A esperança
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Ella só encerra em si
O mundo, ceu, paraizo,
Para ser ditoso, ao homem
Basta um seu meigo sorriso!

 
MARIA ADELAIDE FERNANDES PRATA.
 

 
Um improviso
 

 
Trecho da vida anedoctica de Paganini

Paganini tinha chegado a Londres em 1831. Na noite de 21 de junho, lord Holland abria os seus explendidos salões, e por isso uma multidão de carruagens se agglomerava em volta do seu palacio, situado em Regent Street, um dos bairros mais fashionables de Londres.

A reunião era o mais selecta possivel. No cristal de mil espelhos, miravam-se os rostos formosissimos das mais bellas ladys, deslumbrantes pela sua magica formosura, realçada pelo assetinado das vestes, e pelo brilho das pedrarias. Tudo o que a famosa capital da Grã-Bretanha encerra də grande na fidalguia, na litteratura, na politica e nas artes, tudo alli se encontrava. Tinha aquelle baile uma feição caracteristica. O observador menos attento descobriria nas feições dos convidados uma especie de curiosidade, de impaciencia até. N'essa noite, n'aquella sala, uma das maiores personagens musicaes faria ouvir os magicos sons do seu instrumento, e por isso era justa aquella curiosidade, aquella avidez de ouvir um executante, que a fama apregoava como o melhor, que o mundo tivesse escutado.

Paganini tinha chegado a Londres, onde o seu nome era apenas conhecido. D'esta vez ia-elle arrebatar uma multidão, desejosa de o poder avaliar. A sua chegada a Londres pouco faltou para fazer subir os fundos; foi um grande sucesso. Era a novidade da estação que mais voga tinha, e de que todos se appraziam fallar. Nos salões de lord Holland fazia ella a sua estreia, e por isso tudo o que sentia n'alma uma scentelha do amor do bello, tudo o que prestava um culto ás bellas artes, alli se achava.

N'esta brilhante soirée o eximio rebequista desenvolveu todas as maravilhas, desentranhou todas as fatidicas concepções do seu divino instrumento. Nenhum sentimento ficou por exprimir n'aquellas coirdas que se diriam as vozes d'um anjo. Cada arcada era um exforço do sublime.

Ora terno, ora apaixonado, como o gemer das aguas que se despenham d'um cómoro, ora imperceptivel quasi, ligeiro, como o bater d'azas da andorinha, ora fogoso, cheio de impetuosidade, cheio de elegancia, de paixão, de melancholia, nunca deixou um só instante em socego, em apathia, em indifferença o coração dos ouvintes. Nenhum espectador deixava de estar mergulhado n'aquelle chaos melodioso, nenhum deixou de comprehende a linguagem de fogo e apaixonada d'aquelle instrumento, inerte nas mãos de qualquer outro, com vida apenas á primeira arcada deixada cahir sobre as suas cordas pela mão de Paganini.

Duas horas assim se passaram sem que o enthusiasmo houvesse um só momento resfriado até que o instrumento se calou. Todos acreditaram que o agradavel concerto teria acabado, mas o celebre violinista, apenas tinha cessado do tocar, para recolher, para concentrar todas as suas forças na execução d'uma obra collossal, que devia terminar a soirié.

Se não fôra historico o facto, que vamos contar, e authenticado por muitas pessoas, bastava sómente pensar nos immensos recursos musicaes, e no genio de Paganini, para o tronarmos por certo.

A um signal dado de lord Holland, os lustres que illuminavam os salões se extinguiram como por encanto. Do meio das trevas que povoavam a vasta salla, uma mulher se ergueu vagarosamente, e com uma voz repassada de tristeza, vaga, e incerta, principiou a recitar uma d'essas lendas sombrias, terriveis, lugubres, cheias de fantastico e de maravilhoso, como o abysmo de sombras. Esta mulher era Anna Radgliffe, romancista a mais popular d'Inglaterra, authora bem conhecida dos Mysterios d'Udolpho, d'esse romance tetrico, povoado de visões taciturnas, de phantasmas, de spectros, que a cada passo nos fazem tremer, quando o lêmos