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A dança do destino
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os que tinham um lar, um abrigo, uma enxerga, uma familia, ou um bocado de pão.

Mas antes de chegar o fogo à mina, o braço cahiu-lhe desfalecido, pendeu-lhe a cabeça sobre o peito, e um fundo suspiro, terminando num soluço, foi o ultimo arranco da tempestade d'aquelle cerebro de razão perdida.

Porque se imobilisou na resignação aquele engeitado da sorto, aquele perseguido do destino, prezo de todos os desesperos compreensiveis, endurecido pelo sofrimento, com a alma abatida e obsecada por todas as coleras?

Que estranha força lhe deteve o passo, que mão de ferro lhe suspendeu o braço vingativo, que misterioso entrave lhe aniquilou a resolução dementada e tremenda?

Um simples aviso, partindo não sabia d'onde, uma voz oculta que lhe chamava — louco! — a voz formidavel da consciencia que lhe gritava: — pára!

E êle deteve-se e parou e obedeceu, o desgraçado, o louco, o desespero feito homem, a vingança incarnada numa vontade resoluta, servida por braços de ferro e pernas d'aço.

Essa creatura sem inteligencia e sem instrução, sem principios nem ideais, encontrou em si mesmo a força precisa para se dominar, para vencer o seu odio e a sua colera, para neutralisar uma vingança medonha, calamitosa, tremenda. D'onde lhe veio essa força?

Quem lh'a inoculou na alma, a êle, que não teve escola, que não teve mestres, que não sabia ler nos