O freteiro, depois de deixar a carga em casa de Paula, foi bater à porta de Rogério Monte para entregar-lhe a carta que vinha do Aracati.

O velho, depois de reparar para o sobrescrito, agradeceu e despediu o freteiro, dizendo-lhe tranqüilamente:

— É do meu correspondente, muito obrigado!

Pôs-se a ler; mas em meio da carta a sua fisionomia perdeu repentinamente a serenidade, e foi com as mãos trêmulas, os olhos banhados em lágrimas a custo retidas, que Rogério concluiu a leitura.

— Cão! - exclamou ele - E eu que fiava-me tanto nas suas palavras!

— O que foi, meu pai? - perguntou de dentro a voz meiga de Irena.

— Nada, filha, negócios - respondeu Monte buscando modificar a entoação colérica da sua voz.

Irena, porém, amedrontada pelo tom rude de seu pai, tom de que ele se apenas servia quando falava dos Feitosas, correu para junto de Rogério. Ao vê-lo estremeceu pelo seu amor: o semblante demudado, as lágrimas, que marejavam-lhe e bailavam-lhe nas pálpebras inopidamente, eram o testemunho de uma dor profunda, e esta dor, pensava Irena, só lhe podia causar um Feitosa.

Saberia ele já da sua paixão condenada? Saberia que a vida de uma filha dos Montes dependia hoje do amor de Augusto Feitosa? Na véspera, seu pai tinha estado com o vigário, e bem podia ser que esse homem sem coração, cujos olhos seguiam os passos de Eulália, como a cascavel o rasto da vítima, tivesse surpreendido alguma coisa que deixasse perceber não ser Eulália, mas sua amiga, a amante de Feitosa.

A palidez dos cadáveres estampou-se no rosto de Irena, desde que lhe roçou a imaginação a ponta de semelhante pensamento. Paula não seria tão discreto que o ocultasse; gostava de ferir, e não se importava com a profundidade do golpe, senão para torná-lo maior. Seu pai já sabia do seu amor, pensou Irena; e foi com um tom suplicante, quase ajoelhando-se, que ela perguntou a Rogério:

— Está zangado comigo, meu pai?

— Não; não estou mal contigo, não, minha filha; mas deixa-me: quero ficar só. Deus te abençoe.

Irena saiu torturada pela suspeita desesperadora. Cada hipótese que figurava para explicar a repentina tristeza de Rogério ia enfarontar com o seu amor. Estava, pois, perdida, presa de um dilema horroroso: ou morrer, ou desonrar seu pai, que não lhe perdoaria nunca a profanação das tradições da família. Uma aluvião de pensamentos contraditórios tripudiavam sobre a sua exaltação. Ora via-se feliz, recebendo as carícias de Augusto, arrebatado num êxtase, suspenso da meiguice dos seus olhos azuis muito úmidos; ora via Rogério, taciturno, inconsolável, satisfazendo-se em agravar em silêncio a dor que ela, sua filha, causara-lhe já no declínio da vida, quando tinha direito a receber-lhe carícias, em troca das que lhe prodigalizara durante a infância e ainda agora na puberdade. Ora via-se pálida, desgrenhada, emagrecendo silenciosamente, irritando-se com tudo, aborrecendo todos, censurando intimamente seu pai como causa do seu infortúnio; ora o velho Monte, na intimidade de Queiroz, queixando-se da ingratidão inesperada, que o tinha vindo tomar de assalto na hora em que ele, com o coração transbordando de ternura, chegava-se, como de costume, à porta do quarto, para deitar a bênção à filha idolatrada.

E o espírito timorato de Irena, lutando na onda de contradições, não sabia resolver! Queria ao mesmo tempo a bênção paterna e as caricias de Augusto, e, no entanto, era obrigada a escolher entre elas, porque a fatalidade as separara para sempre.

Pé ante pé, Irena veio coser-se com o umbral da entrada da sala e espiar seu pai, o que era o mesmo que açular o seu padecimento.

Rogério continuava sentado, mas o peso do sofrimento fizera-lhe pender a cabeça, que conservava sobre os punhos cerrados. A vela, com a sua claridade frouxa, colocada a pouca distância dos cabelos brancos do criador, repassava a sala de uma tristeza indefinível.

As lágrimas rolaram em borbotões dos olhos de Irena, que se viu forçada a fugir, para não ser traída pelos soluços.

— E sou eu a causa! - murmurava ela, sentada na rede do seu quarto. - Como pude ficar tão ingrata!

Monte, por sua vez, pensava em Irena. De espaço a espaço levantava a cabeça e, olhando para a porta por onde Irena tinha saído, agitava as mãos com os movimentos do desespero. Afinal levantou-se e caminhou até a porta do quarto da filha.

— Até amanhã, Irena! - exclamou; e como sentisse que ela se levantava para vir ter consigo: - não te incomodes, até amanhã.

Mas a moça não se conteve, e, saindo, tomou-lhe da mão, e, beijando-a, molhou-a com as suas lágrimas. Rogério tornou-se ainda mais desfigurado: abraçou-se com a filha, e deixou transbordar a sua comoção em soluços que pareciam vir do fundo de 50 anos de honestidade. Mas a energia do seu caráter para logo reportou-o à compostura do infortúnio honrado, e o velho, desligando-se delicadamente de Irena e enxugando morosamente as lágrimas, que lhe rolavam das pálpebras sobre os louros cabelos da filha, disse com uma resignação simulada:

— Guardemos as lágrimas para mais tarde, para quando tivermos de separar-nos eternamente. Vá dormir - acrescentou com um sorriso triste -, não seja manhosa.

Uma vez separados, Rogério foi tomar o seu lugar junto a mesa, e Irena deitou-se de bruços na sua rede, debulhada em lágrimas.

As palavras de Rogério tinham-lhe agigantado a suspeita: sabia já, decerto, tanto que lhe falara em separação eterna, pensava ela; e, injuriando-se, maldizendo-se, lutava com o seu amor como que para esmagá-lo.

Era uma luta inglória: o sentimento que a absorvera tinha raízes profundas e força tamanha que rompera através dos preconceitos de dois séculos. Bradava-lhe com o egoísmo impassível do avaro, que não ouve lamentações as mais doridas, e inexorável, frio, desdenhoso, levantava-se-lhe diante, exigindo-lhe vida e expansão.

— Minha mãe, minha boa mãe - repetiu Irena -, salvai-me!

Os soluços e o pranto estancaram-se-lhe por momentos, e levantando-se, alisando precipitadamente as têmporas, murmurou resolutamente:

— Vou dizer-lhe tudo, ele há de perdoar-me: não quero, não devo casar-me com um Feitosa.

Não chegou porém a mover o terceiro passo. Estatelada, comprimindo o seio com a mão alva e pequena, afogando-se de novo em lágrimas e soluços, exclamou com entoação desesperada:

— Não posso; não quero morrer!

Tamanho sofrimento foi na manhã seguinte duplicado ainda por um novo golpe.

Muito cedo o mal-estar da insônia fê-la deixar o conchego morno da rede, e levantar-se cautelosamente, para ir colocar-se à janela do quarto que dava para a horta. A claridade esparsa no calor da lua cheia afluía para o oriente, congestionando-o de luz. Os cajueiros muito esgalhados, diante das gravioleiras folhudas, muito copadas, pareciam entes aflitos suplicando piedade a poderosos indiferentes. A hortaliça meio amarelada, quase rente com o solo nos canteiros escuros de estrume, como que pediam lhe que fizesse apressar a rega.

Começavam a chocalhar à entrada da pequena feira os animais de carga, e muitos dos moradores da praça vinham espreguiçar-se à porta, esticando os braços até bater nos umbrais com os punhos cerrados. Grande número de pessoas encontrando-se, parando, desviando-se, voltando atrás, subiam e desciam as ribanceiras descobertas do Jaguaribe, e uma vez sobre o seu leito, acocoravam-se em torno dos poços para tirar água com as vasilhas negras de barro, ou com as borrachas, espécie de albornozes fechados, com um estreito gargalo.

Mas no céu, como na terra, não havia esse regozijo deslumbrante do nascer do dia, senão uma tristeza que buscava disfarçar-se com a prodigalidade da luz, com as risadas dos carregadores de água, com o verdor das gravioleiras.

Irena, com os braços seminus cruzados sobre o peitoril, os cabelos louros arrufados pelas reviravoltas da insônia, os olhos amortecidos, as pálpebras manchadas pelo pranto, olhava sem fixidez para tudo isso, como se tudo fosse novo, desconhecido para si.

De súbito, estremecendo toda, tiritou com um calafrio, e encurvou a mão em roda da orelha avermelhada pela pressão noturna. Fraco, porém perceptível, espalhou-se no silêncio o ruído do abrir de uma fechadura enferrujada, e momentos depois passou pela frente da horta, cabisbaixo, com um passo tardo, o velho Rogério Monte.

— Vai lamentar com os nossos amigos a minha desobediência - pensou Irena.

Depois, sacudindo tristemente a cabeça, exclamou:

— Desgraçado pai!

E imóvel como se estivesse presa, conservou-se na janela apesar do sol nascente envolver-lhe já a cabeleira farta no calor dos seus raios. Foi aí que o velho Monte, de volta da sua excursão matutina, veio abraçá-la e deitar-lhe a bênção paterna, e emoldurá-la num olhar suplicante.

— Estás doente, minha filha? Estás tão pálida!

— Fiquei triste ontem - respondeu timidamente a moça -, vi-o tão abatido!

— Ah! É verdade, estive deveras acabrunhado, mas passou.

Uma palidez mortal traiu-lhe porém o desassombro que afetava com as palavras, e os seus lábios depuseram convulsamente um beijo na fronte de Irena.

— Ouve cá, minha filha: prometes não ficar triste com o que te vou contar?

O olhar da moça teve o movimento inexprimível da resignação, enquanto os lábios mentindo ao coração, como valido ao seu rei, murmuraram com uma inflexão tristíssima:

— Prometo.

— Tua mãe era corajosa; no princípio da nossa vida tudo parecia conspirado contra nós, e ela confortava-me sempre. Tu és boa como ela, sê forte também. Prometes?

Irena meneou a cabeça afirmativamente, e acompanhou seu pai até a sala. Sentaram-se ambos. Então Monte, tirando do bolso a carta que recebera na véspera, leu com voz trêmula:

"Dificuldades de nossa casa obrigaram-nos a dirigir-nos a todos os nossos honrados amigos do sertão, a fim de nos entendermos sobre a maneira de liquidar prontamente as nossas transações.

Assim, pois, ficamos à espera de ordens de V. Sa. para que possamos, amigavelmente como até hoje temos sempre resolvido os nossos negócios, desobrigar-mo-nos mutuamente dos nossos encargos.

Pela conta corrente junta, verá V. Sa. que das nossas transações resulta para V. Sa. um débito de 4:578$000, a que temos direito".

Irena resfolegou no fim da leitura: não era ela a causa do sofrimento de seu velho pai, e esta certeza deu-lhe ao coração azo para desafogar num suspiro.

Monte, comovido e quase humilhado, dobrou a carta e, depois de metê-la cuidadosamente no bolso, principiou a desdobrar a sua vida à filha atenta e compungida:

Ficara muito moço com os encargos da casa paterna, havia cerca de 40 anos, e através das perseguições que sofrera dos seus rivais, que se aproveitaram das comoções revolucionárias da época para continuar a série das suas vinganças, conseguiu honrar a memória de seus pais. À força de trabalho conseguira, com o concurso de sua finada esposa, colocar-se em pé de resistir à seca de 45 e manter-se sempre em posição que, se não era a abastança, era pelo menos o necessário para a vida e socorrer aos desvalidos. Agora, porém, a fatalidade tomara-o de assalto, e tinha de voltar talvez à penúria dos primeiros tempos da vida. Por isso, ao receber a carta que o sentenciava à pobreza, o seu primeiro impulso foi responder enviando para o Aracati, a fim de reembolsar os seus credores, os únicos bens de valor que lhe restavam: as suas duas mucamas, os três escravos e a cria que era o encanto da filha.

— Não há de ser preciso, meu pai; Deus lhe dará outros meios... Olhe! Para que não vende o sítio que não dá agora lucro nenhum? - perguntou Irena sofregamente.

Um sorriso desconsolado de Rogério Monte acolheu o conselho da inexperiência da moça. As terras nada valiam agora; o sol sugara-lhes a seiva e reduzira-as à infecundidade; ninguém daria hoje por elas nem a décima parte do seu preço. Os únicos valores atualmente eram os escravos, e era deles que lançaria mão na hora extrema. Ia ao Aracati combinar com os seus credores, e de lá voltaria para seguir para o Ceará, onde tinha parentes. Estava tomada a sua resolução, porque, apesar de não ser soberbo, não teria forças para pedir no lugar em que sempre dera.

— Está, pois, assentado - concluiu Monte. Devo partir amanhã e tu irás ficar na casa de Queiroz.

— Mas não seria melhor que ficássemos aqui? Vive-se com pouco tão bem como com muito - ponderou Irena.

Não entendes felizmente disto, minha filha; dentro em pouco a fome há de vir bater a todas as portas.

— Com licença - exclamou da porta o vigário Paula... - Continuem, se não é segredo.

— Não, não é segredo, e demais eu não os teria consigo. Entre e sente-se.

Irena saiu ao encontro de Paula para beijar-lhe a mão, e aproveitou o ensejo para sair da sala, onde era obrigada a sufocar o tumulto do seu coração contra a resolução tomada por Monte: a mudança da paróquia de B. V.

— Traz-me aqui hoje um interesse da religião e do governo - disse Paula -, e venho pedir-lhe auxílio.

Desencapou demoradamente o ofício que recebera à noite, e entregou-o a Rogério Monte.

— Leia; é o primeiro a quem me dirijo.

Era uma circular do governo. O coração benfazejo do velho presidente da província alarmara-se desde o segundo dia de abril, com a chegada de grupos famintos e maltrapilhos na capital. Nesta mesma noite o honrado funcionário fora até a praça da Assembléia levar a consolação e o amparo aos retirantes que aí tinham estadiado, inundando de consternação a cidade estupefata.

Desde logo o governo provincial, apesar de seus escassos recursos, pôs-se em campo a fim de evitar que o sertão desabasse para sobre as cidades do litoral, e criou comissões por toda parte, autorizadas a socorrerem os miseráveis, e a detê-los nas suas circunscrições. Tais instruções continha o ofício, pelo qual Paula, Rogério Monte e Francisco de Queiroz eram solicitados pelo presidente a aceitar o cargo de comissários dos socorros públicos.

— Infelizmente não posso ter a honra de servir - respondeu Rogério, restituindo o ofício ao vigário.

— Por quê?! Não era isto o que eu esperava de seus sentimentos caridosos...

— Vou liquidar os meus negócios aqui, meu amigo, e retirar-me da paróquia.

— Está zombando de mim, seu velho? Vá com Deus, porque eu também não me demorarei muito; mas enquanto está, aceite.

— Não posso. As minhas dívidas reduzem-me atualmente a precisar ser socorrido, e eu não quero ser acusado de tirar do governo às ocultas o que ele manda ser dado às claras.

— Ora, que escrúpulos tão fora de propósito!

— São modos de pensar.

Houve um silêncio embaraçoso, que foi finalmente quebrado pelo vigário.

— Quase que não tenho coragem de fazer-lhe um outro pedido.

— Paciência.

— Eu vinha pedir-lhe também consentimento para que a nossa meiga Irena fizesse parte de um grupo de virgens destinado a cuidar das crianças e dos enfermos. Mas a sua frieza...

— A minha tristeza antes. Irena não se negará decerto; eu não posso servir, leia esta carta e dê-me razão.

— Mas, que diabo! Por quatro contos e quinhentos você quer enforcar-se? - exclamou o vigário após a leitura.

— É tudo quanto possuo hoje!

— E as terras, e o gado, e tudo isso que o fazia tão estimado como esmoler?

— Ouça, Paula, você tem o mau sestro de rir sempre que os outros sofrem, e isto é mau.

— Não estou galhofando - respondeu sentenciosamente o vigário -, sinto até bastante o que lhe acontece, mas não hei de morrer por isto. Mande no que eu possa.

— Obrigado, meu... amigo; muito obrigado - respondeu Monte. E alteando a voz: - Quer você alguma coisa para o Aracati? Sigo breve.

— Boa viagem e pouca demora.

Paula saiu sem mostrar a mínima comoção. O seu coração frio, cheio de desprezo por tudo e por todos, bem que compreendesse quanto sofria o honrado criador, não teve para dar-lhe uma consolação sequer. A sociedade esmagara-lhe toda a aspiração lícita ao amor, e ele retribuía a opressora com a mais imperturbável perversidade. Por isso já uma vez havia dito:

— Não tenho parentes na terra; nada prende-me aos seus destinos: lavo portanto as mãos.

Para o velho Monte, pois, começara a via dolorosa da humilhação. Fora ele quem mais diretamente concorrera para que o padre Paula fosse colado vigário da paróquia. Dera-lhe a mais íntima familiaridade, estimava o mesmo, apesar de notar-lhe grandes erros e defeitos. Doeu-lhe por isso mesmo a inexplicável frieza que mereceu-lhe a história do seu infortúnio, e chamando por Irena, o velho disse com uma entoação sentida:

— Ouviste, filha? Olha como é o mundo: a adversidade tem o cheiro da lepra, que só pode ser tolerado pelos amigos sinceros.

— Se estes que nos conhecem tratam-nos assim, o que não farão os outros, meu pai?

Era uma reflexão dolorosa, mas verdadeira. Paula, com os seus oferecimentos e protestos de ponta de lábios, com a sua condolência banal, era apenas o primeiro termo da progressão de desgraças que lhes cumpria percorrer. O mundo da miséria, com as suas estradas tortuosas, lamacentas e fétidas, os seus dias de mendicidade suplicante e abatida em face dos insensíveis, dos maus e dos cruéis, rasgou-se-lhes diante com avareza cruciante de terra e de céu, de risos e lágrimas, de estimas e maldições, monótono, sombrio, esmagador. É verdade que o velho Monte não havia pensado em estender a mão aos transeuntes, em viver da comiseração passageira, da esmola sem carícia às vezes até desdenhosa dos agradecimentos que recebe. Mas o seu futuro era contudo um problema assustador, cuja solução limitava-se à piedade. Ou os seus credores recebiam-lhe a honra em caução das dívidas, ou teria de recorrer aos seus parentes e aos amigos velhos. Em todo o caso a sua vida ficava dependente da piedade alheia, e esta é sempre inconsistente e variável.

— A frieza dos desconhecidos doerá menos, minha Irena - concluiu Monte -, custará menor tristeza e humilhação.

— Mas não era hoje, meu pai, que vosmecê devia resolver; está ainda muito vivo o golpe.

— Amanhã estará ainda mais profundo e incurável: as feridas da infelicidade são mais fáceis de gangrenar que de cicatrizar. É preciso que partamos, que saiamos daqui, e prouvera a Deus que pudesse ser já!

A comoção violenta, produzida por estas palavras no ânimo de Irena, bebeu-lhe de um sorvo todo o sangue. Pálida, entontecida, avassalada pela angústia, pediu ao velho Monte que a levasse para junto de Eulália, ou trouxesse esta para junto de si.

— Pobre filha - suspirou Rogério saindo para levar o chamado -, como sofre, e como é pobre de forças para o martírio que a espera!