Dá-nos valôr bastante pra trilhar
Esta senda escabrosa, humedecida
Pelas pungentes lagrimas que géra
O soffrimento e dôr que o mundo offrece!...
Só tu podes na terra de martyrio,
Uma esp'rança inspirar ao desditoso!
Ai, sem ti arrastar quem poderia
Os tormentos que a vida tanto opprimem
Que o coração esmagam fibra a fibra!...
Quando desesperados esquecemos
Teu auxilio divino, então que horror!
Que inferno dentro alma nós sentimos!...
Sem um raio d'esp'rança cá na terra,
Deslembrados d'um édem de delicias
E dos lados blasphemeas só sahindo!...
Então volves piedósa a soccorrer-nos
E já rompendo a nuvem que occultava
Essa luz rutilante que da gloria
Esparge a mão do Eterno ao que tem fé,
Magestosa appareces d'alvas roupas
E tão pura, tão sancta nos apontas
Serena para o ceu, erguendo a cruz!...
«Alli, eis teu regresso, tu nos dizes,
«Deixae os vãs cuidados que nos valem
«Um momento de gloria junto a Deus!...
E o calix nos mostras d'amargura,
Abraçada na cruz, olhando o ceu!...
Maria Adelaide Fernandes Prata.
Nas paixões da humanidade para a riqueza, está comprehendida grande parte da nossa historia social.
A riqueza é o movel da nossa actividade, dos nossos esforços, do valioso engenho das nossas combinações. E' ella, que satisfaz prodigamente os nossos prazeres, as nossa commodidades, grande parte das exigencias do nosso espirito, e lhe amortece essa sede, que o abraza.
Na esphera social, em todos os paizes, em todos os povos; quer nas nações antigas, quer nas modernas; nas patrias civilisadas e nas menos cultas, tem tido existencia, e subsistido o desejo das riquezas, como um principio inherente á natureza humana.
E como explical-o? No homem ha uma parte indifinivel. E' a alma. Apoz ella o seu continuo anhelar, que para o contentar sufficientemente nem todo o universo lhe bastava.
E que faz o homem não podendo satisfazer os seus multiplicados desejos? Sônha, delira, extasia-se, commove-se, arrebata-se e á força de mergulhar-se no oceano do idialismo, afoga-se no seu vasto seio.
Então torna-se prosaico, e todos os seus projectos dasapparecem como uma nuvem de pó. Um só permanece arteigado e inabalavel; porque é a luz dos seus olhos, o germen da sua existencia, o alimento da sua materia animada, e o fogo ardente do seu espirito: é a riqueza.
Os que a conseguem, são apontados como felizes; os outros dizem-se desgraçados. Os primeiros vivem na abundancia, os ultimos na miseria. Entre estes dous limites, não ha harmonia possivel.
Não nos move a inteligencia, a conciliar esses dous extremos, que nuluamente a repellem. Dir-se-iam duas cargas electricas da mesma natureza.
São á similhança de dous irmãos, que se odeiam, que não buscam comprehender-se, e que desejariam collocar-se a uma distancia infinita, para evitarem todo o contacto possivel.
Mas nós, verdadeiros socialistas, desejariamos, que estes dous extremos convergissem. Queriamos até os laços d'um aproximado ― parentesco.
Uma completa paternidade seria muito; seria o progresso indefinido tão exaltado pelo genio poetico de E. Pelletan.
Os poetas, em geral, sônham muito, porque encaram por um só lado a humanidade; ordinariamente exultam as bellezas ficticias da natureza, e mal pensam nas riquezas sociaes.
Andam atraz d'um bello, que nunca encontram.
Que me responderia Camões se voltasse a este ― valle de lagrimas ―, perguntando-lhe se havia sido feliz?
M
Meus senhores, é coisa rara
vêr-se um homem tão de bem
como eu, e esta cara
bem o — demostra... Que tem
o ser pobre sapateiro?
Não sou nenhum caloteiro,
como muitos por'i ha,
que lhes vai a gente a casa
e impatam-nos a vasa
dizendo que não? estão lá.