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A esperança
 

ra terra. Por bombordo apparecem os pinhaes de Sampayo e a estibordo o Ouro e Sobreiras. Lá surge pela proa a Cruz de ferro, e depois... é o Oceano que se estende pela costa, cobrindo e descobrindo alternativamente os rochedos que tão perigosa tornam a nossa barra, e por entre os quaes bem depressa o brigue passará.

Ficou-lhe por barlavento a Cruz de ferro.

― Larga a gavea e a mezena, bradou ainda o capitão.

Os marinheiros subiram rapidos pelas enxarcias e as velas desferraram-se, navegando o navio com mais rapidez.

O brigue entrava no Oceano transpondo os cachopos da barra.

(Continua)

J. d'Ascenção.

 

 
Em que pensas?
 

 
ao meu amigo F. M. de Souza Viterbo

Em que pensas, ó virgem, quando á noite
Ergues pallida a fronte para os ceus?
Que te diz esse livro, cujas lettras
São milhões de luzeiros? que soletras?
― Deus!

E quando irado o vento s'infurece
Revolvendo no mar os escarceus,
Trôa o trovão e os raios cento e cento
No ar se crusam, qual é o teu pensamento?
― Deus!

E nas lindas manhãs da primavera
Se alongas pelo campo os olhos teus,
E colher uma flor — ridente e bella —
Vás depois pressurosa, que vês nella?
― Deus!

Tudo n'um Deus me falla! O ceu, a terra,
O mar, a tempestade, o campo e a flor...
— Oh! e quando a teus pés, arrebatado
Por suave attracão, me vês prostrado,
De que te falla o coração?! — De amor...

 

H. Marinho.

 

 
Saudade

Inspirada pela excellentissima senhora D. Maria Peregrina de Sousa e offerecida á mesma senhora

Pallida, errando só nos ermos valles,
Quanto ha triste ella busca no universo,
Cançada de chorar, já não tem pranto,
Suspira, espera em vão achar allivio;
Corre as desertas plagas, nos rochedos
Vae assentar-se, as vagas contemplando
E pelo immenso mar dilata os olhos,
Immenso como é d'alma, a dôr immensa!..
Suspende-a ahi a noite que ella adora,
Porque no coração tem noite eterna!..
Mas quando d'entre as nuvens apparece
Essa formosa fada argentea, pura,
Ella sorri-lhe então, sente no seio,
Aprazivel saudade, mais tristesa!
E quando raia o dia, o sol desponta,
As trevas da su'alma não supportam
O claro rutilar dos raios seus
E já em matta escura de cyprestes
Onde esse astro de luz fulgir não póde,
Embrenha-se gostosa, vae fartar-se
Entre funereaas campas de tristeza!..
Depois ajoelhada junto áquella
Em que uma irmã querida, terna jaz,
Desfolha rouxos lyrios orvalhados
Inda por essas lagrimas saudosas
Que d'alma angustiada se deslisam,
Apoz, pia oração, adeus sentido,
Adeus de quem d'alli se affasta a custo,
De quem ao Creador roga incessante
A gloria d'entre os anjos ser com ella!..

 

M. A. Fernandes Prata.

 

 
Quinze dias fóra do Porto
 

 
I
Do Porto a Braga

Hontem as mulheres na vertigem da walsa eram como ums sylphos aereos, que se perdiam nas ondulações da harmonia fazendo lembrar, ao volitarem pelo salão, um bando d'andorinhas, que vai fugindo ao chegar do asperrimo dezembro. Hontem, os perfumes das flores, as notas cadentes do piano, os sorrisos angelicos, os olhares languidos... E hoje... e agora venho aqui encafurnado e mais Arnaldo Pimenta n'estas catacumbas ambulantes da Companhia Viação. Eis aqui no que eu meditava, quando ha pouco mais de quatro mezes, contundidas as carnes pelo desconcertado movimento do carro jorna-