Gostava imenso da musica. Onde a ouvia parava logo a escutar e ficava-se embevecida, o olhar vago, um sorriso doce a pairar-lhe nos seus labios delgadinhos, alheada de tudo que a rodeava, vivendo talvez, uns instantes, dos sonhos que a musica be vinha recordar do sen passado, tão longinquo e, quem sabe? tão cheio de saudades!...
Afastava-se, por fim, repetindo muito de mansinho os motivos da musica que ouvira. Não reparava em ninguem, nem se importava, se, por acaso, as suas notas em surdina despertavam o riso.
Uma vez, ha tantos annos! quantos? Ainda eu era quasi creança. Atrahida pelas canções tremelicadas do velho Gaspar da viola, o popularissimo menestrel das ruas, que andava com a mulher e uma filha formando o trio desafinado e caracteristico da miseria cantante, num dia em que o pobre Gaspar, mais entusiasmado e mais rouco do que nunca, cantava na rua em que eu morava, assomei à janela, quando passava justamente a já curvada e velhinha Cotovia. Ela parou a ouvir o esfarrapado trovador, e, encostada ao bordãosito, muito limpa e modesta. no seu vestido escuro, poz-se a contempla-lo com um olhar benevolo.
Ele, ao vê-la, desfecha-lhe logo a seguinte quadra, muito orgulhoso do seu engenho repentista: