tiçados pela languidez perderam todo o seu brilho! E' a rosa que murchou e cahida agora na terra, ninguem a levanta, ninguem se lembra que ella foi já bella, desviam-na com o pé para que não estorve a passagem e vão colher as que estão ainda lindas, em botão!..
Ah! Não, a odieis! Piedade para ella, sim, piedade!... Abandonada agora por aquelles que a conduziram ao caminho da perdição, olhada pelo mundo com horror... que lhe resta?!.. Um hospital para morrer e um lençol para a amortalhar...
Oh! ninguem odeie a mulher perdida!..
Ninguem lhe inveje os luxuosos vestidos, e aquella a quem um anjo bom guardar, agradeça humilde a Deus pela ter perseverado do abysmo em que outras se arrojaram.
Porto 14 de maio de 1865.
Quem nunca viu a luz d'uma brilhante chamma
Que fulge, brilha, explende e pouco apoz se apaga?
Quem nunca viu a flôr, sobre um paul, na lama
Desfolhar e cahir da tempestade á vaga?..
A vida é pois assim. Um magico arrebol,
Um ligeiro, clarão que a nossa alma seduz...
E ha sempre una noite a involver um sol!...
E sempre um vento frio a derramar a luz!..
E sempre um craneo d'oiro, um talento sublime,
Ou Bernardim, ou Tasso, ou Raphael, ou Dante,
Ao vendaval da morte, é como um debil vime,
Que verga e cae no chão e... vive um só instante...
E tudo o que deslumbra e tem luz e calor,
E tudo o que arrebata e prende o nosso olhar,
E' um pouco de fumo, um ligeiro vapor,
Um turbilhão de pó, que passa pelo ar...
Comtudo a intelligencia é cratera incendida,
Que lança, a cada instante, immensa, ardente lava...
Se cança e desfallece e cae arrefecida
E' porque tudo passa e foge e morre e acaba...
Para ver se me affastava d'este trilhar de receios vagos, estendi sobre a relva as provisões, que levava, e não sem agrado as fui saboreando. Com o arôma das parcas iguarias não se dissolviam, no entanto, as tetricas objecções que a mim mesmo fazia. Tentei um arrôjo. Fiz por esquecer todos os episodios d'aquelle dia e pude depois de muito espraiar a imaginação travar com ella um dialogo de amorosa candura.
Eu contei-lhe as aspirações singelas e indeterminaveis, que sentia de ha muito em minha alma e ella dos fastos nebulosos do meu coração formou a seguinte legenda. — Imagina que estavas como agora, pendido o corpo sobre uma arvore, quasi dormindo, embalada a mente por um sonho angelico. Passa diante de ti uma mulher formosissima, com os seios nús, encostada com brandura no hombro d'outra mulher. Tu não a vês, porque tens a palpebra cerrada e ella não te descobre porque vai a contar quantas nuvens côr de roza formam o manto diaphano do sol. Passa a sua tunica longa sobre a tua face e os teus labios dir-se-hiam que a beijavam..
Era a primeira vez que sentia dentro em mim o fiat lux dos Petrarchas, que embalam em cada nota melodiosa de suas lyras uma Laura, que resume em si todas as bellezas do ideal. Nunca tinha sonhado nos perfis graciosos de uma estatua de mulher. Onde foi a imaginação beber as tintas com que se desenhava tão suaves linhas?.. processo obscuro. De que parte de desenrolaram as nuvens de prateado fumo, que punham em recato as virgens luminosas, que minha alma reflectia em todo o seu explendor singelo? — questão indecifravel!..
Depois ella, emquanto tu permaneces immovel, dirige-se para o lago azul, onde um raio de sol, que o poente abraça no cimo da montanha, se vem langorosamente quebrar e reflectir com meiguice. As aguas são transparentas, limpidas e serenas. Serenas sómente á superficie,