III
ABUNDANCIA DE OVOS

Como os bons habitantes do valle tinham sido sempre muito condescendentes para a senhora extrangeira, esta havia muito tempo que andava meditando um meio de obsequial-os por sua vez. Ella tinha poupado seus ovos e suas gallinhas, e quando chegou a têr uma boa quantidade de ovos e algumas gallinhas de mais, mandou a Martha ao valle convidar todas as maes de familia para virem á sua casa no dia seguinte que era um domingo. Todas acceitaram e vieram no dia seguinte vestidas com que tinham de melhor. O Kuno tendo arranjado no jardim uma pequena mesa rustica com bancos, todas se assentaram á roda d'ella.

Então a Martha trouxe um cesto cheio de ovos brancos como a neve. As carvoeiras estavam maravilhadas. « Por favor de Deus, disse a boa senhora, temos abundancia de ovos : na verdade é bem bonito ver-se tantos juntos. Mas , convem que lhes ensine o que pode fazer com elles em casa. »

O Kuno tinha accendido fogo em um canto do jardim : puzeram em cima uma caçarola cheia d'agua. Antes de n'ella deitar os ovos, a senhora quebrou um para mostrar a seus convivas o que havia, e todos olharam bem attentamente o bello liquido cristallino no qual parecia boiar uma pequena bola amarella. Depois fez-se cozinhar tantos ovos quantos eram os convivas. Poz-se na mesa sal para temperal-os, e pão branco cortado em fatias finas. A senhora ensinou-lhes a quebrar os ovos e a molhar dentro o pão : todos acharam a comida deliciosa. « Temos ao mesmo tempo a comida e o talher, disseram ellas. E como tudo isto é bonito ! Que bonita côr, este branco com o amarello! Com que facilidade, com que ligeireza se cozinha um ovo! Não póde haver para um doente alimento mais barato e mais nutriente. »

A senhora quebrou depuis alguns ovos em manteiga derretida : novo prodigio para os carvoeiros. Como a gema está bem rodeada da clara ! disseram ellas, parece-se com os bemmequeres dos nossos prados. Depois puzeram ovos em cima de azedinha, e esta nova iguaría não foi menos apreciada que as outras. A senhora mandou servir ainda ovos feitos de outra maneira, e assim ensinou ás carvoeiras que os ovos não só são una excellente comida sós como tambem serve para preparar outras comidas.

Serviram então um bonito prato de salada. O risonho Kuno poz em um prato ovos que tinha deixado cozinhar até endurecer e que tinha deixado esfriar. Para divertir os convivas, elle deixou-os cahir no chão, como por descuido, e ouviu-se o ruido. As carvoeiras olharam e soltaram um grito : receiavam vêr os ovos quebrados e tudo perdido. Mas qual não foi o espanto quando viram a senhora apanhal-os, tirar a casca, e cortal-os em fatias ! Era um prodigio para ellas. A senhora ensinou-lhes a cozinhar ovos duros, e poz os ovos na salada. Nova iguaria tão bem apreciada como as outras.

Terminada a refeição, a senhora distribuiu ás mães de familia alguns gallos e muitas gallinhas, dizendo-lhes que uma gallinha chegava a pôr até cento e cincoenta ovos por anno. « Mais de cem ovos ! exclamaram ellas, que riqueza para uma casa de familia! »

Ao voltarem para suas casas, as boas mulheres alegraram o valle : todos abençoaram a generosa senhora e renderam graças a Deus por um tão grande favor.

Por muito tempo as gallinhas foram o assumpto de todas as conversas ; todos os dias n'ellas achavam uma novidade, uma utilidade, uma singularidade. O canto matinal do gallo foi a alegria dos paes de familia. « Elle annuncia o dia, diziam elles, e chama o homem para o trabalho. É uma outra vida no valle : quando os gallos pòem-se a cantar, cada pessoa vai á sua tarefa com o coração alegre. — Isso é verdade, disse o moleiro ; quando o gallo canta pela primeira vez, lá pela meia-noite, parece que elle esta dizendo á gente folgazã que são horas de se separar e ir dormir. »

As mães de familia não deixaram de notar que a gallinha as prevenia com o seu canto que acabava de pôr um ovo ; era sempre uma alegria na casa quando se a ouvia cantar. « Quando ella nos dá um ovo, a gente sabe logo e pode-se ir buscal-o para guardar. »

Os paes e as mães diziam sempre : « Estes passaros foram feitos para viver com a gente : vê-se que Deus os fez com este fim. Elles se conservam fielmente ao redor da casa, pouco se afastam, vêm logo quando se as chama ; á tarde ellas voltam sósinhas, esperam á porta ou em baixo das janellas até que se as faça entrar. São muito uteis n'uma casa de familia e não custa muito para nutril-as. Um pouco de farello, algumas cascas de legumes, um pouco de milho : eis tudo de quanto precisam. Elles mesmos a passear todo o dia sempre acham d'aqui ou d'alli com que nutrirem-se. Assim é que milhoes de grãos que se perderiam no tempo da collheita, voltam ainda

Assim que a gallinha cantava, Martha ia apanhar o ovo.

em proveito da gente. As gallinhas Os procuram e comem, e em troca d'isso nos dão ovos. A viuva por mais pobre que seja tem com que criar uma gallinha, e o ovo que a ave lhe dá todas as manhãs é uma esmola diaria para ella. »

Os filhos da senhora viram então quão é precioso um ovo que elles olhavam com indifferença quando viviam na abundancia. Oh ! como elles ficavam contentes quando no almoço davam-lhes um ovo batido com leite ! Como saboreavam umas tantas iguarías que d'antes elles desprezavam ! Como agradeciam a Deus tantos beneficios!