O curioso dessas coisas todas é que ninguém quer ficar com os sentimentos ocultos. Eles se lembram de manifestá-los, desta ou daquela forma, aqui ou acolá.
Se a tua dor te incomoda, faze dela um poema, mas o que se não pode entender é que certos sujeitos não podendo fazer dela um poema, venham pedir que se revele pelas colunas dos jornais o espetáculo de suas mágoas e amores.
Tudo isto é respeitável e digno; mas o que não é digno é revelar semelhantes coisas.
Não há dia que não recebamos cartas de amorosos declarando os seus sentimentos à sua amada: não há dia que não encontremos no nosso correio denúncias de despeitados contra as suas prováveis apaixonadas. Tudo isto é absolutamente idiota e não é de nossa competência. Estamos aqui para fazer troça, pilheriar contra a humanidade; mas não para atravancá-la com perseguições e maldades.
Imaginem os senhores se fossemos publicar com o nome a bobagem que ai vai.
Nós fazemos para regalo dos nossos leitores, mas pedimos que semelhantes missivistas não repitam a pilhéria de nos incomodar com semelhantes tolices.
Eis aí a carta:
"Ilustríssimo senhor redator da Careta.
Com máximo respeito, solicito um abrigo a este escrito na página literária do vosso jornal, de antemão agradeço, a vossa gentileza.
À F...
Através das blandícias e amplexos dos que te admiram, passas feliz o teu aniversário! No entanto, eu, sorvendo a poção de tantos sofrimentos, assisto passar como que uma caravana, tudo, quanto senti, neste amor agora indelével! Esperanças, não mais me alegram a face merencória! Caminho esta trilha que se chama vida, prestes, a encontrar talvez, o recanto escuro, onde, o corpo se exila do mundo e a tal terra de ilusões, não volta mais! nunca mais! Perdoa-me, a liberdade de te dirigir estas linhas. Antes porém, de dar termo a este conjunto medíocre, prosternado, recitarei, por esta data faustosa, uma prece a Deus, para que sejam marchetados de rara felicidade, os dias, que te restam na vida, acobertados, com o manto sublime da virtude e da Glória! São estes, os sinceros votos, que te não esquece de desejar, o teu admirador humilde
J. G. Júnior"
Foi este senhor Gonçalves que nos enviou esta carta, sobre a qual escrevemos os comentários que aí vão.
Careta, Rio, 27-9-1919.