Página:A Dança do Destino - Lutegarda Guimarães de Caires (1913).pdf/70


68
Collecção Antonio Maria Pereira

Quando, per fim, o trio se afastou, êle, desabafando o rancor contido, ao reparar na filha que estava à porta (uma pequena de 6 anos, com uma grande cabeça envolta num lenço de chita de côr duvidosa, cabeça de mulher assente num corpito microscopico e enfezado) e como ela ainda se conservasse espantada, extasiada talvez, pelo espectaculo raro que acabava de presenciar, na morta rua da Gloria, bradou-lhe enfurecido:

— Ó rapariga! Safa d'ahi! Vae ajudar a mãe, grande ralaça! Apegou-se-te a molestia da mandrice? pouca vergonha!... — e gesticulava — Lembrar-se a gente que está aqui um homem a trabalhar todo o ano, para sustentar esta malta!... e aquele maroto!... aquele velháco, então, só com duas piadas, a ganhar como um principe!...

E olhava em volta a procurar partido, mas as janelas iam-se fechando e os garotos afastavam-se ás cambalhotas, numa odiosa indiferença.

Então, o sr. Custodio sentava-se e recomeçava o seu complicado trabalho.

Com um suspiro mal abafado e um filosofico encolher d'hombros, murmurava:

— Ai mundo, mundo!

Ao longe ouvia-se a voz rouquenha do trovador das ruas, sulcada pelos guinchos desoladores da pobre tisica que o acompanhava. Seguiam, no seu fadario, os principes da miseria!

Pobre Gaspar! Aqui te deixo esta recordação, que te devo pela franca alegria que, na inconsciencia da minha infancia, me proporcionava sempre a tua