94
A esperança

 

― Quem é o mortal ditoso,
― A quem tu anjo formoso
― Dedicas tão meigo hymno? ―
Respondeu com vós mui bella:
«Não sabes, pobre donzella,
«Que faz seus annos Julino?

«Eu canto hymnos formosos,
«Mais além cantores plumosos,
«Não ouves meigos trinar?
«Ouves as aguas do rio
«No seu brando mormurio
«Ternas canções entoar?

«Vez alli o verde prado,
«De roxas flores enfeitado?
Tudo tem graça e belleza!
«Tudo respira alegria;
«Neste afortunado dia
«Sorri toda a naturesa».

Em quanto o anjo fallava,
Meu coração exultava
De prazer e d'alegria;
Por vêr que os anjos do ceu,
Festejam os annos teus
N'este tão ditoso dia.


Veiga, 5 de março de 1865.

Ephigenia do Carvalhal Sousa Telles.

Maria Isabel

por

Maria Peregrina de Sousa

Dedicado á memoria de minha irmã

Não dá quem tem,
senão quem quer bem
.

Rifão


(Continuado da pag. 87)

XII

Excesso de generosidade

A casa em que a filha de Ricardo d'Oliveira foi recolhida, era em Villar; mas ella, pouco conhecedora d'aquelle arrabalde, não soube em que parte da cidade estava. A casa era pequena, mas muito aceiada, e o quarto da orfă, estava rica e lindamente trastejado.

A pessoa que foi creada com luxo, e que uma desgraça fez perder todos os gosos e commodidades da vida, não póde ser indifferente á satisfação de tornar a possuir tudo isso, que por algum tempo perdéra. Ainda que Maria Isabel tivesse o coração n'outra parte e a alma despedaçada pela dôr, não pôde deixar de sentir os beneficios do bem material. Ao recolher-se no lindo quarto que lhe era destinado disse comsigo:

― Sou muito ingrata! Porque não amarei esta generosa e boa senhora?

Assentou-se n'uma cadeira de molas com estofo coberto de setim azul, pousou os pés n'uma almofada de velludo com rosas em relevo, d'essas que se mandam cortar a Inglaterra, e correu vistas melancolias e distrahidas sobre a alcatifa que cobria o soalho, e ergueu-as até as fitar n'um espelho, d'uma pureza, brilho e clareza deslumbrante. Ardiam sobre um bofete as vellas d'uma rica serpentina e a froixa luz de lamparina em vaso d'alabastro. A magnificenciɐ