Não sei há quantos anos ouço falar nessa questão de próprios nacionais ocupados indevidamente por particulares.
De onde em onde, um paredro lembra na Câmara ou no Senado um alvitre para acabar com semelhante abuso; mas a coisa continua como dantes.
O maior escândalo dessa ocupação indébita foi dado pelo senhor barão do Rio Branco que, sem lei, autorização, artigo de regulamento, transformou o palácio do Itamarati em sua residência. Ninguém nada disse, porque o senhor Rio Branco podia perpetrar todos os abusos, todas as violações da lei, impunemente.
Guizot, Soult e Wellington, foram ministros de Estado em suas respectivas pátrias e nunca se arrogaram o direito de fazer o que entendessem.
Rio Branco, que, apesar dos seus grandes serviços, não tinha absolutamente o valor desses homens, começou por desobedecer à Constituição, não apresentando os relatórios anuais, transformando um edifício público em sua residência, nomeava para os lugares de seu ministério quem entendia, sem obedecer os artigos da lei, e acabou criando essa excrescência, essa inutilidade que é o lugar de subsecretário das Relações Exteriores.
Esse exemplo foi edificante e depois dele parece que o governo ficou desmoralizado, sem força, sem autoridade para pôr na rua os intrusos que se meteram nos próprios da Nação.
O meu ideal seria que o governo desse uma casa a cada um; mas, como sei muito bem que o custo dessas casas vai recair sobre os que menores cômodos ocuparem, afasto do meu pensamento tão idiota utopia.
O que está se dando é de uma desigualdade assombrosa.
Em todos os ministérios, principalmente no da Guerra, há umas certas pessoas privilegiadas que moram de graça em belos e magníficos palácios.
Não se trata absolutamente de funcionários que, por motivo do seu ofício, se admita tenham casas próximas aos estabelecimentos em que trabalham.
São viúvas, filhas, netas, bisnetas de generais, de coronéis, de majores, que acham muito natural que o Estado tenha para elas cuidados mais paternais que não têm com as viúvas, filhas, sobrinhas, netas e bisnetas de carpinteiros, de calafates, de marceneiros, etc.
Se o governo tem que proteger herdeiros, proteja logo o de todos os que trabalham ou trabalharam, mas não os de indivíduos desta ou daquela classe, para cuja comodidade e segurança ele vai até o ponto de gastar contos de réis na transformação de grandes edifícios públicos, como o antigo hospital do Andaraí, em "cabeça de porco".
Pai amantíssimo!
Correio da Noite, Rio, 23-1-1915.