Os heróes brazileiros na campanha do sul em 1865/2
S. A. O SR. CONDE D’EU
Quer a providencia que, assim como ha homens que, nascidos nos mais humildes planos da sociedade, se elevem por seus meritos, ou pelo mysterioso influxo dos acontecimentos, aos mais subidos cargos da republica, outros haja que, sorrindo ao mundo em um berço de purpura, se vejão mais tarde, (tal é a instabilidade dos destinos humanosǃ) reduzidos quasi á obscura condição dos mais ignorados filhos do povoǃ
Estes exemplos notaveis são tambem grandes lições que nos lega a historia, e de que se devem aproveitar as nações, quando, nesses solemnes momentos do exame da consciencia nacional, os seus historiadores transmittem á posteridade os annaes de suas grandezas e o severo estudo de suas revoluções, tanto sociaes, como politicas.
O seculo que atravessamos tem sido prodigo em fornecer-nos alternativas desta natureza.
Herdeiro das idéas que em constante conflagração agitárão tanto o movimento intellectual como as paixões e os fanaticos interesses do seculo dezoito, o nosso seculo tem procurado realizar na esphera das combinações paticas os principios que servirão de base ás theorias dos idealistas e dos philosophos das gerações anteriores, ensaiando todos os meios que podem apressar a solução do problema do futuro social.
A questão de principios parece achar-se hoje felizmente resolvida, quanto á forma de governo. E, se em algum ponto do mundo o systema constitucional representativo se acha comsubstanciado com a indole e as aspirações de um povo, é seguramente entre os Brazileiros, para quem, depois das influições que vêm de Deos, se acha toda a sua grandeza e prosperidade symbolisadas no monarcha, que, durante o tumultuario periodo de seu reinado, tem consolidado a nacionalidade e tornado uma verdade pratica as instituições liberaes do paiz, com assombro de seus contemporaneos e gloria para o continente americanoǃ
A solidez dos thronos, mais antiga e tradicionalmente firmada, nem sempre tem podido resistir, no meio do conflicto universal, aos abalos das revoluções. Ao estrondo destas grandes catastrophes, originadas sem duvida pelos occultos e imperscrutaveis arcanos da Providencia, os povos ficão por um momento como que assombrados de sua propria audacia, e a humanidade continúa depois a sua peregrinação para as regiões do porvir, tirando dos acontecimentos a lição e das lições a experiencia, que é por assim dizer a primeira iniciação da verdade!
Assim, não é raro, após o embate de tão encontrados commettimentos, encontrar nivelados com o povo, e sob a rude barraca do soldado no meio dos campos de batalha, aquelles que, tendo nascido entre os arminhos da purpura magestatica, o destino arremessou um dia do alto da opulenta realeza ao humilde e obscuro recanto popular.
A desgraça e o talento são como o raio, santificão o homem. Quando os acontecimentos fazem do proscripto um rei e do soldado um heroe, a sua fronte laureada cinge em lugar de um dous diademas. Conhecedor pelo contacto e pela conveniencia das desigualdades das condições sociaes, afeito á luta e ao infortunio, costumado a partilhar as alegrias de seus semelhantes e a soffrer com elles os trances mais dolorosos da vida, o principe que passou por estas alternativas está mais apto que nenhum outro para invesLigar com seu olhar profundo e perscrutador as necessidades de seus subditos, e os meios efficazes de lhes remediar ou suavisar as tribulações, que lhe devem ser tanto mais afflictivas, quanto lhe são conhecidas; e deste modo o povo, que o idolatra, encontrará nelle ao lado do supremo juiz o agasalho não menos sublime do protector e do pai.
Traçando esta breve noticia biographica de S. A. o Sr. Conde d’Eu, naturalmente nos occorrêrão essas reflexões, encontrando no joven principe o modelo de todas as virtudes, e tanto em seus proprios e elevados sentimentos, como nas peripecias de seu passado, tão curto ainda e tão entremeiado de singulares acontecimentos, um dos mais seguros penhores da confiança que depositão os Brazileiros na escolha de seu augusto monarcha e nas raras qualidades que adornão o neto do grande rei Luiz Felippe.
S. A. Real o Sr. D. Luiz Felippe, Maria, Fernando, Gaston, d’Orleans, Conde d’Eu, nasceu em França a 28 de Abril de 1812. E’ S. A. filho do Sr. Duque de Nemours (segundo filho do fallecido rei Luiz Felippe) e da tambem finada Sra. Duqueza Victoria Augusta de Saxe Coburgo Gotha.
Curtos são os dados que pudemos obter para esta noticia. Consta-nos apenas que S. A. foi nomeado alferes do exercito hespanhol em 15 de Dezembro de 1859. Seguio logo para o exercito em operações na Africa, debaixo das ordens immediatas do marechal D. Leopoldo O’ Donnel (depois Duque de Tatuam).
Foi S. A. o Sr. Conde d’Eu condecorado pelo mesmo marechal no campo da batalha, depois de uma brilhante carga de cavallaria, em que muito se distinguio nas immediações de Tatuam.
Posteriormente entrou de novo em fogo S. A. nas acções de 31 de Janeiro e 4 de Fevereiro, defronte de Tatuam, na tomada do acampamento inimigo neste ultimo dia, e na tomada daquella cidade no dia 6.
Tomou parte tambem na acção de Sanza, a 11 de Março, e na batalha dos Guadrós a 23 do dito mez, tornando-se notavel sempre pela sua intrepidez e bravura, espirito reflectido e sangue frio.
De volta á Hespanha estudou S. A. no collegio de Segovia as materias necessarias pára entrar no corpo de artilharia, obtendo sempre a nota «muy bueno.» até a conclusão desses estudos em Março de 1863.
São estes os dados chronologicos mais importantes da biographia de S. A. o Sr. Conde d’Eu até a sua chegada ao Brazil, e facil é ver resumida nestas poucas datas a maneira porque dignamente desempenhou o illustre principe a sua missão de soldado.
II
Do auspicioso consorcio de S. M. I. o Sr. D. Pedro II com S. M. a Imperatriz D.
Thereza Christina nascèrão, além do principe imperial D. Affonso, tão prematuramente
roubado aos desvellos paternaes e aos extremos da nação, as duas augustas princezas, a
quem os Brazileiros se acostumarão a reverenciar e amar como aos dous anjos protectores
da monarchia e ás depositarias de suas esperanças porvindouras.
Debaixo da grave e intelligente direcção de S. M. o Imperador forão educadas suas augustas filhas com tanto acerto e sabedoria, que o Brazil póde jactar-se de possuir, fadadas para os mais altos destinos, duas princezas que são verdadeiros modelos de todas as prendas com que se pode adornar o espirito e de todas as virtudes com que a Providencia dotou os seus escolhidos.
S. M. o Imperador tem sido não somente um pai exemplar pelo carinho e pelo amor, como o mais illustrado e solicito dos mentores de sua augusta progenie. Dotado de uma vasta intelligencia, versado em todos os segredos das sciencias modernas, dispondo de um cabedal immenso de conhecimentos, tanto theoricos como praticos, e reunindo a tudo isto as proveitosas lições da observação e da experiencia, o Sr. D. Pedro II, é um dos primeiros monarchas hoje existentes e uma das mais ricas organisaçõés intellectuaes.
Póde portanto calcular-se sob tão lisongeiros auspicios qual seria o empenho com que o sabio chefe do Estado procurou que a educação das augustas princezas, e sobretudo daquella que lhe está destinada a succeder no throno, correspondesse aos elevados encargos que lhe estão reservados e aos conhecimentos e ao progresso da civilisação e do seculo.
Chegando a princeza imperial aos dezoito annos de idade, procurou seu augusto pai dar-lhe, bem como á sua irmã, um esposo digno de completar pelas tradições gloriosas do passado e pelas aspirações sinceras e francas do futuro a sua felicidade, bem como a da nação sobre a qual um dia terá de ser o anjo tutelar e legitima herdeira das beneficas e santas virtudes de sua estremosa e idolatrada mãi.
Foi S. A. o Sr. Conde d’Eu o escolhido para enlaçar este feliz consorcio. Partindo para o Brazil e tendo chegado a Pernambuco no dia 28 de Agosto de 1864, entrou no Rio de Janeiro a 2 de Setembro do mesmo anno, onde foi recebido com as honras devidas ao seu nascimento, e no meio da curiosidade e do sympathico acolhimento da população.
Resolvido o ditoso consorcio, realizou-se elle a 13 de Outubro de 1884. Teve lugar este acto solemne com a pompa e o luzimento de uma festa verdadeiramente nacional.
A nação brazileira symbolisou neste facto a consagração das tradições monarchicas. A dynastia imperial recebeu mais uma confirmação de sua perpetuidade. O povo exultou com este acontecimento, e a sua alegria foi verdadeira porque era originada na consciencia intima de sua propria felicidade.
Pouco tempo permittio, porém, o destino que os dous jovens consortes gozassem no remanso da paz os seus primeiros dias de amoroso jubilo.
Tendo partido para Europa, logo depois de unidos pelos laços matrimoniaes, e percorrido as principaes cortes européas com o acolhimento e a cordial sympathia que por toda a parte despertava o par augusto, regressou S. A. Imperial e S. A. o Sr. Conde d’Eu a esta capital, no momento em que os acontecimentos da guerra do Paraguay e o estado tumultuario em que se achava a provincia do Rio-Grande reclamavão a presença de S. M. o Imperador no theatro da guerra, onde o devião acompanhar, como realmente succedeu, seus augustos genros.
Nomeado marechal do exercito, e ao lado do Sr. D. Pedro II, desempenhou S. A. o Sr. Conde d’Eu com intrepidez e honra as funcções de seu elevado cargo, partilhando muitas vezes com o augusto chefe do Estado as inclemencias e os transtornos de uma digressão tão longa, quanto espinhosa e arriscada.
Em todas as peripecias desta viagem e desta parte dos acontecimentos da campanha do Sul deu sempre S. A. o Sr. Conde d’Eu as mais significativas provas de sua coragem, resignação em presença das privações, esforço e animo para supplantar a adversidade e os contratempos, bom senso e sangue frio nunca desmentidos, e finalmente dessa discrição e acerto que são os dotes apurados das organisações escolhidas.
Voltando de novo com seu augusto sogro á capital do imperio, depois da gloriosa rendição de Uruguayana, voltou de novo o principe aos braços da joven e idolatrada herdeira da corôa do imperio, indo residir para o seu palacio das Larangeiras, onde actualmente habita.
Continuando a desempenhar os deveres de sen elevado posto, tem S. A. mostrado-se solicito no bem publico e incansavel em acompanhar o Imperador nas suas quotidianas visitas as fortificações, arsenaes, navios de guerra e estabelecimentos publicos da capital, onde a sua presença e dedicação podem concorrer para animar os trabalhos e dar incremento aos melhoramentos materiaes e moraes da côrte.
Taes são os factos que em poucas palavras resumimos ácerca dos dados chronologicos da vida ainda tão juvenil de S. A. o Sr. Conde d’Eu. Conta apenas 23 annos de idade. E’ condecorado com todas as ordens do imperio e muito perito nas artes militares.
Estas linhas não encerrão, pois, uma biographia; são apenas o preludio esperançoso de uma epopea do futuro.
E. Zaluar.
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