Aquele dia, era de lição de piano. Manhã cedo, ao levantar-se, mlle. Alzirinha tomou o seu banho, penteou o seu cabelo cor de mel, que não cortara segundo a moda, e às oito horas estava já na sala, pedalando com maestria, enquanto a mão corria, ligeira, pela dentadura alvi-negra do seu "Pleyel" cor de castanha.
Com seus dezoito anos sadios, Alzirinha Batista era uma linda mulher em formação. Morena, olhos negros, seios turgidos, orelhas pequeninas e vermelhas como duas pétalas de uma rosa desfolhada pelo vento, possuía uma linda boca miúda, e uns dentinhos de rato feitos, parece, de propósito para aquela boca.
Naquele dia amanhecera, entretanto, um pouco indisposta. O jantar da véspera, na casa dos Peixoto Rocha, não lhe fizera bem; tanto que, ao chegar em casa, a mãe lhe dera a tomar uma dose de bicarbonato, que a moça ingeriu, entre caretas. E era assim que ali estava, ao piano, sozinha na sala, à espera da professora. A mão corria-lhe, rápida, da esquerda para a direita do teclado com uma proficiência de mestre. E o piano gargarejava, multiplicando as notas, quando, a certa altura, a moça parou, levantou-se ligeiramente no banco de rodízio, fez uma cara de esforço e de sofrimento, e, soltando um gemido, exclamou:
— Arre! Que alívio!...
Reencetou a lição, tocou as escalas mais algumas vezes cm assombrosa agilidade e de novo, parou. Fez os mesmos movimentos, o mesmo esforço, a mesma cara, soltou o mesmo gemido, e, com ele, a mesma exclamação:
— Que alívio!...
De repente, porém, no meio da lição, notou, pelo reflexo no piano, um vulto, atrás do banco.
Voltou-se de súbito, e empalideceu: estava ali, à sua frente, o Abelardo, seu noivo, que, tendo entrado sorrateiramente na sala, ficara atrás, de pé, afim de não interromper o estudo.
— Meu Deus do céu! — exclamou a moça, de si, consigo; — ele terá ouvido alguma coisa?
E procurando dominar-se, um sorriso contrafeito ao canto da boca e cravo:
— Desde quando você está aí?
— Eu? — fez o rapaz, brejeiro.
E impiedoso:
— Desde o primeiro alívio...