portaveis são as dores, que padeço. Não me desampares, ó minha generosa amiga, que sem ti descahiria na mais medonha desesperação.... Morte cruel! acaba já de expirar a minha vida. Não ha males, que eu não mereça: trahido tenho, deshonrado, perseguido vergonhosamente a innocencia, a propria virtude.
Entre as convulsões da dôr fazia a marqueza de Clarença a cada instantante novos esforços por arremessar-se ao leito, donde faziam muito por arredal-a; até que expirou finalmente o infeliz com os olhos pregados nella, e a voz se lhe acabou de extinguir, pedindo-lhe perdão.
A unica consolação de que a marqueza foi capaz, era a religiosa confiança, que lhe inspirava tão boa morte. Mais fraco foi, diz ella, do que máo, e mais fragil, do que delinquente. O mundo o descaminhou com seus prazeres e Deos o fez cahir na conta por via das dores; e como o castigou, perdoa-lhe. Sim, ó meu esposo, ó meu querido marquez de Clarençe! exclamava ella; desembaraçado dos laços do sangue, e do mundo, no seio de mesmo Deos me esperas.
Enlevada sua alma nestas santas idèas, voltou á companhia da sua amiga, a qual achou aos pès dos altares. Magoadissimo ficou entranhavelmente o coração de Lucilia com a noticia desta mòrte cruel, e virtuosa. Choraram ambas a ultima vez; e passados alguns tempos consagrou a marqueza a Deos, fazendo os mesmo votos, que Lucilia, aquelle coração, e aquelles dotes e virtudes de que o mundo não era digno.
Foram indo já de vagar. Maria Isabel não fazia exercício ha muito; e quasi não comêra, nem dormira desde que fôra arrebatada da casa de Custodio da Cunha. Francisco de tempos a tempos olhava para traz. D'uma das vezes avistou ao longe dois cavalheiros e conheceu em um Damião.
― Não se volte para traz, disse Francisco.
― Pois que é?...
― Se me não engano é o mastareu chamado Damião que volta para o chaveco de piratas, com o capitão que foi chamar.
― Ah! meu Deus!.. meu Deus!..
― Não tenha medo. Se estivessemos na cosinha defumada, poderiam talvez matar-me e pôr-me ao fumeiro; mas cá no mar largo não se desfarão de mim facilmente, e eu não a deixarei levar ainda que me esfolem.
Maria Isabel queria correr; mas não podia já dar passada. Pouco depois o filho de Carolina parou e disse.
A snr.a D. Mariquinhas não póde mais. Entremos n'aquella casa.
A filha de Maria Carlota queria continuar a andar, mas arrastava-se, não caminhava. Tiveram breve disputa, depois disse elle forçando-a a entrar n'uma pequena casa:
― Entre... entre. Já vejo vir os demonios dos piratas.
E elle disse á dona da casa que lhes perguntava o que queriam:
― Esta senhora não póde já dar um passo, e vem fugida d'uns mariolas que a roubaram de casa.
― Então, disse a mulher; são uns que vêem a galope. Não tardam a apanhal-a.
― Pois, mulhersinha, feiche a porta, e se elles baterem, diga que não abre sem vir o maioral que governa cá na terra.
A porta fechou-se, mas não era preciso grande exforço para a metter dentro. Francisco promettia pagar o estrago, se fosse arrombada.
A dona da casa tinha desembaraço e achava do seu gosto a façanha em que a mettiam. As mulheres do campo estão quasi sempre promptas a guerriar os seductores malvistos das raparigas que querem conquistar, e perder. O estado de fadiga em que estava a orphã, tornou a sua hospedeira ainda mais compassiva. Chamou esta uma pequena e ordenou-lhe de levar aquella senhora para a caseta e de fechar a porta por dentro.
A mulher e Francisco ficaram na sala. Batiam já á porta.
Retrocedemos algumas horas.
Damião sahira da quinta, em que deixava a captiva, com tenções de chegar a Braga, mas com grande espanto seu encontrou Amaral, que vinha para os lados do Porto, a cavallo e só.
― V. exc.a por aqui ― disse o criado.
― Eu mesmo. Onde ias tu? Devias estar no teu posto.
― Dirigia-me a Braga para dizer a v. exc.a que temos a sua pupila na quinta que alugamos.