1Os dias se vão,
os tempos se esgotam,
para todos trotam,
só para mim não:
tanta dilação
quem há de curtir?
O tempo a não vir,
e eu por meu pesar
sempre a esperar,
o que tanto foge;
casemo-nos hoje,
que amanhã vem longe.
2O tempo sagrado
vem com tal vagar,
que deve de andar
manco, ou aleijado:
eu com meu cuidado
morto por vos ver,
e o tempo a deter
a dita, que espero,
da qual eu não quero,
que ele me despoje;
casemo-nos hoje,
que amanhã vem longe.
3Por uma hora mera,
que Píramo andara,
e à Fonte chegara,
onde Tisbe o espera,
nunca acontecera
colar-se de emboque
no seu mesmo estoque,
deixando uma ponta,
onde a Moça tonta
a morrer se arroje;
casemo-nos hoje,
que amanhã vem longe.
4Por uma hora avara,
por um breve instante,
que Leandro amante
no mar se arrojara,
nunca se afogara,
e Eros de tão alto
não dera tal salto;
porque quis o fado,
que ela, e o afogado
a praia os aloje:
casemo-nos hoje,
que amanhã vem longe.
5Hoje poderei
convosco casar,
e hoje consumar,
amanhã não sei:
porque perderei
a minha saúde,
e em um ataúde
me podem levar
o corpo a enterrar,
porque vos enoje:
casemo-nos hoje,
que amanhã vem longe.