Mas fosse! Este desventurado estylo que hoje se usa, os que o querem honrar chamam-lhe culto, os que o condemnam chamam-lhe escuro, mas ainda lhe fazem muita honra. O estylo culto não é escuro, é negro, e negro boçal e muito cerrado. É possivel que somos portuguezes, e havemos de ouvir um prégador em portuguez, e não havemos de intender o que diz? Assim como ha Lexicon para o grego, e Calepino para o latim, assim é necessario haver um vocabulario do pulpito. Eu ao menos o tomára para os nomes proprios, porque os cultos teem desbaptizados os santos, e cada auctor que allegam é um enigma. Assim o disse o Sceptro Penitente, assim o disse o Evangelista Apelles, assim o disse a Aguia de Africa, o Favo de Claraval, a Purpura de Belem, a Boca de Oiro. Ha tal modo de allegar! O Sceptro Penitente dizem que é David, como se todos os sceptros não foram penitencia; o Evangelista Apelles, que é S. Lucas; o Favo de Claraval, S. Bernardo; a Aguia de Africa, Santo Agostinho; a Purpura de Belem, S. Jeronymo; a Boca de Oiro, S. Chrysostomo. E quem quitaria ao outro, cuidar que a Purpura de Belem é Herodes, que a Aguia de Africa é Scipião, e que a Boca de Oiro é Midas? Se houvesse um advogado que allegasse assim a Bartholo e Baldo, havieis de fiar delle o vosso pleito? Se houvesse um homem que assim fallasse na conversação, não o havieis de ter por nescio? Pois o que na conversação seria necedade, como ha de ser discrição no pulpito?
Boa me parecia tambem esta razão; mas como os cultos pelo polido e estudado se defendem com o grande Nazianzeno, com Ambrozio, com Chrysologo, com Leão; e pelo escuro e duro, com Clemente Alexandrino, com Tertulliano, com Bazilio de Seleucia, com Zeno Veronense, e outros, não podemos negar a reverencia a tamanhos auctores, posto que desejaramos nos que se prezam de beber destes rios, a sua profundidade. Qual será logo a causa de nossa queixa?
Será pela materia ou materias que tomam os prégadores? Usa-se hoje o modo que chamam de apostillar o evangelho, em