... lançado fora por minha mãe!... Mas que importa isso!... Sou muito feliz!

Irias ficou em silêncio olhando para Cândido, que con­tinuou:

— Tinha, porém, havido um erro na minha fortuna: repelido por minha mãe, achei eu uma mulher que me deu seu leite, a metade de seu pão, e todo o amor de seu coração; eu vos achei, senhora. Mas, para corrigir-se esse erro, aos treze anos de idade, um homem que não era meu pai, certamente, um homem de cujo semblante austero e vestidos negros hei de lembrar-me sempre, arrancou-me de vossos braços, lançou-me dentro de um navio, e no dia seguinte eu vi desaparecer a meus olhos a terra de minha pátria!... Por conseqüência eu sou muito feliz!

A velha parecia de plano querer que o mancebo fosse derramando toda sua amargura para depois falar por sua vez, e foi portanto ouvindo silenciosa aquela história que, sem dú­vida, já tinha ouvido cem vezes.

— E lá na terra estranha, prosseguiu Cândido, lá, quando eu começava a compreender que vivia, e que era homem, para que nada eu compreendesse, minha vida era um mistério, e entre os homens todos era eu um homem isolado, só, sem um laço no mundo, sem uma doce recordação no passado, sem uma impressão deleitosa no presente, sem uma esperança passageira no futuro. Sim, o navio que me levava aportou às terras de Portugal; uma família carinhosa, mas que eu não conhecia, me foi a bordo receber. Cresci, desvelaram-se em educar-me; essa família, que pouco tinha para si, deu-me mais instrução que a seus filhos; nada me faltava, e eu não podia saber donde tanto me vinha. Oh! senhora!... exclamou o mancebo, esquecendo a ironia amarga com que até então falara, será pois felicidade essa riqueza no meio de tanta miséria?...

A velha não respondeu.

— Oh!... compreendeis vós acaso como é que soavam na minha alma esses nomes sagrados de — meu pai! minha mãe! — que chegavam às vezes a meus ouvidos, saídos do coração de meus camaradas, que tinham mãos de pai para beijar, e um seio de mãe para recebê-los?... com que dolorosa impressão, eu, desterrado da mais bela das pátrias, via no meio das agitações políticas, no correr dos perigos, os homens animar-se e progredir, arrostar tudo pela glória da terra de seu berço, e entusiasmados ferver-lhes o sangue ao só escutar dos hinos patrióticos?... e compreendeis enfim, senhora, como se me enregelava o coração, quando eu pensava nesse mistério indecifrável que envolvia o meu passado e obscurecia o meu porvir?... Órfão e desterrado, sem saber nem ao menos de mim mesmo, eu devia considerar-me muito feliz não é assim?...

A velha obstinava-se em não cortar o fio das reflexões do mancebo.

— Pois no meio dessa minha tão grande felicidade, senhora, vinha um menino que me era parceiro nos estudos e nos brincos, e me perguntava: "Cândido, quem é teu pai?..." Vinha depois logo outro que me falava assim: "Cândido, tu não tens mãe?..." Vinha logo após um terceiro que me dizia: "Cândido, por que tão pequeno deixaste a terra onde nasceste?" E eu só lhe respondia: não sei!. E vinham depois um, dois, vinte outros que me perguntavam: "Como te chamas?... Cândido, de quê?" E eu que não tinha nome de família, eu que sou só no mundo, lhes respondia sempre: — Cândido — só. — E sabeis, senhora, o resultado de tudo isso?... é que apoderou-se de mim a convicção de que eu era, de que eu sou o somenos de todos os homens; porque entre todos os homens não há um só que, como eu, não tenha pai, não tenha mãe, não tenha nome, nem passado, nem futuro!... oh!... que até me quiseram roubar aquilo que a ninguém se nega... uma pátria!...

Irias nem se moveu à vista do exagerado quadro daquela desgraça, que a imaginação ardente do mancebo traçava com tintas tão medonhas. Cândido falou ainda.

— Quereis, senhora, que vos repita ainda outras provas de minha pretendida felicidade?... quereis que eu pise minhas feridas? eu o farei. Aos dezoito anos de minha idade vestiram-me vestidos negros, enrolaram de fumo o meu chapéu; e quando eu perguntei o que queria isso dizer, responderam-me: "Morreu teu pai!" Ouvistes bem, senhora?... era meu pai que tinha morrido; meu pai, que nunca me havia abençoado!

A velha não pronunciou uma só palavra.

— Depois deram-me uma bolsa cheia de ouro, embarcaram-me em um navio, e... se houve dia em que o prazer do coração correspondesse ao sorrir dos lábios foi aquele em que eu vi de novo as terras de minha pátria! oh!.. meu primeiro e meu único dia de ventura foi esse; e antes desse, e depois desse nenhum outro. Eu caí em vossos braços, corri a ver os lugares, testemunhas de meus brincos infantis; mas passada a hora do entusiasmo... achei o vazio dentro de mim. Eu era ainda como dantes, e como hoje, Cândido — só. — Eu não tinha encontrado minha mãe!

O moço respirou e prosseguiu:

— Porque é preciso que vos diga, senhora, no meio de minhas reflexões e mágoas, longe da pátria, quando eu pensava no mistério de meu nascimento e no segredo de meu nome, uma esperança me animava; eu contava de volta à terra de meu berço achar os braços de minha mãe abertos para me receber! ah! e eu não achei minha mãe!... eu a chamo debalde ainda!..

A velha fez um movimento quase imperceptível, e que podia exprimir desagrado daquela mágoa do mancebo; o qual surpreendendo esse movimento, respondeu-lhe:

— Não sou ingrato, não, senhora, mas perdoai-me, vós não sois minha mãe. Será preciso para que vos sossegueis, que eu vos diga o que é no entender de minha alma uma mãe?... pois bem, ouvi-me. Uma mãe, senhora, sente nove meses antes de todos a existência de seu filho, e primeiro que ele nasça, ela sofre já muito por ele. Se seu estado é a realização de um voto de amor sagrado e puro, ela ainda as­sim volve os olhos da esperança para a morte, do ventre para o túmulo!... Se pelo contrário é o efeito, a prova viva de um erro, então se torna em incessante tormento que vai crescendo pouco a pouco, e cada vez mais com o correr dos meses; que espreme o suco de sua vergonha, que rói e dilacera sua sensibilidade com a consciência de uma falta insanável. E todavia ela ama seu filho que ainda não nasceu, maldiz sua cabeça que errou, e abençoa seu ventre que concebeu! Depois, quando ele nasce, que tesouro há aí que possa pagar o fervor da oração com que a mãe, cruzando as mãos sobre o seio, encomenda seu filho à misericórdia do Senhor Deus?... que possa pagar o fogo sagrado de seu primeiro olhar de mãe?... a pureza angélica de seu primeiro sorrir de mãe!... a doçura inefável de seu primeiro beijo de mãe?... Oh!... uma mãe rasgaria suas carnes como o pelicano para alimentar com seu sangue e à custa da própria vida o filho de suas entranhas! uma mãe jamais desama seu filho, nunca o repele, nunca o enjeita; e essa sociedade de­salmada e imoral, que faz de uma fraqueza um crime, que olha um filho como um remorso, que se rebela contra a natureza e contra Deus, que arranca do colo materno pobres e inocentes criancinhas, lavadas em lágrimas de sangue de suas mães!... não! não! e não! minha mãe me amava por força, me adorava como o seu anjo, olhava-me... sorria para mim, me beijava e me chamava — meu filho! — Foi a sociedade desalmada e imoral quem me arrancou à força de seus braços!

Cândido falava, repassado de tamanha dor, que Irias apesar de seu propósito, ia consolá-lo quando ele prosseguiu:

— E debalde, senhora, debalde eu me quero levantar contra essa sentença de ferro que me separa de minha mãe. Não há nem ao menos um pirilampo no caminho de minha vida, um pirilampo só que me dê alguma luz para que eu vá terrível e audaz arrasar esse mistério de meu berço. Sim! eu iria... pois que ninguém pode ter o direito de separar-me de minha mãe, e ela não há de nunca envergonhar-se de seu filho! oh! mas tudo é em vão. Há longos anos que eu não penso, que eu não cogito de outra coisa. Quando vou à igreja, quando rezo de joelhos, pensais, senhora, que eu peço a Deus honras e fortuna para mim neste mundo e a salvação de minha alma no outro?... não, mil vezes não. O pensamento, o objeto de minhas orações, é sempre um e único; o que eu peço a Deus é ela, sempre e só ela... é minha mãe.

E dizendo isso, o mancebo prosseguiu com voz comovida e terna:

— Porque se eu achasse minha mãe, queimaria, se eu fosse rico, toda minha riqueza para poupar-lhe um desgosto... e ainda mesmo quando tivesse uma dor imensa no coração, havia de rir-me para não vê-la chorar e daria a minha vida para não deixá-la morrer. Minha mãe, senhora, minha mãe! eu não quero nem esposa, nem filho, nem riqueza, nem glória; eu prefiro a tudo minha mãe!

E cruzando as mãos sobre o peito, Cândido terminou dizendo com acento profundamente religioso:

— Deus me ouça!

— Tens razão, meu filho, disse enfim Irias, depois de alguns instantes.

— Portanto, senhora, reconheceis que, embora involuntariamente, zombastes de mim ainda há pouco?...

— Não, Cândido.

— Como não, senhora?...

— Porque nesta vida deve o homem, quando não pode conseguir o que mais deseja, consolar-se com algum desses outros mil benefícios e favores, que Deus espalhou com profusa mão sobre o gênero humano.

— Quereis explicar-vos, senhora?...

— Não é só uma mãe a mulher que se ama extremosamente na vida.

— E então?...

— Ama-se a escolhida do coração... ama-se a esposa.

— Que quereis dizer; senhora?... exclamou o mancebo estremecendo todo.

— Quero perguntar-te se não concordas em que um moço, como tu és, triste, desvalido e pobre, pode achar consolação e fortuna na posse de uma mulher que ame?

— Entendamo-nos, respondeu Cândido serenado. Um moço que for como eu, triste, desvalido e pobre, e que também tiver feito o mesmo juízo que eu faço a respeito da pureza e da dignidade do homem, pode sim achar consolação e uma fortuna toda moral na posse da mulher que ame e por quem for amado, mas não calcula nunca a sua fortuna positiva e material sobre esse dado.

— Era pouco mais ou menos isso o que eu queria dizer.

— E para concluir o quê?...

— Que tu deves amar...

— Eu amar?! bradou o mancebo erguendo-se; eu amar?! e com que fim?...

— Para ser menos desgraçado.

— Que conselho, minha mãe!... não reparais que há veneno dentro dessa taça de ouro que me trazeis aos lábios?... eu amar? um pobre amar? pois não vos lembrais de que a pobreza é como a morféia, repugnante e fatal?... a quem queríeis que eu amasse?... a uma moça desvalida e pobre, como eu; única que poderia ter olhos para me olhar?... qual seria o resultado desse amor?... cobri-la com meus andrajos?... dar-lhe metade do pão de amargura, para matar-lhe a fome?... e um copo cheio de lágrimas para saciar-lhe a sede? haveria felicidade nesse amor?...

— Abençoado fosse ele por Deus; que o trabalho do homem daria de sobra o que para viver-se é preciso.

— Ou então, continuou Cândido sem atender à boa resposta que lhe dera a velha; quereis que eu fosse por aí, com a mentira no coração e no rosto, farejar onde houvesse um cofre de ouro pertencente a uma mulher bela ou não, que pouco importava isso; pretendesse agradar-lhe, e lhe jurasse amor e ternura, e iludisse a seus pais e a ela, e a arrastasse aos pés do altar, e mentisse perante Deus! e mentisse perante Deus, repito! Não, não, minha mãe, nem ao menos isso é possível; um homem pobre já não chega ao pé de uma mu­lher rica. A pobreza é a morféia.

— Não se trata disso, Cândido, tornou Irias; é preciso somente que ames. Ama, pois pobre ou rica a mulher que amares, se for honesta e bela, far-te-á ditoso.

— Ama!... disse o mancebo. Manda-se amar, como se o amor fosse o brinco de um instante, como se o amor dependesse de nós e não dos outros; oh! se fosse assim, eu não amaria nunca!

— Então tu amas já?... perguntou Irias, fixando no mancebo seus olhos verdes e brilhantes.

— Quem disse que eu amava? respondeu Cândido enleado.

— Amas já?...

— Quereis zombar de mim outra vez, senhora?

— Amas já?...

— Minha mãe...

— A verdade... a verdade... somente a verdade!...

— Que quer dizer, pois, isto?

— Amas já, Cândido?...

— Não... disse tremendo o mancebo.

— Tu me mentiste hoje pela primeira vez em tua vida, disse com austeridade Irias.

— Senhora!

— Tu amas, e amas perdidamente.

— Basta... basta de zombarias, respondeu Cândido per­turbado.

— Ao romper de todos os dias pela fresta daquela janela, tu segues com os olhos o objeto de teu amor...

— Minha mãe!... minha mãe!... bradou o mancebo tão espavorido como se acabassem de romper o segredo de um crime horrível por ele perpetrado.

— Tu amas a neta do sr. Anacleto! continuou Irias.

— Silêncio!... balbuciou o infeliz.

— Amas a "Bela Órfã"!...

Cândido ocultou o semblante entre as mãos e a velha prosseguiu com voz animadora e doce:

— Esse teu amor, tão cheio de angélica pureza, que nunca os lábios do amante tocaram a ponta dos brandos dedinhos da amada; tão inocente que apenas, e a pesar teu, na presença de Celina lho dizem teus olhos, e na ausência o sonho de tua imaginação, deve ser agradável a Deus, que ama a pureza e a inocência.

— Ah! minha mãe! murmurou o mancebo.

— Ama, que és já, ou bem cedo serás amado. E tu e ela sereis talvez aos olhos de Deus como dois pombos que de longe se namoraram, e que, de asas abertas, com o pensa­mento no céu, e os olhos um no outro, esperam o aceno de um anjo para voar, a ajuntar-se num só ninho, seguros da ventura com a bênção divina.

— Ah! minha mãe! repetiu o mancebo erguendo a cabeça e mostrando o rosto enrubescido pelo mais belo pejo, e talvez com alguns átomos de esperança.

— E a passagem da vida que hoje tendes, continuou Irias, para a vida que deveis não tarde viver, será como a poética transição da noite escura e duvidosa para o dia claro e fulgente, que um sol fulguroso abrilhanta, e zéfiros perfuma­dos suavizam.

— Oh! senhora, é que vós esqueceis sempre que eu sou um pobre, e que para o pobre não há esperança de felicidade tão suprema como essa que me mostrais!

— Não, não, mancebo; tu mentes a ti próprio. Examina o teu coração, procura bem, e lá acharás a esperança cifrada em uma única palavra, que é o moto sagrado e sublime da alma do justo.

— E essa palavra, essa esperança qual é?...

Irias levantou o braço, e apontando para cima com seu dedo indicador, grande e emagrecido, disse:

— Deus.

Sentiram nesse momento que alguém subia a escada do velho sótão, e logo após a velha escrava de Irias apareceu, e disse:

— A família do sr. Anacleto.

Cândido não pôde conter um grito de surpresa.