A esperança
349

 

fazer acto, que não tive remedio senão condescender. Venho sem cuidado, porque elle tem junto a si amigos verdadeiros.

Ao despedir-se disse-me: ― Josephina, e a sua boa amiga devem ter soffrido bastante; socegue-as, meu pai, e diga-lhes que breve irei para as acompanhar á Ermida da serra.

O coração de Clotilde batia com tanta força que fazia levantar o espartilho do vestido.

― Como chegou o meu amigo? ― dizia o snr. Cunha entrando na sala.

― Um pouco fatigado da jornada ― respondeu o marquez apertando-lhe a mão.

Clotilde e a sua amiga sahiram.

No jardim está a velha Roza desempenhando uma empreza de que a encarregaram as duas meninas, debaixo d'um caramanchão, coberto de um copado cédro, prepara ella um rico almoço com que as duas amigas querem surprehender o marquez. Depois de ter tudo prompto, foi avisar as senhoras que se dirigiram para a sala aonde estava o marquez e o snr. Cunha.

― Meu pai, eu venho pedir-lhe o favor de vir ao jardim, quero que admire o bom gôsto de Clotilde.

― Minha senhora, o meu amigo ainda não almoçou, e talvez agradecesse mais que o chamassem para a meza, do que para o jardim.

― Acho que o snr. Cunha tem razão ― objectou o marquez.

― Mas emquanto apromptam o almoço, podêmos ir ouvir os meus canarios ― disse Clotilde ― a musica tambem intretêm a fome, e elles hoje estão mais harmoniosos que nunca; e isto é para o obsequiarem, snr. marquez.

― Não ha remedio senão condescender com a vontade d'estas meninas ― disse este, pegando no chapéu; e todos quatro desceram para o jardim.

― Quero mostrar-lhe estas tolipas amarelas, snr. marquez ― disse Clotilde colhendo uma das bellas flores, e offerecendo-a ao seu hospeded.

― De certo são formozas, e é preciso que v. exc.a reparta d'ellas com Josephina.

― Vamos assentar-nos debaixo do caramanchão que fica perto do viveiro ― dizia a filha do marquez, sorrindo para a sua amiga.

― Estas senhoras querem fazer-nos jejuar! ― disse o snr. Cunha.

― Tenha paciencia, meu tio, é só emquanto Rosa não nos chama para a meza.

Ao chegarem ao caramanchão, o marquez, e o snr. Cunha, ficaram maravilhados da agradavel surpreza que lhe tinham preparado! Nos quatro cantos da meza estavam collocados grandes vasos cheios de flores; bellos fiambres, e delicados doces enchiam a meza! Em elegantes cestinhos de juncos, feitos pelas duas meninas, via-se saborosas laranjas, aromaticos morangos, e rubras cerejas.

Todos se assentaram alegremente em roda da meza.

― Não vos enganei snr. Marquez, quando vos disse que os meus canarios cantavam hoje muito melhor! Ora prestai-lhe attenção em quanto almoçamos.

― Esta surpresa tinha sido preparada para mais alguem ― disse a filha do Marquez, mas para não haver gosto completo, falta aqui o nosso Paulino!

Ninguem reparou n'uma lagrima que se escapou dos olhos de Clotilde, e que ella rapidamente limpou.

Rosa tornou a descer trazendo o chá, e no fim do almoço appareceu o padre Francisco, e as duas amigas os deixaram no jardim, e subiram para caza.